O PCP vai avançar com uma iniciativa legislativa para repor freguesias extintas pela anterior reforma do mapa de freguesias. A informação foi avançada esta terça-feira por João Oliveira, no encerramento das jornadas parlamentares do PCP, em Bragança. Os comunistas apresentaram também uma interpelação ao Governo para ouvir os responsáveis do Executivo no Parlamento.

“A extinção de freguesias imposta por PSD e CDS, contra a vontade das populações e das autarquias, inseriu-se numa estratégia de empobrecimento do nosso regime democrático, afastando os eleitos dos eleitores e retirando possibilidades de participação das populações, e não só não conduziu à eliminação de assimetrias, como pelo contrário, as agravou”, defendeu o líder parlamentar comunista, em conferência de imprensa.

Desafiado a avançar mais detalhes sobre de que forma essa contrarreforma pode ser concretizada, João Oliveira acabou por sublinhar apenas a necessidade de ouvir as autarquias e todos os envolvidos antes de avançar com uma reversão do atual mapa.

Esta, no entanto, não foi a única iniciativa anunciada pelos comunistas. O PCP vai defender na Assembleia da República a consagração das 35 horas como jornada de trabalho semanal para todos os trabalhadores. Nem a propósito, os comunistas aproveitaram para deixar um aviso ao Governo socialista: o “Estado deve dar o exemplo” e aprovar rapidamente os “projetos em apreciação que consagram a reposição e fixação das 35 horas de trabalho para todos os trabalhadores da Administração Pública”.

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As 35 horas de trabalho semanais para funcionários públicos têm sido uma das principais bandeiras de PCP e Bloco de Esquerda e os dois partidos têm pressionado o Governo para adotar rapidamente a medida. Perante alguma hesitação inicial de Mário Centeno em avançar com datas, seria António Costa a garantir que as 35 horas na função pública avançariam já em julho.

Na calha, estão também várias alterações ao código laboral propostas pelo PCP, como a “reposição do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador” e a “eliminação da caducidade dos contratos coletivos de trabalho por via da sua renovação”.

Com o objetivo maior de levar ao Parlamento os problemas que afetam o interior do país, o PCP decidiu avançar com uma interpelação ao Governo “sobre política geral, centrada nos problemas das assimetrias regionais, da desertificação e do despovoamento do território e nas políticas necessárias para assegurar o desenvolvimento equilibrado do país”, anunciou João Oliveira.

Esta interpelação obrigará a que os representantes do Governo – ministro e/ou secretário de Estado – marquem presença no Parlamento para responder às perguntas dos deputados. Instado a comentar sobre se este mecanismo utilizado pelo PCP não mostrava algumas dificuldades de diálogo entre comunistas e socialistas, João Oliveira desvalorizou. As reuniões bilaterais entre PS e PCP não limitam a atuação dos comunistas no Parlamento, lembrou o líder da bancada comunista.

Lei dos Baldios, Casa do Douro e Portagens – PCP não desiste de reformas prioritárias

Além da reversão da reforma do atual mapa de freguesias e da revisão de alguns aspetos do código laboral, João Oliveira anunciou ainda propostas de alteração à atual lei dos baldios, “expurgando-a dos aspetos mais negativos introduzidos pelo Governo PSD/CDS”, sublinhou o líder parlamentar do PCP.

Os comunistas vão levar também ao Parlamento medidas para assegurar a sobrevivência da Casa do Douro, um processo que se arrasta desde a anterior legislatura.

O líder parlamentar do PCP lembrou, ainda, outras quatro prioridades há muito defendidas pelos comunistas: o fim das portagens nas autoestradas ex-SCUT nas regiões do interior do país e do Algarve; a necessidade de adotar um regime de incentivos para os profissionais de saúde que se fixem nas regiões do interior; a valorização do parque escolar nesta região; e a necessidade de garantir que um “tribunal de competência genérica em matéria cível e criminal em cada concelho do país”.

Recorde-se que o PCP sempre se opôs ao mapa judiciário desenhado pela ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz. Por isso, garantiu João Oliveira, o partido vai continuar a “lutar” pela reversão dessa reforma. Mais uma forma, dizem, de combater as assimetrias regionais, o tema central destas jornadas parlamentares do PCP.

Cachão. O complexo fantasma

Pouco antes do encerramento das jornadas parlamentares do PCP, os deputados comunistas aproveitaram a manhã de terça-feira para visitar o complexo industrial do Cachão, em Mirandela, praticamente em ruínas desde o último incêndio. O objetivo desta iniciativa era chamar atenção para os problemas decorrentes da falta de investimento no interior.

“Temos todas as condições, mas as pessoas não querem ficar aqui”, lamentava António Morgado, administrador da Agroindustrial do Nordeste (AIN), enquanto ia mostrando o que resta do complexo. Um conjunto de edifícios, a maioria decrépitos, transformado num fantasma do que foi durante os anos 70. Chegaram a ser 1.200 trabalhadores. Hoje, não são mais de 110, número que sobe para 200 durante na época da castanha. E esse nem é o maior problema do complexo industrial.

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O cheiro é de tal forma nauseabundo que torna-se difícil não cobrir o rosto. Em fevereiro de 2016, um incêndio de grandes proporções deflagrou num armazém atulhado de plástico até às costuras. Meses depois, e mesmo com a forte chuva que foi caindo, os resíduos ainda estão em combustão. O fumo, tóxico, é impossível de ignorar, com riscos óbvios para a saúde pública.

Originalmente, o armazém servia para guardar inox e cobre. O responsável pelo espaço, António Policarpo, da Bionordeste, decidiu acumular plástico à revelia das autoridades responsáveis e contra todas as recomendações de segurança. Hoje, e já depois do incêndio, o lixo e o plástico derretido formam montes gigantescos e grotescos.

Retirar o plástico queimado tem custos e é um processo moroso, reconhece António Morgado. Mais: depende da capacidade de quem está disposto a recebê-lo. “A questão é mais de ordem financeira. Retirar [o plástico derretido] tem um custo elevado. Toda a gente está sensibilizada com a [questão da] saúde pública. Mas isto também é um produto difícil de remover porque não há quem rececione. Há poucas empresas que o rececionem, só incineradoras mesmo. Tanto quanto sabemos quem está a receber é uma empresa nortenha de pneus”.

Atualmente, o complexo é detido pelas Câmaras de Mirandela e Vila Flor. Enquanto as autarquias e o empresário responsável não resolvem o problema, o lixo amontoado e o plástico derretido vão expondo o abandono a que foi votado o complexo agroindustrial. A falta de investimento em infraestruturas e equipamentos, a desertificação da região, a dispersão dos produtores e os incêndios que foram fragilizando as instalações ajudaram a transformar o complexo do Cachão num reduto quase fantasmagórico. E foi isso que a comitiva comunista liderada por João Oliveira quis mostrar.

“[Esta visita] confirma de facto a importância do investimento público para resolver problemas e para criar condições para que a região se desenvolva”, comentava o líder da bancada do PCP no final da visita ao complexo.

Os comunistas quiseram chamar também atenção para o encerramento da linha do Tua. Encerrada há mais de oito anos, a linha do Tua chegou a servir diretamente aquele complexo industrial. Hoje, já não. “Esperemos que na consideração do Plano Ferroviário Nacional esta questão concreta da linha do Tua e da mobilidade da região seja considera no plano do investimento, da necessidade de investimento desta ligação ferroviária”, afirmou João Oliveira.

A terminar, uma certeza deixada em jeito de desafio por João Oliveira: “[O investimento público] é um custo que nós temos necessariamente de enfrentar para assegurar o combate às assimetrias regionais. É impensável considerar que as assimetrias regionais se podem resolver sem que suportemos os custos desse combate. Temos que assumir que isso só pode ser feito com a discriminação positiva das zonas do interior.”