Antes do vídeo que termina com um bombeiro na estação de comboios de Egly, a 40 quilómetros a sul de Paris, a desligar o telemóvel, Oceane publicou quatro outros vídeos na aplicação Periscope. Aparecia em casa, de cigarro na mão, a anunciar que ia fazer algo que queria que servisse como uma “mensagem”, mas que não devia ser visto por menores. Foi assim, sem nunca o referir, que anunciou o seu próprio suicídio, transmitido em direto para mais de mil utilizadores. A morte de Oceane está agora a levantar o debate público, em França: como podem as redes sociais proteger os seus utilizadores?

O caso aconteceu terça-feira pelas 16h29, quando Oceane, 19 anos, se lançou para a linha de comboio na estação de Egly, enquanto os internautas assistiam impotentes ao seu ato. Antes deste vídeo, onde explica em direto que foi vítima de uma violação por parte do seu ex-companheiro de quem seria vítima de várias agressões, a jovem transmitiu em direto quatro outros vídeos da sua casa. Aparecia sentada no sofá, a fumar cigarro atrás de cigarro, e a dizer que o que ia fazer não serviria para ter audiência, mas sim para passar uma mensagem. Alguns utilizadores terão escrito que era urgente chamar as autoridades. E houve mesmo quem as tivesse alertado, mas sem sucesso. Outros teceram comentários de apoio e incentivavam-na a “saltar ao vivo”.

O vídeo do suicídio foi imediatamente banido do Periscope. Será, no entanto, entregue às autoridades. O procurador do Ministério Público de Evry ainda interrogou o ex-companheiro de Oceana, que negou as acusações e acabou por sair em liberdade.

Em comunicado, o procurador de Evry, Eric Lallement, explicou que Oceana, antes do suicídio, enviou um SMS a um jovem “amigo do companheiro com quem manteve uma relação afetiva”

“No SMS, ela evoca atos violentos e uma violação por parte do ex-companheiro e declara que vai pôr fim à sua vida por causa do mal que ele lhe fez”, refere o comunicado do procurador Eric Lallement.

As primeiras conclusões do inquérito, que já conta com testemunhos de amigos e familiares de Oceane, dão conta de que a vítima tinha “um perfil psicológico frágil”. Oceane viva há cerca de um ano sozinha, depois da relação amorosa que se prolongou por dois anos. Era rececionista num lar de idosos. O seu namorado negou às autoridades qualquer relação sexual “não consentida” e confirmou ter mantido com ela “uma relação caótica” na qual colocou um ponto final. Disse, também, que ainda se encontrava com ela ocasionalmente. Acrescentou que Oceane já lhe tinha falado em suicídio.

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O que o Periscope podia ter feito?

Esta é a questão que está a ser levantada por vários comentadores e jornalistas em França. O que podia a aplicação Periscope ter feito? Será que podia ter evitado o ato suicida? Segundo a BBC, há quem responda que o perigo não está nos meios de comunicação, mas na forma como são utilizados. Outros argumentam que as redes sociais fomentam o exibicionismo.

Um porta-voz do Twitter, proprietário do Periscope, respondeu aos jornalistas que não “comentam contas individuais por razões de privacidade e segurança”. Ainda assim, o Periscope eliminou o conteúdo por conter imagens chocantes.

O presidente da e-Enfance, uma associação francesa que visa proteger as crianças na internet, não tem dúvidas que uma aplicação como o Periscope, ligada à rede social Twitter, é “perigosa”. E lança a questão: Oceane ter-se-ia suicidado se não fosse possível fazê-lo e direto? O psiquiatra Xavier Pommereau, do Hospital de Bordéus, considera que estes meios podem influenciar a decisão, uma vez que a “transmissão ao vivo amplia a ressonância do fenómeno”. Já o psicólogo Michael Stora revela à BBC que nestes casos os utilizadores acabam por responsabilizar os próprios amigos, que acabam por assumir um papel de psicólogos.

Fabrice Mattatia, perito em confiança digital, defende que as redes sociais deviam criar um sistema de alerta nestes casos — um simples clique que permitisse alertar para uma situação que possa vir a acabar mal.

Em finais de 2015, o Periscope tinha já 100 milhões de utilizadores.