“Imagination is the beginning of creation.” (George Bernard Shaw)

Faz-de-conta. Portugal vai empatando com a Islândia. O selecionador Fernando Santos, desgostoso com o fraco desempenho do seu melhor jogador, tira-o na segunda parte, quando a procissão ainda vai no adro. Esse jogador é Cristiano Ronaldo, pois claro. Pouco depois, mais desgostoso ainda com a exibição do melhor-depois-de-Ronaldo, não vai de modas e tira-o também. Aqui poderia ser João Mário. Ou outro. Tanto faz; o importante é que seja um jogador lá da frente. Mas lá venceu o jogo – resvés Campo de Ourique, 2-1, mas venceu. E venceu-o com um remate de Quaresma que deixou os adeptos portugueses no estádio Geoffroy-Guichard, em Saint-Étienne, de pé, eufóricos.

Como a fórmula de tirar os melhores até correu bem, no jogo seguinte, com a Áustria, Fernando Santos deixá-los-ia sentadinhos, a Cristiano Ronaldo e João Mário, onde eles menos gostam de se sentar e ver o jogo: no banco. Não lembra ao diabo, pois não? Mas aconteceu. Não com Portugal – que não os tirou do jogo, ou tão pouco venceu a Islândia. Aconteceu com a França. Didier Deschamps achou que sim, que lembrava ao diabo, e deixou Paul Pogba e Antoine Griezmann (os melhores dos Bleus na ausência de Benzema) fora do jogo com a Albânia desta noite, isto depois de os ter substituído contra a Roménia antes mesmo do golo “salvador” de Payet.

Ninguém sabe o que vai na cabeça do selecionador francês. Mas tentemos saber. Por um lado, como a fartura é muita, terá pensado que se colocasse Coman e Martial na vez destes, ninguém ia dar pela troca. Por outro, como o jogo com a Albânia era fácil, mais até que o da Roménia, o melhor era deixar os melhores a repousar, que época foi longa, e os suplentes davam mais do que conta do recado e apurariam, eles mesmos, a França para os oitavos-de-final do Euro que ela própria organiza. Ou, nem por um lado nem pelo outro, o selecionador quis “castigar” o mau desempenho dos dois contra a Roménia. Das três, uma.

Os três de quem se fala: Didier Deschamps, Paul Pogba e Antoine Griezmann (Créditos:ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/AFP/Getty Images)

Os três de quem se fala: Didier Deschamps, Paul Pogba e Antoine Griezmann (Créditos: ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/AFP/Getty Images)

A França até começou bem. E logo aos quatro minutos, depois de um cruzamento de Payet à direita da área – o francês é tão levezinho, que quando cruza, bate na bola e quase rodopia sobre si mesmo depois, erguendo os pés do ar –, Giroud foi rápido a fazer-se à bola no primeiro poste, ganhou a frente ao central Mavraj e cabeceou. Por cima da barra. Muito por cima. Sim, começou bem a França.

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Mas acabou aí. Até ao intervalo, só voltou a rematar (37′) uma vez mais. Depois de um cruzamento de Payet à direita da área, Giroud foi rápido a fazer-se à bola no primeiro poste, ganhou a frente ao central Mavraj e cabeceou. Por cima da barra. Muito por cima. Onde é que já leu isto? Sim, é copy-paste. É que foi igual, sem tirar nem pôr, ao remate do começo de jogo. Então, não tirei nem pus.

Tudo o mais na primeira parte foi monótono. Corria-se muito, quase sempre sem destino ou razão, e corriam sobretudo os franceses Martial e Coman – mas como os Jogos Olímpicos são só depois do Euro e futebol não é atletismo, a França empatava no Vélodrome de Marselha com a Albânia.

A Albânia rematou na primeira parte à baliza de Lloris? Sim. Ou não. Assim-assim. Aos 44′, pouco antes do árbitro escocês William Collum apitar para o intervalo, Memushaj rematou. Num livre, frontal à área e só um metro descaído para a direita, o camisola nove albanês (mas que até é médio-defensivo e nada ponta-de-lança, no Pescara de Itália) não tomou muito balanço, andou um passinho para trás, avançou depois outro para a frente, encheu o pé e cá vai disto: uma “pedrada”. Passou por cima da baliza francesa, a bola ainda tocou na rede de raspão, mas se o remate tivesse saído um palmo mais abaixo, estava lá dentro. Só que não.

Não podia ser pior a segunda parte. E melhorou, claro. Sobretudo porque Didier Deschamps deu o braço a torcer e colocou Pogba no lugar de Martial. Acabaram os sprints numa pista de tartan que não existia e começou o futebol. Enfim, o futebol. Giroud cruzou (46′) para a área desde a esquerda, a direção do cruzamento era Pogba, mas o médio da Juventus escorregou no “jogo do empurra” com Elseid Hysaj. Mas ainda não acabou aqui, calma. Kingsley Coman estava nas costas de Pogba, entre Mërgim Mavraj e Ansi Agolli, foi mais rápido que os dois albaneses a chegar a bola e desviou-a de cabeça, mas já em desequilíbrio. Tanto desviou, que saiu ao lado do poste direito de Etrit Berisha.

A França empurrava, empurrava, a Albânia recuava, recuava, mas até foram os albaneses a criar perigo. Verdadeiro perigo. É talvez o nome mais fácil pronunciar (para um português, entenda-se) entre todos aqueles acentos e cedilhas que os albaneses trazem no verso das camisolas: Andi Lila. Lila, o lateral direito da Albânia, cruzou para a área, de longe, de muuuuuito longe, Armando Sadiku saltou com Laurent Koscielńy, mas nenhum chegou à bola. Também longe, vindos da esquerda, Bacary Sagna e Ledian Memushaj sprintavam; o primeiro queria cortar a bola para lá do sol-posto, o segundo queria desviá-la para golo. Mas ninguém conseguiu bem, bem alcançar os seus intentos. O que conseguiram foi tocar na bola a meias e esta foi bater no poste direito de Lloris, batido na atrapalhação.

Pogba não chegava. Era preciso Griezmann. Saiu Coman — e a França voltou ao onze que começou o Euro. O melhor, portanto. Foi aos 68′. Uma hora e oito minutos depois, Didier Deschamps, sentado no banco, entre um gole e outro de água, nervoso e a apertar, a contorcer a garrafa nas mãos, não tinha mais braços para torcer; foram-se-lhe os dois.

Mas até ia sendo Giroud e não Griezmann a resolver o jogo. O cruzamento preciso (69′) foi de Evra, à esquerda, e mais precisão teve ainda Giroud no instante do cabeceamento que fez na área; acertou no poste esquerdo da baliza à guarda de Berisha.

O cronómetro seguia a sua marcha, tirano, Deschamps continuava no banco, ainda nervoso, ainda de garrafa nas mãos, ainda entre goles de água, mas golos nada. Até que, por fim, depois da França tanto insistir nos cruzamentos de Payet à esquerda, um deles acabou cortado (uma vez mais) pela defesa da Albânia, e caiu na direita, nos pés de Adil Rami. Rami, que até é central, cruzou (89′) para a área, Griezmann saltou ao primeiro poste sozinho e desviou para golo. Os centrais albaneses Mërgim Mavraj e Arlind Ajeti ficaram a discutir no relvado. Nenhum foi à bola. Fora dele, no banco de França, ninguém ficou sentado. Os suplentes correram a abraçar Griezmann. Deschamps não foi. Mas saltou. E saltou-lhe a garrafa. E saltou água por todo o lado.

Aos 90’+5, houve novo golo — e com direito a duas escorregadelas e tudo. A primeira foi de Pogba, ainda no meio-campo defensivo francês. Apesar de tudo e do tombo, lá colocou a bola na frente, na esquerda do ataque e em Gignac, um passe a mais de 40 metros — que fez com a mesma precisão que faria se só estivesse a quatro. E Gignac também escorregou, o coitado, estatelando-se de rosto no relvado quando tentava puxar a bola para dentro e rematar. O que vale (à França, entenda-se) é que estava lá Payet, com a aderência toda e sem escorregadelas, a rematar colocado, rente ao poste direito de Berisha, para o 2-0. C’est fini!