O Governo está a ponderar não enviar com antecedência um esboço orçamental à Comissão Europeia, optando pela entrega na data em que fizer chegar o Orçamento do Estado (OE) à Assembleia da República. Com esta estratégia, António Costa pode evitar uma negociação pública, com base num documento formal, evidenciando as cedências face às exigências de Bruxelas. Foi o que aconteceu em janeiro passado — quando não houve Governo a tempo de cumprir os calendários da apresentação do OE –, mas agora, os prazos coincidem: 15 de outubro é a data-limite para o Governo submeter ao Parlamento a sua proposta de Orçamento e é também o prazo máximo para fazer chegar a Bruxelas o projeto do que pretende fazer. Quer com isto dizer que o Governo se prepara para enfrentar Bruxelas, sem consultar a Comissão previamente sobre o processo orçamental? Nem por isso. A ideia é sobretudo de cálculo político interno.

O Observador apurou, junto de cinco membros do Governo, que esta questão está a ser debatida, mas ainda não está decidida. Há uma divisão dentro da equipa de António Costa. “Há outros estados membros que estão a entregar o draft e o OE ao mesmo tempo”, afiança um governante. Há ministros, sobretudo os da cúpula política, que consideram que há vantagens em enviar no mesmo dia para Bruxelas o que for entregue na Assembleia da República, saltando o capítulo de uma negociação com a Comissão, como a que aconteceu até à entrega do OE para este ano, que aconteceu a 5 de fevereiro. Trata-se de apenas de evitar uma negociação pública de contornos formais, porque as consultas informais já estão a ocorrer. Neste quadro, se Bruxelas só tiver conhecimento formal do Orçamento no dia 15 de outubro, o documento “já vai enquadrar toda essa discussão” prévia com a Comissão, de acordo com uma fonte do Executivo.

PS quer evitar o “visto prévio”

No início do ano, o processo de negociações nos bastidores com Bruxelas foi intenso, com os comissários europeus a exigirem uma meta para o défice mais ambiciosa e alterações de medidas, como foi o caso da cedência a que o Governo se viu forçado a fazer quanto à redução da Taxa Social Única que propunha. A versão inicial, garantiu no fim das contas o primeiro-ministro, “era melhor do que a final”. A negociação serviu, então, de justificação para as medidas adotadas. Como lembra um governante ao Observador, depois do crivo de Bruxelas, “o Orçamento veio com medidas adicionais de austeridade [como o aumento de impostos indiretos] que não tiveram de ser aprovadas” no Parlamento, através de projetos de alteração. As mudanças no esboço de orçamento foram sendo negociadas com os partidos que apoiam o Governo no Parlamento enquanto estavam a ser debatidas em Bruxelas, e diretamente introduzidas na proposta de Orçamento submetida à Assembleia da República.

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A obrigação de entregar, até 15 de outubro, à Comissão um plano orçamental — que a esquerda nacional rapidamente apelidou de “visto prévio” — foi instituída em maio de 2013, através dois atos legislativos europeus (o Two Pack) que visaram “reforçar os mecanismos de supervisão na área do euro”. Basicamente, estabeleceram normas comuns para acompanhar e avaliar planos orçamentais, bem como o reforço da supervisão orçamental e económica dos estados-membros em maior risco. A regra da obrigatoriedade da entrega de um esboço do Orçamento não se aplicou enquanto o país esteve sob período de assistência, nem no ano passado por não haver um Governo em plenas funções nessa data.

Estratégia para “geringonça” ver

Ao saltar este processo negocial com Bruxelas na praça pública, algo traumático para o Governo, António Costa e Mário Centeno dão um sinal junto dos parceiros de que o que a Comissão diz não se escreve, pelo menos antes do que dita o Parlamento. Apesar de não existir uma intenção de afrontar Bruxelas — admite fonte governamental –, deixar para o debate parlamentar a aceitação de eventuais exigências que possam vir da Comissão acaba por lhe tirar protagonismo (ainda que este exista informalmente). Para o PS, é um capital importante junto dos parceiros parlamentares num momento em que são já certas as sanções sobre o país (mesmo que sejam zero). E isto porque PCP e BE têm exigido a rutura com as regras impostas nos tratados europeus.

A sobrevivência política do Governo pode estar ligada às exigências de Bruxelas, mas, no plano interno, não é menor a importância da paz entre PS, PCP, BE e Verdes. Aliás, se a negociação do Orçamento de 2017 está em andamento junto das autoridades europeias, também já arrancou nos gabinetes do Parlamento, com encontros entre as forças que sustentam o Governo, nas últimas semanas, para levantamento de exigências e propostas para o Orçamento do Estado para o próximo ano, cuja preparação vai ocupar todo o verão.

Contactado esta quarta-feira de manhã pelo Observador sobre a entrega ao mesmo tempo do plano orçamental, em Bruxelas, e da proposta de Orçamento para 2017, na Assembleia da República, o Ministério das Finanças respondeu apenas esta quinta-feira, para dizer que “irá cumprir os prazos legal e constitucionalmente fixados, bem como seguir as regras europeias, à semelhança de todos os outros países”.

Esta notícia foi atualizada às 12h20, com a resposta de fonte oficial do Ministério das Finanças