O PCP não foi consultado pelo PS durante o processo que se arrasta há meses para escolher os novos juízes do Tribunal Constitucional. Mas o Bloco de Esquerda foi ouvido. O tema pode provocar tensão entre as forças políticas que apoiam o Governo, uma vez que Jerónimo de Sousa assume que, se não foi ouvido, considera que o PCP foi “discriminado”.
Estas declarações do secretário-geral do PCP foram feitas numa entrevista ao Observador realizada esta quinta-feira e que será publicada no sábado. Apesar de ainda não ter discutido o tema “coletivamente”, no âmbito do partido, Jerónimo de Sousa afirma: “O problema, por enquanto, não foi colocado, mas tenho esta opinião pessoal. De facto, a não consideração do PCP e a consideração de outros tem este caráter discriminatório”.
O líder comunista foi claro quanto ao processo que envolve os dois maiores partidos, PS e PSD. Dos cinco juízes que serão substituídos após a votação da próxima quarta-feira, o PS indica três nomes e o PSD dois. Do lado da esquerda, os socialistas podem incluir na sua “quota” juízes ou juristas com sensibilidades próximas do PCP ou do BE. Mas os comunistas não chegaram sequer a ser sondados, segundo o secretário-geral.
“Não estamos a negociar. Não negociámos o processo. Obviamente, a iniciativa teria de partir do PS, que tem os três lugares”, afirmou Jerónimo de Sousa ao Observador. E acrescentou: “Estamos para verificar o que vai acontecer. Como disse, não levantamos a bandeira como uma questão de fundo, mas não sei se o PS vai ficar com três lugares, se vai repartir com outra força política…”
Bloco de Esquerda: “Fomos incluídos nas conversações”
O mal-estar evidenciado por Jerónimo de Sousa não tem a ver apenas com o facto de os comunistas terem sido excluídos, mas por saber que o Bloco estava dentro do processo, como deu a entender o líder do PCP na mesma entrevista. Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, confirmou isso mesmo esta quinta-feira, a meio da tarde, ao Observador, quando ainda não se conheciam os nomes dos futuros juízes:
Do ponto de vista numérico somos dispensáveis, mas politicamente fomos incluídos nas conversações, embora nada esteja ainda fechado”.
Jerónimo de Sousa não assume que esta atitude do PS vá prejudicar a confiança entre as partes, “mas regista”, disse ao Observador. “Neste momento não temos [qualquer juiz no TC]. Já tivemos, durante anos. Não era um militante do partido. Tratando-se dessas instituições sem poder deliberativo e governativo, uma coisa é estarmos a lutar por isso, outra coisa é sermos discriminados.”
Os nomes que irão a votos serão conhecidos esta sexta-feira. Na terça-feira, os eventuais futuros cinco juízes do Tribunal Constitucional serão chamados à 1.ª comissão parlamentar para serem ouvidos pelos deputados. Neste momento, estão em causa cinco dos treze juízes do TC, dos quais 10 são indicados pela Assembleia da República e três são cooptados pelos seus pares.
Quando o PC tinha força no TC
Até 2009, o PS incluía o PCP no processo de escolha de juízes do Tribunal Constitucional, o que aconteceu com os conselheiros Guilherme da Fonseca (que entrou em novembro de 1993) e Mário Torres (dezembro de 2002). Aliás, este último foi mesmo negociado pelos comunistas com António Costa, que era então o líder parlamentar socialista. Em março deste ano, o deputado do PCP António Filipe recordava estes factos ao Observador e admitia que o regresso dessa tradição fazia “sentido”, desconhecendo que o processo teria este desfecho.
Quando Mário Torres saiu, por renúncia, os socialistas indicaram para o seu lugar Catarina Sarmento e Castro, que tinha estado nos gabinetes de dois executivos PS e era filha do socialista Osvaldo Castro. Quebrou-se uma tradição que já vinha de trás. A presença de um nome próximo do PCP no coletivo de juízes do Palácio Ratton aconteceu logo no primeiro momento do TC. Vital Moreira, que tinha sido deputado comunista, foi indicado para o primeiro coletivo do Tribunal Constitucional, em 1983, embora o processo também não tenha sido pacífico.