Lima é mais uma capital latino-americana gigante, com mais de oito milhões de habitantes. Um amigo português que lá mora, embora ausente em trabalho, arriscou dar-nos a chave do seu apartamento em Miraflores, o melhor bairro para viver — nestas cidades polarizadas, há sempre as zonas para gente como uno e as zonas onde não se vai.

Outro amigo, peruano, levou-nos a passear pelo Malecón com vista sobre o Pacífico, que termina no Parque do Amor, onde aventureiros em parapente rasgavam o horizonte. Para agradar aos miúdos, fomos almoçar frango e chicha morada, um sumo feito com milho roxo, mesmo ao lado do Segundo Muelle limenho.

À noite, fomos ao bairro boémio de Barranco assistir a um espetáculo de danças tradicionais do Peru. A mais extravagante foi a “dança das tesouras“, em que os bailarinos desfiam acrobacias enquanto fazem tinir tesouras. A dada altura, o apresentador chamou ao palco todos os estrangeiros presentes para nos dar as boas-vindas, mas o presente vinha envenenado: a banda tocou uma música típica de cada país e a Maria e eu tivemos de dançar o Malhão em frente a todos.

No dia seguinte, após o passeio domingueiro dos tristes pela Baixa algo decadente de Lima, chamou-me a atenção uma multidão concentrada num jardim público do nosso bairro, o Parque Kennedy, mais conhecido pelo ajuntamento de gatos que são alimentados pelos transeuntes. Já tinha anoitecido, e os muitos miúdos ali presentes não conversavam entre si, só olhavam para os telemóveis. Foi a primeira vez que nos cruzámos na viagem com a febre dos Pokémons.

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Seguimos depois para Cusco, uma cidade com que muito me identifico — desde logo pelo nome! A sua praça principal foi talvez o espaço urbano mais simpático que já encontrámos até aqui, sobretudo ao fim da tarde, quando a iluminação amarela realça as suas arcadas e igrejas.

Passámos a primeira noite no Hotel Los Niños, cujas receitas fazem girar uma instituição que diariamente dá alimento e educação a 600 crianças. Os próprios funcionários do hotel são antigos beneficiários deste projeto. A comida que é servida na cafetaria, de inspiração europeia, é ótima e permitiu-nos variar de uma ementa já estafada.

O maior problema de Cusco é estar a uma altitude de 3400 metros, o que nos faz cansar em qualquer caminhada e nos obriga a um período de habituação, com recurso a muito chá de coca (aqui é legal e não faz mais do que acalmar o “mal de altitude”). Os meus sogros chegaram para passar uns dias connosco, e também se ressentiram logo da altitude. Só os miúdos é que estavam como se nada fosse.

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Cusco funciona como porta de acesso às ruínas de Machu Picchu. Mas é um acesso condicionado: a única opção de transporte direto entre os dois pontos é um comboio “para gringos” muito inflacionado. A última etapa antes das ruínas é a aldeia desordenada de Aguas Calientes, perdida entre montanhas. Fazemos o estágio para o grande dia nas piscinas de água termal que dão o nome ao lugar.

Finalmente chega o dia de visitarmos Machu Picchu. A Maria e eu saímos mais cedo para nos lançarmos a um desafio extra: subir ao Wayna Picchu, o pico que se vê em fundo na imagem mais habitual das ruínas. Só 400 pessoas por dia podem fazer essa subida, que é feita em degraus íngremes e com pouca proteção. E eu, que tenho vertigens até em cima de um escadote, armo-me em temerário e faço-me ao caminho.

As coisas não correm mal até quase lá acima. Vamos devagar e nunca olho para o lado do precipício. Embalado pelas cores do meu clube, sinto-me a marcar pontos aos olhos da intrépida esposa. Só que eu tinha estado a ver no YouTube alguns vídeos da subida e sabia bem que o pior eram os últimos degraus, mais estreitos e sem proteção. Chego ao topo a custo e a praguejar. Só vejo nuvens à volta e tenho praticamente um ataque de pânico – “e agora, como é que vou descer daqui?” Felizmente, há um guarda que desbloqueia a situação e me ajuda a descer até uma zona mais larga. Pergunto-lhe se são muitos os que se assustam como eu. “Alguns, sim. Mas é assim que conseguimos pôr algum pão na mesa da família…” O recado está dado, e a nota que lhe passo é mais do que merecida.

Para baixo todos os santos ajudam, ainda para mais com a vontade de nos reunirmos às crianças, que entretanto chegaram com os avós e estão a ver os lamas que passeiam pelas ruínas. Pegamos neles e fazemos um último esforço físico para chegarmos ao ponto alto de onde se tira a “fotografia da praxe”. Está feita a visita. São degraus a mais para miúdos tão pequenos, e a história do povo inca ainda lhes passa muito ao lado.

Uma avaria na locomotiva fez com que a viagem de regresso a Cusco demore mais de 5 horas, mas já não nos afetou. A dura prova de Machu Picchu estava superada, com direito a carimbo no passaporte e tudo!

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Nos próximos dias vamos até ao Lago Titicaca e entramos na Bolívia. Até à próxima crónica, vá espreitando as nossas fotografias no Instagram ou no Facebook.