A economia mundial deve crescer este ano ao ritmo mais baixo desde 2009, ano em que esteve em recessão, fruto do mau desempenho da economia norte-americana e da incerteza criada na Europa e no Reino Unido com o voto a favor da saída da União Europeia, diz o Fundo Monetário Internacional. O FMI está preocupado com a crescente vaga de populismo e o crescimento das políticas nacionalistas.
Os números pouco mudam, os alertas também não, mas a intensidade está a aumentar. Nas Previsões Económicas Mundiais que o Fundo dá esta terça-feira a conhecer, as previsões para a economia mundial são as mesmas dadas a conhecer nas previsões intercalares de julho, mas ligeiramente piores (em uma décima) às dadas a conhecer em abril, na revisão mais alargada feita então. A economia mundial deve crescer 3,1% este ano, e acelerar para os 3,4% no próximo ano.
Como lembra o economista-chefe da instituição, Maurice Obstfeld, comparando com há um ano, quando entrou para o Fundo, os riscos parecem mitigados, o crescimento da China continua elevado, a recuperação parece estar a ganhar tração no resto dos países, os preços das matérias-primas recuperaram, a volatilidade nos mercados diminuiu.
O diabo está nos detalhes, e, como diz Maurice Obstfeld, olhando mais de perto há razões para preocupação. Uma boa parte delas pode ser atribuída à política interna dos países e ao seu efeito nos restantes, especialmente quando falamos das economias avançadas, que o FMI coloca agora a crescer menos 0,2% do PIB face ao que previa em julho.
Segundo o Fundo, o Brexit torna incerto o futuro das relações comerciais e financeiras com os restantes 27 países da União Europeia, criando incertezas políticas e económicas que ameaçam enfraquecer o investimento e a contratação ao longo da Europa. O FMI vai mais longe e, para além de cortar em 0,1% e 1,1% o crescimento do Reino Unido em 2016 e 2017, respetivamente, diz que só daqui a vários anos será possível perceber como serão as relações comerciais entre o Reino Unido e a União Europeia.
Mas não é apenas o contexto estritamente económica que preocupa o FMI na questão do Brexit (e não só). O Fundo extrapola o impacto da votação para outros países da União Europeia e diz que há uma pressão crescente a nível global para que os países adotem posturas populistas e políticas mais nacionalistas.
“O voto pelo Brexit e a campanha presidencial em curso nos Estados Unidos têm evidenciado uma fragilização no consenso em torno dos benefícios da integração económica transfronteiriça. As preocupações à volta do impacto da competição externa no emprego e nos salários num contexto de fraco crescimento estão a fazer crescer o apelo das abordagens protecionistas, com potenciais ramificações para os fluxos de comércios globais e integração de forma mais global”, escreve o Fundo.
O FMI está preocupado com a oposição crescente ao comércio internacional, que se tem traduzido recentemente na oposição aos acordos de comércio, tanto do lado da Europa em relação aos Estados Unidos, como na campanha eleitoral em relação a este e outros acordos de comércio (que inclui os tratados assinados com países asiáticos).
A solução, diz o FMI, é um renovado empenho dos políticos em explicar os benefícios da integração económica no longo prazo e garantir a execução de programas sociais bem dirigidos para ajudar aqueles que sofrem as consequências da integração económica.
Países com mais espaço orçamental devem usá-lo
Outro pedido que não é novo é o da coordenação entre os países para melhor aproveitarem o efeito das decisões a nível nacional, mas também do uso da margem orçamental. O Fundo tem defendido que os países em melhores condições de finanças públicas devem usar essa margem para fazer investimentos, em particular em infraestruturas, e mesmo aqueles países com menor margem podem fazer investimentos, fazendo escolhas diferentes sobre o dinheiro que têm disponível para gastar.
Neste sentido, o FMI defende que as condições monetárias devem continuar flexíveis, com os bancos centrais a continuarem a apoiar as economias, e que, mais uma vez, tudo isto não pode deixar de lado os necessários cuidados com as contas públicas, com um enfoque especial na redução do endividamento excessivo, e da aplicação de reformas estruturais.
China está melhor?
Vista do céu, a muralha parece intacta. A economia continua a crescer a taxas de crescimento robustas, superiores a grande parte das economias emergentes, a reorientação do modelo económico prossegue e os maiores receios parecem não se ter confirmado, pelo menos para já.
Mas de perto, a conversa é um pouco diferente. Segundo o FMI, as mudanças na economia chinesa podem acontecer de forma um pouco mais atribulada que o esperado nesta altura, especialmente devido às medidas de estímulo que o Governo chinês está a aplicar, que não só estão a fazer crescer de forma significativa a dívida pública chinesa, mas também fazem com que as reformas necessárias continuem a ser adiadas, devido a resultados de certa forma enganadores produzidos pelos estímulos de curto prazo.
Caso o caminho seja mais atribulada, sofre a China e sofrem muitas das economias emergentes que dependem da exportação de matérias-primas para a superpotência económica da Ásia. Entre estes países estão muitos dos países do sudeste asiático, mas também a África do Sul e o Brasil.
Terá o pior passado no Brasil?
Apesar da turbulência política, que se seguiu ao abrandamento económico generalizado na economia brasileira e que muitos dissabores tem provocado aos políticos brasileiros com cada vez maior exigência da população brasileira, o FMI até está mais otimista quanto à economia do Brasil.
É verdade que o FMI espera nova recessão no Brasil, depois de o PIB cair 3,8% no ano passado, mas espera também que essa recessão seja menor e que o país já cresça em 2017. Nas contas do FMI, a economia brasileira deve cair mais 3,3% este ano, quando antes esperava que caísse outros 3,8%, e que no próximo ano cresça 0,5%, quando antes apontava para uma estagnação. Os números mais negativos eram de abril, sendo que esta previsão confirma apenas os números de julho.