Na primeira semana à frente da Casa Branca, Donal Trump parece que conseguiu unir o mundo. Mas contra ele. Do Canadá à Alemanha, passando pela Itália, Holanda, Bélgica e Reino Unido, sem faltarem os países diretamente visados pela ordem executiva do Presidente americano. Todos condenaram a interdição de entrada nos Estados Unidos de imigrantes, naturais de países muçulmanos que a nova administração decidiu colocar na sua “lista negra” de suspeitas de terrorismo. Os protestos foram também internos e vieram de grandes empresas americanas, de juízes federais e da rua.

A unanimidade da reação negativa foi resumida pelo antigo presidente mexicano Vicente Fox numa mensagem no Twitter. Esta foi aliás a rede social usada por vários líderes mundiais para demonstrar o seu repúdio. “Muito bem Trump, as suas ordens executivas já uniram o mundo contra si e, se não parar, vão unir o mundo contra os EUA”, escreveu.

Nem Theresa May, a primeira convidada oficial de Donald Trump à Casa Branca, foi exceção na onda de protestos que surgiu quando a ordem executiva da sexta-feira começou a ser aplicada, travando a entrada no país de mais de uma centenas de pessoas e sujeitando muitas outras a longas esperas e interrogatórios por parte das autoridades nos aeroportos.

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A primeira-ministra britânica evitou falar sobre o tema numa visita à Turquia, mas face às acusações de falta de reação, o seu gabinete emitiu um comunicado em que diz: “Não concordamos com este tipo de abordagem que é uma via que não iremos seguir”. May já se reuniu com os ministros dos Negócios Estrangeiros, Boris Jonshon, e da Administração Interna, Amber Rudd, dando instruções para mostrarem preocupação junto das autoridades americanas. Jonshon considerou errado e gerador de divisões a iniciativa de Trump e prometeu proteger os cidadãos britânicos que possam vir a ser afetados. E já conseguiu assegurar isenção para os cidadão dos países visados que também têm nacionalidade inglesa.

Também o presidente da câmara de Londres, o muçulmano Sadiq Khan, classificou a interdição de vergonhosa e cruel, acusando a nova política da administração americana de atropelar os valores da liberdade e da tolerância sobre os quais foram construídos os Estados Unidos.

Já o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, “abriu as portas” do país àqueles que fogem da perseguição, do terror e da guerra, acrescentando que serão bem vindos, independentemente da fé religiosa. “A diversidade é a nossa força”, escreveu, enquanto dava as “boas-vindas” a todos os refugiados que quisessem procurar abrigo no Canadá.

A chanceler alemã manifestou a sua preocupação pela interdição temporária diretamente a Donald Trump, num telefonema feito no sábado. Segundo o seu porta-voz, Angela Merkel está convencida de que a luta contra o terrorismo, que é necessária e decisiva, não justifica colocar sob suspeita generalizada pessoas de uma origem ou fé particular. E acrescentou que a lei internacional exige aos estados que recebam refugiados de guerra com base em fundamentos humanitários.

Ao longo do fim-de-semana repetiram-se as reações negativas a nível internacional, que passaram ainda pelos governos da Bélgica, Itália e Holanda. Para já, ainda não se ouviram comentários por parte do Governo de Vladimir Putin com quem Trump falou por telefone no sábado. Da conversa sabe-se que os dois reforçaram a intenção de unir esforços para combater o terrorismo do Estado Islâmico.

Os países diretamente visados no “muslim ban” de Trump tiveram as reações mais duras. O Irão ameaçou mesmo aplicar a mesma medida aos cidadãos americanos que queiram entrar no país, enquanto estiver em vigor aquela ordem executiva “insultuosa”. O boicote não vem apenas das autoridades iranianas. Também o realizador e a atriz principal do filme iraniano O Vendedor, candidato ao Óscar para melhor filme estrangeiro, já disseram que não vão à cerimónia em Los Angeles, mesmo que fossem autorizados.

Os cidadãos do Irão, Iraque, Somália, Sudão, Iémen, Líbia e Síria são os destinatários da proibição temporária de entrarem nos Estados Unidos. Foi também suspensa a receção de refugiados sírios com a indicação de que no futuro será dada prioridade aos cristãos peçam asilo ao país.

É legal? É constitucional?

A medida do novo Presidente enfrenta também contestação a nível interno, com vários juízes federais a desafiarem a ordem executiva, suspendendo os seus efeitos em casos particulares de cidadãos que estavam a ser impedidos de entrar em território americano. O primeiro passo foi dado por juíza federal de Nova Iorque, Ann M. Donnelly e está ser seguido por outros magistrados e em outros estados como o de Massachussets, conta a CNN.

Donnelly, que foi indicada pelo presidente Obama, defende que os queixosos têm uma forte possibilidade de sucesso em provar que a interdição viola os seus direitos a um processo justo e uma proteção igual, garantidos pela Constituição dos Estados Unidos.

Mas há mais magistrados a questionarem a legalidade e constitucionalidade da norma. É o caso do procurador-geral de Nova Iorque, Eric Schneiderman, democrata, que encabeçou um comunicado, assinado por 16 procuradores-gerais norte-americanos, a condenar a ordem e a afirmar inclusivamente que é “inconstitucional, ilegal e anti-América”. “Vamos todos trabalhar para lutar contra ela”, escreveu.

https://twitter.com/AGSchneiderman/status/825793145166299138

Apesar disto, contudo, o Departamento de Segurança Interna fez saber num comunicado publicado no site que vai continuar a aplicar a ordem de Trump.

“O Departamento de Segurança Interna vai continuar a aplicar todas as ordens executivas do Presidente Trump de uma forma que assegure a segurança do povo americano. As ordens executivas do Presidente Trump mantêm-se em vigor e o Governo dos EUA mantém o seu direito de revogar vistos sempre que necessário por questões de segurança nacional. A ordem executiva do Presidente Trump afeta uma pequena parte dos passageiros internacionais e é um primeiro passo para o restabelecimento do controlo nas fronteiras americanas e na segurança nacional”, lê-se no documento.

Protestos e pânico

Desde que a ordem executiva entrou em vigor, sexta-feira à noite, várias foram as pessoas que ficaram retidas em aeroportos ou que foram impedidas de embarcar por virem dos países que estão “na lista negra”, mesmo quando tinham vistos de residência nos EUA. Entretanto, um chefe de gabinete da Casa Branca disse em entrevista este domingo que os cidadãos que têm autorização de residência (o chamado green card), não estão abrangidos pela norma.

E a contestação interna não fica por aqui. O parque tecnológico de Silicon Valley, que reúne as maiores empresas tecnológicas do mundo e que emprega milhares de imigrantes, denunciou em uníssono o decreto controverso de Donald Trump. “A Apple não existiria sem a imigração”, disse no sábado o seu diretor-geral, Tim Cook, num documento interno a que a AFP teve acesso. Steve Jobs, o fundador da marca, era filho de um imigrante sírio.

À semelhança de Cook ou de Mark Zuckerberg (Facebook), a maior parte dos grandes empregadores da “alta tecnologia” romperam o seu silêncio depois da vitória de Donald Trump para criticar as medidas que arriscam privá-los de um enorme número de talentos. “As medidas de Trump afetam os empregados da Netflix em todo o mundo”, escreveu no Facebook Reed Hastings, o diretor-geral da Netflix. Além disto, cerca de 187 funcionários do Google são diretamente afetados pelas novas restrições, disse num email interno o diretor-geral, Sundar Pichai.

“Protestos e pânico”. É assim que a cadeia de televisão CNN intitula o que se tem passado nos aeroportos de todo o país ao longo do fim de semana, desde que a ordem executiva começou a surtir efeito. De acordo com os relatos que foram sendo avançados pela generalidade da imprensa norte-americana, os aeroportos de Nova Iorque, Washington, Chicago, Minniapolis, Denver, Los Angeles, São Francisco e Dallas foram palco de várias manifestações. Os mais audíveis têm sido no aeroporto Jonh F. Kennedy, em Nova Iorque, onde no sábado à noite cerca de 2 mil manifestantes gritaram em uníssono: “Let them in, Let them in” (Deixem-os entrar).

Este domingo, advogados especialistas em políticas de imigração chegaram a vários aeroportos do país para ajudarem os viajantes com problemas. Os protestos multiplicam-se, com cartazes a defender o acolhimento de refugiados e de imigrantes. “#NoBanNoWall (não às restrições, não ao muro)”, “somos todos refugiados” ou “todos são bem-vindos” são alguns dos slogans mais ouvidos.

A primeira resposta do Presidente norte-americano, que completou agora a sua primeira semana em funções, veio, como tem sido hábito, via Twitter. “O nosso país precisa de fronteiras fortes e vigilância apertada”. De resto, Trump tem repetido que as restrições à imigração impostas pelo decreto presidencial estão a “funcionar muito bem” e que é preciso “vigilância apertada” nas fronteiras.