O PCP apresentou um pedido de apreciação parlamentar do decreto-lei que transferiu a Carris para a Câmara de Lisboa, por discordar da “municipalização” do serviço público de transporte coletivo de superfície de passageiros na capital. Depois do chumbo da redução da Taxa Social Única (TSU) às mãos de PSD, Bloco de Esquerda, PCP e PEV, a decisão dos comunistas pode provocar mais um foco de tensão entre os partidos que suportam o Governo socialista.
A notícia mereceu o destaque do Público e já antes tinha sido avançada pelo jornal ECO. Mas de acordo com o Público, o gesto do PCP apanhou de surpresa António Costa e Fernando Medina. Os socialistas tentam agora perceber até que ponto estão dispostos a ir os comunistas nesta contestação, sabendo, de antemão, que PSD e CDS podem votar ao lado do partido liderado por Jerónimo de Sousa. Juntos, os três partidos somam 122 deputados (mais dois do PEV, provavelmente), mais do que a maioria dos dos parlamentares eleita. Seria suficiente para travar mais uma vez uma medida do Governo.
No pedido de apreciação parlamentar, o PCP manifesta-se contra “a municipalização” da Carris sobretudo por três razões: por acreditar que “é o Estado Central que tem a capacidade e a responsabilidade de assegurar o financiamento deste serviço público”; por defender que “nas áreas metropolitanas os transportes devem ter uma resposta metropolitana” e não municipal; e, ainda, por considerar que os direitos dos trabalhadores da Carris estão melhor salvaguardados no Sector Empresarial do Estado. Além disso, os comunistas acreditam que as exceções que o decreto-lei faz à Lei do Regime do Sector Empresarial Local “são de muito duvidosa legalidade e constitucionalidade”.
A transferência da gestão da Carris para a alçada da Câmara Municipal de Lisboa vai estar formalizada na próxima quarta-feira, a 1 de fevereiro, quando a medida entrar em vigor. No mesmo dia, há reunião de conferência de líderes onde pode ser a agendada a discussão da apreciação parlamentar dos comunistas. Resta saber se o PCP vai pedir simplesmente a cessão da vigência do decreto-leito, como fez com a redução da TSU para os patrões, ou se apresentam propostas de alteração ao diploma — o que daria mais margem de negociação ao Governo socialista.
Quanto aos restantes protagonistas, António Costa deverá contar, desta vez, com o apoio do Bloco de Esquerda, que já se pronunciou a favor da medida pensada e aplicada pelo Governo socialista. Num artigo publicado no Esquerda.net, órgão de comunicação oficial do Bloco de Esquerda, em novembro, Ricardo Robles, deputado municipal do Bloco e presumível candidato à Câmara Municipal de Lisboa, deixou clara a posição do partido: “O Bloco de Esquerda defendeu desde a primeira hora que a gestão dos transportes públicos na cidade de Lisboa teria de ser realizada pelo município”. Ideia que Ricardo Robles viria a desenvolver em janeiro, num artigo de opinião intitulado “A emergência dos transportes públicos em Lisboa“.
E Marcelo Rebelo de Sousa, que se colocou do lado do Governo na polémica que envolveu a redução da TSU? Desta vez, o Presidente da República pode não ser uma personagem necessariamente coadjuvante: quando o promulgou o decreto-lei, no final de dezembro, Marcelo levantou algumas reservas em relação ao diploma.
O mesmo Público faz ainda eco de um alerta deixado por Manuel Alegre, destacado apoiante desta solução política, aos partidos de esquerda: é preciso “um debate mais aprofundado para que não se repitam casos como o da Taxa Social Única”.
“Apoiei e apoio a atual solução governativa, que torna Portugal uma exceção na Europa. Mas nada nunca está garantido, é preciso aprofundar reflexões e convergências. Os partidos de esquerda têm de aprofundar a sua convergência”, afirmou o socialista.