Com a passagem da Carris para a esfera da autarquia, a Câmara de Lisboa passa a assumir todos os encargos com a operação da empresa e assume, também, o financiamento dos investimentos. Para o Governo, isto é, o Estado, fica a assunção da dívida histórica da empresa, no valor de quase 600 milhões de euros. Mas a fatura pode não ficar por aqui.

O facto é que ainda podem vir a surgir surpresas negativas dos swaps. No entendimento da Câmara de Lisboa, todas as contingências financeiras resultantes de decisões e operações passadas, lista em que se incluem estes instrumentos, ficam do lado do Estado. Esta informação é, aliás, confirmada pelo Ministério do Ambiente.

Por decisão do anterior Governo, a Carris contestou o pagamento destes produtos contratados com o banco Santander Totta. A primeira decisão, proferida por um tribunal britânico, foi desfavorável às empresas que recorreram. No final de 2015, o passivo vencido relativo a este contrato, e que incluía juros cujo pagamento foi suspenso, era da ordem dos 40 milhões de euros, para o qual a empresa registou uma provisão de 18,5 milhões de euros. A empresa constituiu, ainda, provisões adicionais na ordem de 1,6 milhões de euros destinadas a fazer face a custas judiciais e a juros relacionados com este processo.

Por outro lado, subsistem ainda dúvidas sobre o impacto da operação nas contas públicas. Ao contrário daquilo que sucede com outras empresas de transportes, a Carris está classificada fora do perímetro das administrações públicas, o que significa que não deveria contar para os números da dívida e do défice públicos, uma realidade que poderia mudar com a venda da empresa à autarquia e a manutenção do passivo no Estado. A dívida contraída fora do Estado, designadamente junto da banca, que representa 202 milhões de euros num bolo de 593 milhões de euros, poderia ter de ser contabilizada na dívida pública.

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Questionado sobre o impacto desta transferências nas contas do Estado, o Ministério das Finanças não respondeu ao Observador. No entanto, e segundo explicou fonte oficial do Instituto Nacional de Estatística (INE), “não deverá ocorrer impacto na dívida pública com a transferência da Carris para a Câmara Municipal de Lisboa, uma vez que o Estado já assumiu essa dívida no passado.”

Reconhecendo que a Carris é uma empresa pública mercantil, fora das contas públicas porque as receitas próprias cobrem uma percentagem mínima dos custos, o INE lembra que o Estado “assumiu a dívida da empresa em 2014, correspondente a 869 milhões de euros, tendo-se registado esse valor no défice e na dívida das Administrações Públicas. ”

Fatura do Estado ainda pode subir com processos

O principal problema poderá resultar nas contingências futuras que ficam do lado do Governo e dos contribuintes, nomeadamente as que resultem do processo dos swaps contra o Santander Totta, mas também das ações de impugnação da decisão do atual Governo de anular o contrato de subconcessão a privados atribuído pelo anterior Executivo.

A prazo, a municipalização da empresa poderá vir a representar, também, um encargo para a administração central, isto no caso de a Carris vir a seguir o percurso de outras empresas municipais que, pela sua situação deficitária, estão classificadas no perímetro das administrações públicas, pesando nas contas do défice e da dívida. É o caso de empresas como a Gebalis e a Lisboa – Sociedade de Reabilitação Urbana.

Esse desfecho vai, em grande medida, depender do sucesso da gestão autárquica e dos meios financeiros que a Câmara de Lisboa vai dedicar à nova Carris. Em 2015, contas que só vão ser aprovadas em dezembro, a empresa teve prejuízos de 21,5 milhões de euros, que incluem os custos financeiros da dívida. Mas a margem operacional, o EBITDA, foi positiva em 3,8 milhões de euros. Este ano, a Carris teve, contudo, de acomodar o aumento dos custos com pessoal, resultante da reposição total dos cortes salariais.

A passagem será feita através de uma venda, a concretizar até 1 de janeiro de 2017, mas não se sabe ainda o preço, nem se a operação será acompanhada por alguma injeção de capital na empresa por parte do Estado.

Fonte da Câmara de Lisboa assinala que os termos do acordo de transferência da empresa, que estabelecem a venda da participação acionista do Estado à autarquia, asseguram que os contribuintes — o Governo — deixem de ter encargos futuros com a Carris. A empresa deixará de receber indemnizações compensatórias, para além das transferências associadas aos passes e que, este ano, ascenderam a cerca de 2,8 milhões de euros.

Como tenciona a autarquia financiar a Carris?

“À luz do novo modelo de gestão, o município passará a assumir a obrigação de pagamento à Carris das compensações por obrigações de serviço público a que haja lugar, bem como os resultados de exploração da empresa”. A câmara vai, ainda, ficar responsável pelo futuro plano de investimentos da empresa, estão previstos 60 milhões de euros em três anos, cujo principal objetivo é o de renovar e reforçar a frota da empresa, com a compra de 250 novos autocarros, com a aposta nos combustíveis mais verdes, gás natural e energia elétrica.

A autarquia irá financiar os anunciados descontos para idosos e “borlas” para crianças até 12 anos, ainda que exista a expetativa por parte da Câmara que o aumento do número de passageiros compense a perda de receita. A autarquia conta inverter a tendência de perda de passageiros verificada nos últimos cinco anos.

Para 2017, está a prevista a criação de um Fundo de Mobilidade Urbana de Lisboa para financiar a gestão da Carris. O fundo será alimentado por três fontes: o Imposto Único de Circulação (IUC), as multas de trânsito e as tarifas de estacionamento. A dotação anual deverá ser de 15 milhões de euros, com o estacionamento a contribuir com cerca de oito milhões de euros. Mas não se sabe como será financiado o investimento.

Em entrevista ao Público, o presidente da autarquia, explica que esse será o valor de base de referência, mas acrescenta que pode ser aumentado e complementado com outras fontes de receita a explorar pela própria empresa e que passam, por exemplo, pela renegociação da publicidade dos meios. Para financiar o investimento na renovação da frota, Fernando Medina indica o recurso a fundos comunitários. O autarca mostrou, ainda, confiança de que as finanças da Câmara terão a solidez e a robustez suficientes para desenvolver esta aposta.

Do lado do Estado, e para além da dívida, ficará com um conjunto de imóveis (não identificado) da Carris, ainda que a empresa mantenha o direito à sua utilização. O Estado assumirá, também, todas as responsabilidades com os complementos de reforma com trabalhadores em função da data da transferência e que voltaram a ser pagos este ano. A Carris, já detida pela Câmara, fica responsável pelos trabalhadores que vierem a ser contratados e já foi anunciada a intenção de recrutar mais 220 motoristas.

A empresa passa para a esfera da autarquia com cerca de 2.000 colaboradores — os dados são de 2015 –, dos quais 1.285 são motoristas.