Rua Jacinta Marto, número 3. Num restaurante com toldos vermelhos e águias estampadas à porta, a seis minutos a pé do Santuário de Fátima, há uma promessa: se o Benfica se sagrar campeão nacional este sábado, 13 de maio, há bifanas e cervejas à borla para toda a gente oferecidas pelo O Benfiquista, diminutiva de Benfiquista Fanático. “Não há limites: põe-se a mangueira da cerveja cá fora e quem quer tira, quem não quiser não tira”, explica Rui La Féria ao Observador. É assim há vinte e quatro anos, quando o restaurante abriu portas e assumiu um contrato com a Estrella Damme, que assume os gastos. Este ano, no entanto, a vitória pode ser abençoada. E isso até está a complicar a festa.

Natural do Bairro Alto, Rui La Féria deixou Lisboa para trabalhar num restaurante da Nazaré. Às terças-feiras, quando tinha folgas, comprava um novo objeto para engrossar a coleção de peças do ‘Glorioso’. Mas não contava fazer do seu confesso fanatismo pelo Benfica um negócio quando saiu da terra das sete saias para se fixar em Fátima. Nem sequer consegue explicar como é que, de um momento para o outro, O Benfiquista se encheu de cachecóis vermelhos, loiça com águias e retratos de Eusébio a beijar botas. Lembra-se de por uma peça do Benfica algures na bancada do restaurante. Isso tornou-se assunto naquele espaço na vizinhança do Santuário: “Aqui as pessoas falavam de futebol, em vez de falarem da vida dos outros. A nossa vida já é tão grande, porque é que havemos de nos preocupar com a vida alheia? Eu gosto disso”, admite Rui ao Observador. Começou então a transformar o restaurante num santuário benfiquista: mandou fazer mesas e cadeiras com águias de madeira, pendurou quadros e fotografias antigas, colocou troféus em armários e colou um poema de memória a Fehér na janela. Estava oficializado: ali seria o restaurante Benfiquista Fanático.

Créditos: TripAdvisor

Quando ligámos para o restaurante, a voz de Rui era eclipsada pelo barulho dos clientes ao fundo. Faltava apenas um minuto para as 13h30, a plena hora de almoço: “Ligue-me mais daqui a bocadinho”. Ligamos hora e meia depois e o barulho era o mesmo, mas Rui La Féria veio até à rua para nos ler o cardápio: havia bacalhau à Luisão, filetes à Mitroglou, vitela à Pizzi e lombo à Gaitán, diz entre risos. Depois há os acompanhamentos, que são batata frita, salada e arroz, mas que aqui se chamam Júlio César, André Almeida, Eliseu, Fejsa, Samaris, Lindelof ou Jiménez. O prato mais caro é o bacalhau à Jonas, que custa nove euros. E o mais barato? “É o frango, custa cinco euros e noventa e nove cêntimos”. Chama-se frango à Leão.

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Ainda há pouco tempo, no feriado de 1 de maio, Rui La Féria recebeu uma visita especial: “Olhe, traga-me a minha carne”, pediram-lhe. Era Renato Sanches, que queria comer a carne de porco à alentejana que O Benfiquista batizou com o seu nome graças aos tempos no clube das águias. “Ele soube do restaurante porque a mãe dele vem aqui muitas vezes, sabe. Ela contou-lhe e ele quis provar”, conta Rui ao Observador. E gostou do prato, garante o dono do restaurante, que dá sempre “as saudações benfiquistas” aos clientes.

Créditos: Cláudio Melancieiro/ O Benfiquista

Toda a gente é bem-vinda por aqui, “desde que se porte bem”. Todos os funcionários do restaurante são benfiquistas, mas isso é coincidência e não tem de constar no currículo: “Por acaso temos agora aqui um que é do Sporting, mas pronto, esse este ano não se safa”, diz-nos. Nem sempre foi assim: no ano em que o Sporting foi campeão, ao fim de dezoito anos sem vencer o título, Rui La Féria teve de fechar o restaurante porque alguns adeptos sportinguistas se juntaram em modo de provocação. E até o seguiram até casa. Mas isso são exceções: numa entrevista dada ao Record, o irmão do genro de Rui La Féria conta que até costuma estar no restaurante com a camisola leonina vestida sem nunca ter tido problemas.

Este ano, no entanto, a festa pode ser diferente: o Benfica pode ser campeão nacional no mesmo dia em que o Papa visita Fátima por ocasião do centenário das Aparições. Rui La Féria não se tinha lembrado dessas coincidências de calendário, mas já percebeu que isso lhe pode dificultar a festa: sempre que pode, o dono do restaurante vai ver as partidas benfiquistas ao vivo, mesmo que seja no estrangeiro. “Sou sócio há trinta anos. Vou ver os jogos, mesmo que sejam no estrangeiro, para aí 80% das vezes”, conta.

Créditos: David Baptista/ O Benfiquista

Este sábado, Rui não pode ir até Lisboa: “Não me deixam tirar o carro da garagem, quanto mais…”. O trânsito vai estar condicionado em Fátima por causa da visita do Papa, por isso a partir da meia-noite de quinta para sexta-feira ninguém — nem mesmo os residentes — pode usar os automóveis. “Vou ter de por aqui um funcionário para receber o pão entre as três e as cinco da manhã, que é o único horário em que nos deixam fazer entregas. Não acho nada bem”, admitiu. Para voltar amanhã para o trabalho vai ter de fazer dois quilómetros a pé a partir de casa.

Rui La Féria já conta com uma afluência ainda maior no sábado: não só a Cova da Iria se vai transformar na capital dos crentes católicos, como a hora do final do jogo vai coincidir com o horário dos jantares. “Este ano é que vai ser. Os jogos costumam ser mais cedo, mas agora vai juntar-se a festa benfiquista com os jantares”, diz com entusiasmo.

A festa começa aqui, mas depois segue para a Casa do Benfica e para a Rotunda dos Pastorinhos, que, diz-nos Rui, “em dias de Benfica campeão torna-se numa segunda Rotunda do Marquês”.