O FMI devia dedicar-se mais a melhorar os seus modelos de previsões do que a sugerir reformas a Portugal, afirmou esta sexta-feira o ministro das Finanças, acusando novamente o FMI de falhar nas suas previsões, apesar de o FMI ter sido quem mais perto ficou de acertar na meta de crescimento e num dia em que o ex-economista-chefe da instituição até defendeu que o défice não desça mais rapidamente.
No que já é uma crítica habitual no longo desaguisado de Mário Centeno com as instituições internacionais desde que é ministro das Finanças (pelo menos), o governante voltou a apontar espingardas ao FMI e às suas previsões e, no Parlamento, foi cáustico com os técnicos do Fundo.
“Gostaria que os profissionais dessas organizações se dedicassem mais a melhorar os modelos que aplicam do que a projetar reformas que não são baseadas em dados corretos para a economia portuguesa”, afirmou no Parlamento, onde está a ser ouvido na comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.
Segundo o governante, o alegado desfasamento das previsões do FMI com a realidade “impõe custos muito significativos na nossa economia”.
As críticas do ministro, que têm sido recorrentes, surgem no mesmo dia em que o ex-economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, esteve em Portugal a apresentar um diagnóstico da economia portuguesa, onde até defende que acelerar a redução do défice, ou cortar salários, não seria uma boa ideia nesta altura. O economista diz que o défice até podia aumentar, desde que para fazer reformas estruturais que promovessem o crescimento potencial da economia portuguesa, ou até para financiar eventuais aumentos de capitais necessários para cobrir a limpeza do crédito malparado dos balanços dos bancos portugueses.
Ex-economista do FMI. Défice público pode subir se for para limpar o crédito malparado
Quanto às previsões em si para o primeiro ano do atual Governo, os resultados seriam mistos. Se é verdade que o FMI nunca acreditou na previsão do défice do Governo (dados podem ser comparados aqui) – uma previsão que é feita com base nas medidas aplicadas ou desenhadas por altura do orçamento, sendo que o Governo adaptou a sua estratégia quando a receita fiscal começou a ficar aquém do esperado – também o é que a previsão do FMI para o crescimento económico, a primeira do ano e com base nas medidas que o Governo apresentou, foi 1,4%, que viria a ser o resultado final (pode ler mais aqui).
Défice não é prioridade. É tão evidente que até Blanchard o defende
As posições do antigo responsável do Fundo e eventuais mudanças de opinião sobre Portugal e a economia nacional, começaram por ser trazidas ao Parlamento pela deputada do Bloco de Esquerda.
“Tendo um pais um défice abaixo dos 2%, a prioridade não pode ser a consolidação orçamental. Ter o défice mais baixo da história não melhora as condições de vida de pessoas.”, diz Mariana Mortágua que cita o ex-economista chefe do FMI para dar força ao argumento e pedir a Centeno um compromisso com a devolução de rendimentos, menos IRS, e melhoria dos serviços públicos em 2018.
“É de tal forma evidente que até o Sr. Blanchard veio defender isso”, sem deixar de lembrar todas as previsões passadas, feitas e falhadas, e as contas erradas dos multiplicadores usados pelo FMI para estimar o impacto da austeridade na economia, durante o programa de assistência.
O ministro justifica. “Quando desenhamos medidas de política económica que entendemos adequadas, devemos esperar um período suficientemente longo para que essas políticas possam ser sustentáveis, e que tenham espaço para surtir efeito”. E isso inclui medidas estruturais que não são cortes, explica na resposta ao Bloco de Esquerda.
Centeno deixou também alguns recados para o economista francês que, ao jeito de Mia Couto, “desaderiu”, diz , em relação a ideias que defendeu no passado.
O que se diz hoje é o contrário do que se disse ontem e provavelmente do que se vai dizer amanhã. A economia nacional tem características que não foram entendidas. Os economistas internacionais pugnaram desde sempre por um corte do salário mínimo e por uma maior flexibilidade (corte) nos salários nominais.
Mas a economia portuguesa, diz Centeno, sempre fez isso e fala numa partilha histórica dos custos das crises entre trabalhadores e empresas. O ministro das Finanças conclui assim:
“Vendemo-nos muito rapidamente em termos de política económica a uma ideia de que era necessário fazer o ajustamento nominal na economia portuguesa.”