Mário Centeno aproveitou a presença em Lisboa do secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Angel Gúrria, para deixar mais uma farpa às instituições internacionais. Na linha da frente: Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia. A estratégia do Governo era a correta e os números começavam a dar-lhe razão, argumentava o ministro das Finanças.

Nesse dia, munido com os números do défice orçamental (cujos dados oficiais só vão ser conhecidos a 24 de março), Mário Centeno aproveitou por deixar uma acusação, muitas vezes repetida, que as instituições internacionais falharam as suas previsões no passado e que iriam voltar a fazê-lo. Semanas antes, Mário Centeno dizia em Bruxelas que alguns no Eurogrupo “andaram muito enganados”.

A guerra é antiga. Tão antiga que é renovada a cada Governo, independentemente da cor dos partidos que o suportam. No caso do atual Executivo, a disputa com as instituições internacionais foi intensa desde o início. Quando o Governo entrou em funções teve de preparar um já atrasado orçamento (devido ao calendário eleitoral) e as negociações com a Comissão Europeia para que esse orçamento fosse aprovado foram duras.

Ao mesmo tempo, o Governo era forçado a lidar com as equipas da troika, que estavam em Lisboa para mais uma missão de monitorização pós-programa. Pelo meio, a Comissão Europeia não aceitou as contas do Governo sobre como seriam contabilizadas medidas como devolução da sobretaxa e exigiu mais medidas ao Governo, sob ameaça de chumbo do orçamento. Na mesma altura, o FMI divulgou previsões para a economia portuguesa, longe do que o Governo previa. Mas o Executivo não deixou passar e garantiu que o crescimento esperado seria maior e que seriam as instituições internacionais a aproximarem-se da posição do Governo. O discurso foi sendo repetido ao longo do ano, mesmo com o Governo a rever em baixa as suas previsões, já em outubro, para pior.

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O que está em causa?

Quando se fala de previsões no debate político, fala-se principalmente de dois números: as previsões do crescimento económico, conhecidas esta terça-feira, e as do défice orçamental, que só serão conhecidos no final de março. Como os números do défice só serão conhecidos mais tarde, analisemos primeiro os do crescimento.

As instituições internacionais falharam ou não as suas previsões para a economia portuguesa, como Mário Centeno e outros membros ligados ao Governo e à maioria parlamentar tem vindo a acusar?

Quais são os factos?

Ponto prévio: as previsões evoluem ao longo do ano. Em algumas instituições mais do que outras. Mas vamos definir qual é o universo das principais organizações financeiras multilaterais: Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia (CE) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Olhando para cada uma das organizações, é preciso distinguir também os momentos em que as previsões são feitas. A primeira previsão feita em 2016 pelo FMI, já saída da missão de monitorização pós-programa de janeiro e início de fevereiro colocava a economia portuguesa a crescer 1,4% (exatamente o valor que se confirmou esta terça-feira).

Este número foi criticado pelo Governo, que considerava estar muito aquém do que iria acontecer (a previsão do Governo era que a economia crescesse 1,8%), e criticava as previsões do FMI para o consumo privado, dizendo que não fazia sentido que este crescesse tão pouco com a política de devolução de rendimentos do Governo.

No entanto, à medida que o ano foi avançando, o FMI também foi revendo a sua previsão em baixa, chegando a prever que a economia crescesse apenas 1%, longe dos 1,8% do Governo. O Governo mudou então a sua previsão para 1,2% e, já na parte final do ano, o FMI acabou por rever a sua estimativa para 1,3%, próximo do resultado agora alcançado.

Já a Comissão Europeia esteve mais perto das previsões do Governo… e mais longe. Isto porque, no início do ano, Bruxelas esperava que a economia portuguesa crescesse 1,6%. A previsão viria a ser moderada em maio para 1,5%, pouco depois de o Governo entregar em Bruxelas o Programa de Estabilidade (onde o Executivo mantinha 1,8%).

Mas a grande revisão foi feita em novembro, quando a Comissão passou a ser mais pessimista até que o FMI, em sentido contrário ao Fundo que uns dias depois até melhorava a sua previsão para 1,3%. Nessa revisão, a Comissão Europeia passou a esperar que a economia crescesse 0,9%, uma previsão muito contestada pelo Governo.

Esta segunda-feira, a Comissão acabou por ceder e rever os números em alta, para 1,3%, falhando ainda assim por uma décima nos números que viriam a ser dados a conhecer pelo INE um dia depois.

A OCDE costuma oferecer menos discussão. Em primeiro lugar, porque não tem o peso do FMI e de Bruxelas por razões próprias, já que FMI ainda é credor de Portugal e a Comissão Europeia tem de fazer cumprir as regras orçamentais europeias e age em representação dos credores europeus. Em segundo lugar, só faz previsões duas vezes por ano, em junho e novembro.

Olhando para os números que a OCDE publicou desde novembro de 2015 pode observar-se uma redução sucessiva da previsão de crescimento, que passou de 1,6% nessa altura, para 1,3% em junho do ano passado e para 1,2% em novembro. Falha por duas décimas a sua previsão final (fica aquém) e outras duas décimas a previsão inicial (em excesso). Ou seja, termina exatamente com a mesma previsão do Governo: 1,2%.

A conclusão

As previsões são sempre uma arma de arremesso político. Desde que a crise começou e mais se fez sentir em Portugal, este tem sido um dos temas preferidos de Governos e oposição. É habitual, independentemente da cor política do governo e das oposições, que as instituições internacionais sejam usadas como o expoente da credibilidade (para a oposição) ou como instrumentos de alguns países para implementar uma política económica falhada (no caso dos governos). Isto, claro, quando os números não batem certo com os do Governo.

Este foi, aliás, o percurso de Mário Centeno com estas mesmas instituições, em especial a Comissão Europeia. Quando fez o programa económico do PS, o agora ministro das Finanças citava as previsões da Comissão Europeia como as mais credíveis para atacar as previsões do Governo de direita. Agora ataca-as. O PSD e o CDS-PP, então no Governo, atacavam as previsões da Comissão Europeia (que agora defendem) e diziam que esta se iria aproximar da previsão do seu Governo (o mesmo que hoje diz Centeno).

A verdade é que há mais do que uma previsão e os números evoluem, de parte a parte, e raramente batem certo, seja com as previsões com as quais se constrói o orçamento inicial, sejam as revistas na parte final do ano. Um exercício de previsão tem sempre um pouco de futurologia em si, seja qual for o Governo envolvido, ou a instituição internacional. Se olharmos para as previsões no momento da proposta de Orçamento do Estado para 2016, quem fica mais longe do resultado final é o Governo. O FMI acerta completamente no alvo. A Comissão fica aquém, mas mais perto que o Governo, tal como a OCDE. Se olharmos para os números mais recentes, o FMI e a Comissão Europeia até ficam mais perto que o Governo. A OCDE fica igual. Quando Centeno fez estas declarações, a Comissão ainda estava mais longe que todos.

Conclusão: é uma declaração enganadora que bem podia estar certa porque o mais normal é falharem as previsões, mas neste caso a previsão inicial do FMI acerta no resultado final, ao contrário da do Governo. No final, falham o FMI e a Comissão Europeia por uma décima, o Governo e a OCDE por duas décimas.

Quando saírem os números do défice no dia 24 de março, o Observador fará novo Fact Check sobre o tema.

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