Simone Veil, a primeira mulher presidente do Parlamento Europeu e antiga ministra da Saúde francesa, que despenalizou o aborto em 1975, morreu esta sexta-feira. Tinha 89 anos.
O anúncio foi feito pelo filho da antiga governante, Jean Veil, avança o Le Figaro. “A minha mãe morreu esta manhã em casa. Faria 90 anos a 13 de julho”.
Nascida em Nice em 1927, Simone Veil cresceu numa família burguesa com o irmão e duas irmãs. Em 1944, a família foi deportada para os campos de concentração. Na altura com 16 anos, foi detida pelos alemães a 30 de março, um dia depois de ter feito o exame de acesso ao ensino superior. Chegou a Auschwitz-Birkenau, com a irmã Madeleine e a mãe, a 15 de abril de 1944.
Apenas Simone e as duas irmãs, Madeleine e Denise, sobreviveram ao Holocausto — das 400 crianças judias deportadas daquela região, sobreviveram apenas 11, entre elas as três irmãs, refere o jornal britânico The Guardian. A mãe morreu de tifo e o pai e o irmão, Jean, também não sobreviveram.
Ao recordar essa época, dizia que tinha sido a sua beleza a salvá-la: “Fui protegida por uma mulher kapo, que me disse: ‘És demasiado bonita para morrer aqui’. E enviou-me, com a minha mãe e irmã, para um campo vizinho, com um regime menos duro.”, conta Veil, citada pelo Libération.
Depois da guerra, prosseguiu os seus estudos na Faculdade de Direito e no Instituts d’Études Politiques, em Paris, onde conheceu Antoine Veil, com quem casou em 1946. Tinha 19 anos.
Depois de muita insistência com o marido, que não queria que ela trabalhasse, refere o Libération, tornou-se magistrada. Mãe de três filhos, fez carreira no Ministério da Justiça, acabando por integrar o Conselho Superior de Magistratura em 1970.
Quatro anos depois, Valéry Giscard d’Estaing, na altura Presidente francês, nomeou-a ministra da Saúde, tornando-se o rosto da luta pela lei da despenalização da interrupção voluntária da gravidez — uma das promessas eleitorais de Giscard d’Estaing.
When Simone Veil argued for legalisation of abortion before the French parliament in 1974, only 9 deputies were female. Today's figure: 224 pic.twitter.com/yzLX6Lgp0O
— Sophie Pedder (@PedderSophie) June 30, 2017
Em 1975, foi publicada a lei da despenalização do aborto, que ficou conhecida como “Loi Veil” (Lei Veil, em português). Dois anos antes, já tinha conseguido que a pílula contraceptiva não só fosse autorizada como reembolsada pela Segurança Social, refere o Guardian.
Questionada por um jornalista se se considerava feminista, Veil afirmou sentir-se solidária por todas as mulheres. “Eu não sou uma militante na alma, mas sinto-me feminista, muito solidária com as mulheres, sejam elas quem forem… Sinto-me mais segura com mulheres, talvez por causa da deportação? No campo, a sua ajuda era sem interesse, generosa, ao contrário da dos homens. E a resistência do sexo dito fraco também era maior”, afirmou.
Em 1979, torna-se na primeira mulher presidente do Parlamento Europeu, mas não se recandidata ao cargo. O ex-presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, eleito ao mesmo tempo que Veil para o Parlamento Europeu, não lhe poupou elogios: “Simone Veil, durante a sua presidência, provou ter uma qualidade rara: o discernimento.”.
Volta ao governo francês em 1993, quando o antigo primeiro-ministro Édouard Balladur a nomeia ministra de Estado, com as pastas da Saúde, Assuntos Sociais e Cidades, cargo que ocupa durante dois anos.
Entre 2000 e 2007, foi presidente da Fundação para a Memória da Shoah em França. Um ano mais tarde, torna-se na sexta mulher eleita para a Academia francesa. Em 2008, juntamente com o antigo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, receberam o prémio Norte-Sul de Direitos Humanos do Conselho da Europa. Um prémio atribuído por Cavaco Silva, numa cerimónia que teve lugar em Lisboa, lê-se no Público.
Simone Veil foi ainda curadora da Fundação Champalimaud.