Os secretários de Estado da Internacionalização, dos Assuntos Fiscais e da Indústria que pediram este domingo a exoneração de funções são suspeitos do crime de recebimento indevido de vantagem. O Observador apurou que este é o crime pelo qual serão indiciados Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), Jorge Costa Oliveira (Internacionalização) e João Vasconcelos (Indústria) no momento em que se verificar a sua constituição como arguidos pelo Ministério Público (MP).

Ao que o Observador apurou, tal ainda não aconteceu. Os três secretários de Estado também ainda não foram notificados a prestar declarações no inquérito criminal aberto no MP. De acordo com fontes governamentais, os autos em investigação concentram-se apenas nas viagens oferecidas pela Galp.

A Galp não foi constituída arguida até ao momento. Fonte oficial da empresa desmente a informação que o Público escreveu na sua edição desta segunda-feira: “a empresa não é arguida e não foi notificada nesse sentido”. O Observador confirmou igualmente que ainda nenhum representante oficial da petrolífera foi formalmente indiciado nos autos do Galpgate.

Os três governantes anunciaram este domingo que solicitaram ao MP a sua constituição como arguidos no inquérito relativo às viagens para assistir a jogos do Euro 2016, caso que ficaria conhecido como Galpgate. Entretanto, o Expresso avançou que também o assessor económico de António Costa, Vitor Escária, também foi constituído arguido — informação que o Observador confirmou. Depois de ter informado que Escária continuava em funções, o Expresso corrigiu a informação e noticiou que aquele que também foi assessor económico de José Sócrates, afinal, abandonava as funções no gabinete de Costa, seguindo os mesmos passos que secretários de Estado exonerados.

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Até ao momento nenhum representante da Galp foi constituído arguido, ao que o Observador apurou.

O crime de recebimento indevido de vantagem é punido com uma pena até aos 5 anos prisão ou uma pena de multa até 600 dias. O facto de o Ministério Público (MP) estar a investigar os três membros do Governo por esse ilícito significa que, tal como obriga o Código Penal, não considera a aceitação do convite da Galp por parte de Rocha Andrade, Jorge Oliveira e João Vasconcelos como uma “conduta socialmente adequada e conforme aos usos e costumes”.

Os três governantes solicitaram a sua exoneração ao primeiro-ministro — que António Costa aceitou de imediato. Ao jornal Público, Costa diz que “não podia negar-lhes esse direito”. O chefe de Governo explicou ainda que, “na semana passada, foram constituídos arguidos dois chefes de gabinete. Os secretários de Estado acharam que deviam, eles próprios, tomar a iniciativa de requererem a sua constituição como arguidos e poderem exercer o seu direito de defesa”, explicou o primeiro-ministro.

“Desconforto” e clima de “suspeição”

O Observador sabe que os três secretários de Estado decidiram pedir a exoneração dos cargos que ocupavam no Executivo de António Costa porque queriam ser ouvidos no processo que envolve a Galp. O “desconforto” gerado pelo clima de “suspeição” que rodeava o caso das viagens ao Euro 2016 — e que já dura há um ano — foi a base para que quisessem ser constituídos arguidos no processo, sobretudo “porque já havia outras pessoas” a serem interrogadas pelo Ministério Público e aos três secretários de Estado ainda nenhum pedido tinha chegado. De acordo com o que o Observador apurou, o facto de as férias judiciais se estarem a aproximar contribuiu para que a decisão fosse tomada agora, evitando, assim, que o processo estivesse ainda mais meses sem avanços.

“Os signatários solicitaram ao primeiro-ministro a exoneração das funções que desempenham”, afirmam, em comunicado conjunto enviado à Lusa, o secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira; o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, e o secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos. A decisão é justificada com a intenção de não prejudicar o Governo.

Costa aceitou demissão, mesmo sem haver acusação

O primeiro-ministro, António Costa, aceitou o pedido de exoneração e, em comunicado, diz que “ponderando a vontade manifestada pelos senhores Secretários de Estado, a avaliação que fazem das condições para o exercício das funções e de modo a não prejudicar o seu legítimo direito de defesa, decidi aceitar o pedido de exoneração, apesar de não ter sido deduzida pelo Ministério Público qualquer acusação, nem consequentemente uma eventual acusação ter sido validade por pronúncia judicial.”

No mesmo comunicado, o primeiro-ministro sublinha um agradecimento pela “relevante e dedicada colaboração dos três Secretários de Estado nas funções desempenhadas no XXI Governo Constitucional”.

Os três governantes referem que decidiram “exercer o seu direito de requerer ao Ministério Público a sua constituição como arguidos”, depois de terem tido conhecimento de que “várias pessoas foram ouvidas pelo Ministério Público e constituídas como arguidas no âmbito de um processo inquérito relativo às viagens organizadas pelo patrocinador oficial da seleção portuguesa de futebol, durante o campeonato da Europa de 2016”.

Jorge Costa Oliveira, Fernando Rocha Andrade e João Vasconcelos afirmam que foram “sempre transparentes” sobre esta questão e “reafirmam a sua firme convicção de que os seus comportamentos não configuram qualquer ilícito”, o que dizem querer “provar no decorrer do referido inquérito”.

“Todavia, nas atuais circunstâncias, entendem que não poderão continuar a dar o seu melhor contributo ao Governo e pretendem que o executivo não seja prejudicado, na sua ação, por esta circunstância”, referem, a propósito do pedido de exoneração.

Os três secretários de Estado que foram a França ver a bola

A polémica estalou no verão do ano passado, quando veio a público que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, tinha aceitado um convite da Galp para ir a França assistir ao jogo Portugal-Hungria. O governante viajou a bordo de um avião fretado pela empresa com um conjunto de convidados e regressou a Portugal no mesmo dia, não tendo dormido em França.

Rocha Andrade foi ver dois jogos do Euro pagos pela Galp

Depois da divulgação da notícia, o Ministério das Finanças informou que o secretário de Estado já tinha contactado a Galp no sentido de reembolsar a despesa que a empresa teve com estes convites, e cujo valor não é conhecido. Na altura, Rocha Andrade sublinhava que considerou o “convite natural” e não achou que se tratasse de um problema ético ou conflito de interesses. “No entanto, para que não restem dúvidas sobre a independência do Governo e do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”, contactou a Galp no sentido de reembolsar a empresa da despesa efetuada.

O grande conflito neste caso, explicava o Observador na altura, é o facto de a Galp ter um contencioso que supera os 100 milhões de euros por se recusar a pagar um imposto lançado pelo anterior Governo: a contribuição extraordinária sobre os ativos da energia. Ora, este conflito dependia precisamente da tutela da secretaria de Estado liderada por Rocha Andrade.

Um dia depois, soube-se que não tinha sido apenas Fernando Rocha Andrade a viajar para França a convite da Galp. Também João Vasconcelos, o secretário de Estado da Indústria, foi na mesma viagem.

“O secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, confirma que viajou para o Euro 2016 a convite da Galp, enquanto entidade patrocinadora da Selecção Nacional, mas esclarece que pagou um bilhete de avião. Mais informa que já pediu à Galp que esclareça se há despesas adicionais que, a existirem, serão devidamente reembolsadas”, lia-se num esclarecimento do Ministério da Economia enviado ao jornal Público na altura.

Secretário de Estado João Vasconcelos também foi ver a bola a França a convite da Galp

No mesmo dia, mais um governante era envolvido na polémica: Jorge Oliveira, o secretário de Estado da Internacionalização, também aceitou o convite da Galp para ir a Lyon assistir ao Portugal-Hungria. O envolvimento de Jorge Oliveira na polémica teve consequências imediatas: no dia seguinte, o ministro dos Negócios Estrangeiros, de que dependia aquele secretário de Estado, afastou-o de todos os casos relacionados com a Galp.

Em declarações à SIC, Augusto Santos Silva afirmou que passaria a tratar pessoalmente de todas as questões relacionadas entre o seu Ministério e a Galp.

Jorge Oliveira também foi ao Euro com a Galp. Já são 3 secretários de Estado

“Todos viajam em conjunto de forma aberta e transparente, num voo ‘charter’ de acesso generalizado, sem qualquer segredo ou tratamento diferenciado, partindo e regressando no próprio dia do jogo”, lia-se na nota enviada pela Galp à Lusa.
O CDS pediu a demissão dos governantes, enquanto o PSD pediu esclarecimentos e PCP e Bloco de Esquerda condenaram esta conduta.