“O sistema de jogo não é um número de telefone, é o princípio de tudo. Porquê? Porque os jogadores, com a evolução do futebol, vão ter de saber vários sistemas. No futuro, as equipas vão mudar várias vezes de sistema durante o jogo. O futebol vai ser como o andebol ou o basquetebol e por isso a cultura tática dos jogadores vai ter de ser ainda maior. O futuro vai ser isto, mas eu já o faço”, explicou Jorge Jesus numa apresentação em Alvalade a 26 de abril. Nessa altura, a defesa era a principal fraqueza e estava a vista de todos; hoje, é a principal força mas de forma disfarçada.

Esta ideia não tem grande ciência e é bastante simples de explicar: quem tem jogadores da qualidade de Bruno Fernandes, Gelson Martins ou Acuña do meio-campo para a frente tende a esquecer-se do que está lá atrás. Mas continua a ser a partir dali, daquele quarteto defensivo com um ‘6’ novo mas com excelente evolução (Battaglia), que tudo nasce. Como defendeu numa conferência de imprensa na altura da Volta a Portugal, Jesus sabe que o Campeonato não se define ao sprint em meia dúzia de jogos mas sim pela regularidade de 34 etapas. E foi por isso que procurou os mellhores ‘escudeiros’ para andarem a proteger os seus chefes-de-fila.

Depois há aquela parte de alguma bazófia à mistura. Por exemplo, quando Jesus diz que foi o primeiro a falar sobre o quinto momento do futebol, os lances de estratégia, vulgo bolas paradas (já agora, os outros são organização defensiva; transição ataque/defesa ou reorganização; organização ofensiva; e transição defesa/ataque). Ou quando diz que um treinador é um criador que dá filosofia e ideias à equipa criando com o trabalho no treino o sistema de jogo, o modelo de jogo e o modelo de jogador. Mas ele tem a sua ciência. E encontrou os jogadores certos para interpretarem a mesma, algumas vezes com a famosa nota artística.

Ficha de jogo

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Sporting-Estoril, 2-1

4.ª jornada da Primeira Liga

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Luís Godinho (AF Évora)

Sporting: Rui Patrício; Piccini, Coates, Mathieu, Fábio Coentrão (Bruno César, 61’); Battaglia, Bruno Fernandes; Gelson Martins, Acuña (Iuri Medeiros, 90’), Alan Ruíz (Petrovic, 67’) e Bas Dost

Suplentes não utilizados: Salin, Tobias Figueiredo, Ristovski e Doumbia

Treinador: Jorge Jesus

Estoril: Moreira; Fernando Fonseca, Monteiro, Diakhité, Mano (Joel, 46’); Duarte Valente (Pedro Rodrigues, 74’), Lucas Evangelista; André Claro, Allano, Tocantins (Aguilar, 46’) e Kléber

Suplentes não utilizados: Luís Ribeiro, Gonçalo Brandão, Matheus Índio e Wesley

Treinador: Pedro Emanuel

Golos: Gelson Martins (4’), Bruno Fernandes (11’) e Lucas Evangelista (85’)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Battaglia (35’), Duarte Valente (44’), Lucas Evangelista (53’), André Claro (58’), Bruno Fernandes (65’), Acuña (73’), Monteiro (75’) e Petrovic (90+2’)

Jorge Jesus é um professor catedrático do futebol português que anda há 20 anos na Primeira Liga. Tem enorme facilidade para, quando tem os jogadores que pede, criar a química que coloca o melhor de cada individualidade ao serviço do coletivo. Mas hoje, como líder da turma verde e branca, falhou na gestão. E, por causa disto, o final desta crónica poderia não colocar o Sporting como líder isolado do Campeonato.

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Com Adrien lesionado (fraturou uma costela e encontra-se a fazer trabalho condicionado), o Sporting regressou à fórmula Battaglia-Bruno Fernandes no meio-campo e lançou Alan Ruíz como segundo avançado nas costas de Bas Dost. Jesus percebia que era nas entre linhas do corredor central que podia ganhar vantagem, mas acabaram por ser os corredores laterais a fazerem o primeiro desequilíbrio: jogo interior de Acuña a deixar Fernando Fonseca com Coentrão, passe do internacional português para o argentino que ficou com espaço por não terem sido feitas compensações, cruzamento largo ao segundo poste e toque de Gelson Martins para o 1-0 (4′).

Com este golo, Gelson confirma o melhor arranque de sempre, com três golos em quatro jogos da Primeira Liga (mais um na Liga dos Campeões); com esta assistência, Acuña confirma o estatuto de jogador que mais golos dá, com três assistências em quatro jogos da Primeira Liga (mais uma na Liga dos Campeões). Mas se é para repetir palavras, nada como recuperar o que tínhamos dito sobre Bruno Fernandes após o jogo em Guimarães.

“Bruno Fernandes entrou no DeLorean do Regresso ao Futuro e rodou os ponteiros para oito semanas parecerem oito anos. O internacional Sub-21 conseguiu mexer com o tempo e a dupla de médios centrais ganhou o espaço para um filme perfeito até ao final do encontro.”

Aos 11′, Bruno Fernandes fez o 2-0. De livre direto. Melhor que falar sobre isso, só mesmo ver. Vale a pena.

À semelhança do que tinha acontecido em Guimarães, uma entrada de leão tinha aniquilado as ambições da presa. Mas ao contrário do que tinha acontecido em Guimarães, essa entrada de leão não teve continuidade a nível de caudal ofensivo no que restava do jogo. E o Estoril ainda trocou o papel de presa pelo de caçador no fim.

Até ao intervalo, Rui Patrício não fez qualquer defesa de grau de dificuldade médio sequer. Mas Pedro Monteiro, na sequência de um canto desviado ao primeiro poste por Kléber, não acertou no 2-1 certo aos 24′. Foi a melhor chance dos canarinhos, basicamente a única. Mas o Sporting não teve também muito mais: no seguimento de uma jogada de insistência bem desenhada, Battaglia foi à linha de fundo cruzar mas Coates desviou ao lado (33′).

A segunda parte teve demasiados períodos sem balizas para a qualidade de ambas as equipas. O Sporting, com Bruno Fernandes a carburar e os dois alas inspirados, consegue com relativa facilidade chegar à área contrária mas, fosse por questões físicas (o jogo em Bucareste a meio da semana para a Champions) ou estratégicas, a equipa perdeu 20 metros em relação à metade inicial e só esteve perto de chegar ao golo num remate por cima de Gelson Martins e de um cabeceamento de Battaglia. Também o Estoril, com as mexidas ao intervalo, tentou jogar dentro da proposta de jogo que apresenta com Pedro Emanuel no comando, teve um Allano inspirado nas transições (“sacou” metade dos amarelos aos visitados) mas falhou sempre na vertente da profundidade.

O jogo estava morto, tipo longa metragem com o tema mas aborrecido do mundo, mas transformou-se num thriller curto de dez minutos que deixou todos os presentes em Alvalade à beira de um ataque de nervos depois demais um grande golo, desta feita com Lucas Evangelista a disparar de fora da área ao ângulo (85′).

Numa jogada de insistência de Piccini que cruzou atrasado para o remate rasteiro de Dost e uma grande defesa de Moreira com os pés (88′) e num cabeceamento do holandês que passou muito próximo do poste (89′), o Sporting podia ter feito o 3-1. Falhou. Já nos descontos, de novo Piccini na jogada a cruzar para a área onde não havia guarda-redes e o melhor marcador da última Liga a empurrar para a baliza deserta. 3-1. Afinal não, foi bem anulado por fora-de-jogo do lateral italiano no início da jogada. E o Estoril ainda teve uma bola parada para meter na confusão. Pedro Monteiro recebeu descaído na direita e rematou cruzado. 2-2. Afinal não, foi bem anulado por fora-de-jogo do defesa quando lhe chegou o passe na jogada de insistência. Acabou mesmo 2-1, mas foi de loucos.

Jorge Jesus, que já estava a dizer palavrões para o ar e a dar murros no banco pelo golo de Joel, respirou de alívio. O treinador concorda com ela antiga frase de Phil Jackson, antigo campeão da NBA: “O ataque ganha jogos, a defesa ganha campeonatos”. Mas esqueceu-se que, durante os jogos e os campeonatos, e contra equipas que são menos fortes, é melhor segurar um resultado a atacar do que a defender, mesmo que se compreenda o grande desgaste nas principais unidades . E a forma como tentou segurar o meio-campo com Petrovic tendo os alas esgotados em termos físicos acabou por destapar mais carências do que tapar os problemas.

Se a química do conjunto leonino foi boa como tem sido sempre este ano, hoje falhou a gestão. Ainda assim, o Sporting continua a ser o melhor aluno da Liga, desta vez isolado de Benfica, Rio Ave e FC Porto (que ia jogar de seguida no sempre complicado terreno do Sp. Braga).