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Vice-presidente foi a Paris no carro próprio e cobrou mil euros à câmara

Este artigo tem mais de 5 anos

Vice-presidente da câmara de Manteigas foi a Paris e decidiu levar o carro, faturando mais de mil euros em quilómetros. Diz que levou carro próprio porque lhe dá mais "estabilidade psicossomática".

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AFP/Getty Images

AFP/Getty Images

O vice-presidente da câmara de Manteigas, José Manuel Cardoso (PSD), foi representar a autarquia numa viagem Paris, mas levou o próprio carro e cobrou mais de 1000 euros ao município só em quilómetros. No total, o vice-presidente gastou 1.842 euros em despesas com a viagem. Na Assembleia Municipal, José Manuel Cardoso chegou a justificar que estava apenas a “fazer poupanças” a favor de uma câmara “pequenina” e que tinha “fotocópias” que demonstravam que a viagem de avião a Paris teria ficado em 3.060 euros por ter levado mais pessoas no carro. Ao Observador acrescentou que o seu carro pessoal lhe dá mais “estabilidade psicossomática.”

A viagem foi em outubro de 2014 e, segundo explica o vice-presidente da autarquia em respostas enviadas ao Observador, tratou-se de uma “ação de promoção das Beiras e Serra da Estrela e da Beira Baixa para mostra, divulgação e comercialização de produtos endógenos, enquadrada numa missão promovida pelo jornal do Fundão”. O evento, acrescenta o número dois da autarquia, tinha “a colaboração e apoio institucional das Comunidades Intermunicipais da Beira e Serra da Estrela e da Beira Baixa, em parceria com a Embaixada de Portugal em Paris, a Câmara de Paris, o Instituto Camões e outras entidades oficiais e particulares, designadamente empresários, mas também todas a associações de emigrantes portugueses de França e de Paris.” José Manuel Cardoso esclarece ainda que “ao município de Manteigas incumbiu designadamente ofertar e transportar todo o pão a consumir nos eventos“.

Ajudas de custo da viagem de José Manuel Cardoso à Serra da Estrela ao qual o Observador teve acesso.

Em explicações dadas na Assembleia Municipal — segundo consta da ata da reunião de 24 de junho de 2016, que o Observador consultou — o vice-presidente garantia que “gastou um terço do que gastaria se fosse de Manteigas para Lisboa e depois viajasse” de avião. Lembrou ainda que levou “quatro pessoas consigo, nomeadamente empresários e funcionários da câmara”.

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Quando questionado pelo Observador sobre a razão de ter levado quatro pessoas, José Manuel Cardoso, explicou que levou afinal “três, sendo duas colaboradoras do Município de Manteigas” que, tal como ele, “estiveram de serviço durante cerca de 14 horas em cada um dos dias da estadia e viagens, em relação às quais se impunha que a autarquia custeasse as despesas”. A terceira pessoa que levou no carro, justifica o vice-presidente,”foi um empresário local convidado pelo município para apresentar os seus produtos com o qual não houve quaisquer custos“.

José Manuel Cardoso já tinha dito na reunião do órgão municipal que somente “um vereador de uma câmara pequenina e com problemas financeiros como a de Manteigas é que faz este esforço.” E garantiu ter consigo “fotocópias de simulações dos valores em que ficaria uma viagem de avião para Paris, para duas pessoas, tendo sido apurado o valor de 3.060 euros”.

O deputado municipal do PS António Miguel Carvalho retorquiu, no mesmo órgão, que as contas feitas pelo vice-presidente mais não eram que “insultar a inteligência das pessoas, isto porque de Manteiga a Paris são 1.473 quilómetros, multiplicando por dois (que corresponde à viagem de ida e regresso) são 2.946 quilómetros, que multiplicados por 0,36€, que é o preço pago por quilómetro, dá o valor de 1.060,56€. Se fosse de avião, tinha pago 60 a 70 euros por pessoa.”

Já em resposta ao Observador, o vice-presidente explica que “para utilizar avião teria que realizar uma deslocação de 350 quilómetros até Lisboa e adquirir três bilhetes de avião a que se acrescentaria os custos do transfer do aeroporto de Paris. Para além dos custos, foi determinante poder transportar produtos que nunca poderiam ser transportados de avião sem custos muito acrescidos.” Esses produtos eram o pão.

Quanto aos 3.060 euros, os tais de que apresentou fotocópias na Assembleia Municipal, José Manuel Cardoso garante que o que disse — que não é exatamente o que está em ata — é que “se a deslocação fosse em classe executiva o custo das três passagens seria 3.060 euros; se a deslocação fosse em classe turística o custo seria de 1.536,24 euros.” Ainda assim, os 1.536 euros seriam inferiores aos 1.842 que gastou com a deslocação a Paris. O vice-presidente defende-se, porém, dizendo que “em ambos os casos haveria de acrescer os custos de deslocação para o aeroporto de Lisboa e regresso e da deslocação do aeroporto de Paris e retorno ” e que “em ambos os casos acresceriam os custos de transporte aéreo das mercadorias.” Mais uma vez: o pão.

Nesse ano de 2014 e no ano seguinte, em ajudas de custo (incluindo transporte), alojamento, combustível, refeições, portagens e estacionamento, José Manuel Cardoso gastou 12.293 euros. No ano em que foi a Paris gastou 4.948,24 euros com este tipo de despesas, mas ainda piorou o valor em 2015 quando — mesmo sem nenhuma viagem ao estrangeiro — ao ter gasto 7.345,12 euros, segundo consta de documentação da autarquia. O vice-presidente foi quem no executivo gastou mais em despesas. Muito acima do próprio presidente, José Manuel Biscaia, que no mesmo período gastou menos de um terço do que o seu número dois: 3.968,12 euros juntando 2014 e 2015.

O Observador questionou o vice-presidente sobre os gastos superiores a 12 mil euros em dois anos em “ajudas de custo”. O vereador atentou à “incorreção”. É que em “ajudas de custo” só gastou 1.081,69 euros em 2014 (com a viagem a Paris) e 709,68 euros em 2015 (com uma ação de formação no Porto, no âmbito do programa Capacitar, promovido pela Secretaria de Estado da Administração Local). Os restantes 10 mil euros não são ajudas de custo, esclarece o vice-presidente, são “subsídios de transporte, alojamento, refeições, portagens e estacionamentos que são reembolso de despesas efetuadas”.

Carro próprio dá ao vereador melhor “estabilidade psicossomática”

Para o vice-presidente, de acordo com o que consta na ata da Assembleia Municipal, a autarquia ainda tem de lhe agradecer por usar o próprio carro: por fazer o “contrário de todas as autarquias deste país [que] para além de terem as viaturas associadas quer ao presidente de câmara, quer ao vice-presidente, em todas as reuniões onde vai as pessoas deslocam-se com uma viatura da câmara e com motorista.” Lembrou ainda, em sede de Assembleia Municipal, que “o município de Manteigas nunca lhe tinha pago por ser ele próprio o motorista, sendo que todas as despesas associadas às deslocações que efetua pela câmara municipal são menores do que seriam os encargos que o município teria com um único motorista para esse efeito.”

Ao Observador, José Manuel Cardoso repetiu que “durante todo o presente mandato, o executivo municipal nunca teve motorista, nem chefe de gabinete, nem secretário de apoio aos vereadores e mesmo a secretária do presidente é funcionária da autarquia.” E acrescenta: “Não tendo carro de função atribuído pelo município considero e é natural que a minha viatura própria, que conheço e domino, é a que me confere a melhor estabilidade psicossomática nas deslocações.”

Já na Assembleia Municipal, José Manuel Cardoso, como consta das atas, tinha explicado que levou o próprio carro “porque a câmara municipal não tem nenhum veículo que no seu entendimento lhe ofereça condições de segurança.” O deputado municipal do PS lembrou-lhe que a autarquia tinha veículos e que poderia ter ido a França, por exemplo no Nissan Qashqai. O vice-presidente, de acordo com as atas declarou então que “não conduzia o Nissan Qashqai, nunca o conduziu nem pretendia fazer, porque considera ser uma viatura que não tem condições de segurança“. Outra diferença é que — por força do pagamento de quilómetros — o vice-presidente encaixou mil euros (para compensar o desgaste do carro) e se fosse no da autarquia não ganhava esse dinheiro.

O deputado do Partido Socialista, António Miguel Carvalho– dirigente do PS/Manteigas — lamentou a resposta do vice-presidente, dizendo que ainda era “mais grave” o número dois da autarquia considerar que um carro que “não serve para si, serve aos funcionários da autarquia.”

José Manuel Cardoso — quando questionado pelo Observador sobre o facto de o Qashqai não oferecer condições de segurança — limitou-se a dizer que “a viatura Nissan Qashqai está afeta a outros serviços da autarquia”.

Na Assembleia Municipal em que o assunto foi discutido, o vice-presidente disse sentir-se “ofendido” com as apreciações por serem uma “perfeita idiotice, uma afronta e uma ofensa a quem está a defender o interesse público, a zelar e a fazer poupanças a favor do município.” Sobre o facto de gastar muito em deslocações, justificou: “Infelizmente é cada vez mais necessário fazer deslocações porque há cada vez mais reuniões fora de Manteigas”.

Essa não parece ser a opinião do presidente, José Biscaia, que ao Observador disse mesmo que “as deslocações do senhor vice-presidente são raras pelo que nunca lhe foi imputada qualquer viatura específica.” Em defesa do seu número dois, o autarca diz ainda que “é natural, por isso mesmo, que se sinta mais seguro e adaptado à sua viatura própria.” Sobre o Qasquai que os funcionários usam, mas não dá segurança ao vice-presidente, José Biscaia garante: “Não se põe em causa a segurança formal do veículo que refere na medida em que o mesmo está em condições normais de funcionamento não pondo em causa os funcionários municipais que normal e regularmente o conduzem e a quem pretendo garantir toda a segurança.”

José Biscaia garante ainda ao Observador que “todas as deslocações e inerentes despesas” são do seu prévio conhecimento e
autorização. Na Assembleia Municipal, o presidente da câmara tinha desvalorizado o assunto. Começou por dizer, de acordo com as atas, que queria “esclarecer que nas ajudas de custo ou há ou não há usura neste processo” e garantiu que “se houvesse usura seria o primeiro a a meter a cabeça no cepo”. O autarca explicou que o que está em causa “é se essas ajudas de custo são legítimas ou ilegítimas. Se é legítimo, pagam-se, se é ilegítimo, não se pagam, sendo isso a única coisa que tinha de ser aferida.”

O presidente fez também, nessa altura, questão de diferenciar as ajudas de custo do pagamento de quilómetros. “Uma coisa é ajudas de custo, outra coisa são as deslocações em carro próprio. Para as deslocações em carro próprio a lei preconiza que haja um pagamento, as ajudas de custo estão devidamente identificadas, portanto não queria acreditar que alguém pense que se está a usar indevidamente os dinheiros do Estado para proveito próprio”, disse na Assembleia Municipal.

José Biscaia é recandidato a um novo mandato nas eleições autárquicas de 1 de outubro.

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