A 1 de novembro de 2016, fazia-se história no Brasil: nunca uma mulher tinha assumido o comando da seleção brasileira de futebol feminino. Emily Lima, uma brasileira que se naturalizou portuguesa, era a primeira a pegar na equipa que já venceu seis Copas América e que foi à final do Campeonato do Mundo em 2007. Mas a história não foi feliz.

O início de Emily Lima foi fantástico: sete vitórias consecutivas. Mas a partir de julho de 2017, a equipa perdeu rendimento e em seis jogos consecutivos desde aí, empatou uma vez e perdeu cinco. A 22 de setembro, depois de perder três partidas seguidas com a Austrália, a Confederação Brasileira de Futebol anunciou que Emily Lima tinha sido despedida; três dias depois, soube-se que Vadão, o selecionador que tinha ocupado o cargo antes de Lima, ia regressar.

Mas isto foi só o início da polémica. Quando todos pensavam que tudo se tratava de uma opção técnica normal – como tantas que acontecem ao longo da época entre clubes e seleções – a jogadora Cristiane, uma histórica da ‘canarinha’, anunciou no Instagram que não voltaria a jogar com a camisola amarela.

“Hoje encerra-se o meu ciclo na seleção brasileira. Muito triste por saber que não vou jogar o meu último Pan-Americano, a minha última Copa América, a minha última Olimpíada, a minha última Copa do Mundo. Era o meu sonho, o que sempre quis, sempre sonhei em colocar a medalha de ouro, levantar o troféu de campeã mundial e ajudar a modalidade de alguma maneira. Espero que, com esse vídeo, talvez ajude”, disse Cristiane na rede social, visivelmente emocionada.

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A avançada, duas vezes apontada como terceira melhor jogadora do mundo, descreveu uma série de motivos que a levaram a tomar esta decisão, desde a desigualdade de condições entre o futebol masculino e feminino, passando pelo desequilíbrio salarial e tocando até no facto de Emily Lima ser mulher. Deixou um apelo: “meninas, sejam fortes e unidas”. Mas a união chegou de outra maneira.

Nos dias que se seguiram, as jogadoras Rosana, Andreia e Fran também anunciaram que não iam regressar à seleção. Em entrevista à Globo, Fran explicou que estes protestos devem ser ouvidos e criticou Vadão, o agora novamente selecionador nacional. “Eu fiz isso porque entendi que era o meu momento de agora de dar um ‘basta’ em tudo o que estava acontecendo, em tudo o que eu já vivi dentro da seleção. Foram 12 anos servindo a seleção. O problema nem foi só em relação à saída da Emily, mas principalmente por quem regressou, porque eu já conheço o trabalho”, explicou Fran.

A Confederação Brasileira de Futebol continua sem dar grandes explicações sobre a demissão de Emily Lima e não comenta as decisões das jogadoras de não voltarem a jogar com a camisola amarela. “Eu já imaginava que isto fosse acontecer. Não pelos resultados em si, como alegaram, mas pela falta de respaldo [apoio] da coordenação técnica. Foi complicado. Fui à procura de resultados do Vadão e teve vários negativos, 3-0, 4-0, mas no caso dele, isso nunca importou”, revelou a agora ex-selecionadora à ESPN.

Saio de cabeça erguida, sabendo que toda a coordenação técnica trabalhou e fez um trabalho diferente. Mas isso era errado para a Confederação. Várias vezes me disseram que eu trabalho demais e que trabalhar demais é errado”, afirmou Emily Lima, de 36 anos, ex-jogadora de futebol que depois de obter a cidadania portuguesa representou a seleção de futebol feminino de 2007 a 2009

Mas há quem defenda que para mudar, tem de se mudar por dentro. Marta, a número 10 brasileira, cinco vezes melhor jogadora do mundo, escolheu ficar e tentar provocar alterações a partir do núcleo. “São meninas com quem tive o prazer de jogar e fico muito triste. Espero que voltem atrás para juntas lutarmos como sempre fizemos a vida inteira. Lá dentro. No dia-a-dia. Pedindo melhoras, aumento, o que foi necessário. Mas eu não vou deixar de servir a seleção e lutando como sempre fiz”, disse Marta, que já é a cara da modalidade no mundo inteiro.

Esta terça-feira, a quinta jogadora anunciou a sua saída da seleção nacional. Através de um vídeo no Instagram, Maurine revelou que não vai voltar a jogar pelo Brasil e associou-se ao protesto de Cristiane e companhia.

https://www.instagram.com/p/BZwWbzcDQpA/?taken-by=maurine

Entretanto, o Brasil vai disputar um torneio ainda mês, na China, e Vadão já revelou as convocadas. Marta está na lista do regressado selecionador.

O protesto das jogadoras brasileiras recorda um outro, em 2016, quando cinco norte-americanas lançaram a campanha “equal pay for equal play”. Na altura, Sauerbrunn, Carli Lloyd, Megan Rapinoe, Alex Morgan e Hope Solo, as jogadoras mais influentes da seleção feminina dos Estados Unidos e vencedoras do Mundial 2015, exigiam salários compatíveis com aqueles que eram praticados no futebol masculino. As reivindicações chegaram a bom porto e as cinco jogadoras tornaram-se as caras da igualdade entre homens e mulheres no mundo do futebol.