A discoteca Urban Beach, encerrada pelo Ministério da Administração Interna no último dia 3 de novembro, funciona sem licença de utilização e, só este ano de 2017, já foi multada 12 vezes pela PSP. A Câmara Municipal de Lisboa foi informada disso mas, garante, nada podia fazer para encerrar o espaço. Justificação: a fiscalização de todos os estabelecimentos sem licenciamento urbanístico cabe à ASAE.
Além das 38 participações criminais feitas este ano ao Ministério Público e que envolveram seguranças da Urban Beach, a PSP também registou 12 autos de contraordenação: metade porque tinha expirado a licença provisória que permitiu o funcionamento da discoteca, outra metade pela falta de aviso prévio relativamente à venda de bebidas alcoólicas, apurou o Observador.
De acordo com as respostas da autarquia de Lisboa ao Observador, qualquer discoteca deverá ter licença de utilização ao abrigo da lei e licença de recinto de espetáculos e divertimentos públicos. O estabelecimento Urban Beach, que inclui dois restaurantes e uma discoteca, começou a funcionar em 2011 com “autorização da Administração do Porto de Lisboa, e com uma licença da Capitania do Porto de Lisboa”, que permitia a realização de eventos culturais.
Dois anos depois, os donos do espaço — responsáveis pelo Grupo K — entraram com um processo de licenciamento urbanístico na Câmara, tendo simultaneamente solicitado licenças de recinto improvisado ao município de Lisboa. “As emissões de licença de recinto improvisado foram passadas após as necessárias vistorias e visitas técnicas por parte dos vários serviços (nomeadamente Regimento de Sapadores Bombeiros)”, confirmou a Câmara ao Observador. No entanto, em 2014, com a Reforma Administrativa de Lisboa, este tipo de licenciamento passou a ser competência das Juntas de Freguesia depois de solicitado pelos proprietários. E, segundo a fonte oficial da autarquia, não mais foi solicitado.
Em 2015, porém, o projeto de licenciamento urbanístico foi aprovado em reunião de Câmara. Mas os proprietários da Urban Beach não aceitaram a volumetria nem os preços fixados pela autarquia, solicitando, por isso, “diversos adiamentos ao início das obras”. Neste momento está mesmo em apreciação um pedido de suspensão do prazo para levantamento de alvará e início de obra. Ou seja, há pelo menos dois anos que a discoteca não dispõe de licença.
Fonte da autarquia explicou ao Observador que quando não existe licença, a fiscalização cabe à ASAE. A Câmara só fiscaliza estes espaços de diversão noturna quando já existe uma licença de utilização e por via do Regulamento de Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais de Lisboa e do Regulamento que rege as matérias relativas à Higiene Urbana.
Assim sendo, acrescentou a mesma fonte, os 12 autos de contraordenação levantados e enviados à autarquia de Lisboa para que tomasse medidas, foram reencaminhados por esta à ASAE.
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A ASAE confirmou ao Observador ter recebido participações de outros órgãos de polícia criminal e de ter instaurado “diversos processos contraordenacionais e processos crime”, sem especificar quantos — apesar de ter sido esta a pergunta do Observador. Em causa: “a usurpação de direitos de autor e direitos conexos, a falta de mera comunicação prévia, a falta de afixação das informações a disponibilizar ao público nos estabelecimento de restauração e bebidas, a recusa em facultar o livro de reclamações e instruções ou ordens com vista à discriminação direta ou indireta”, adiantou.
A ASAE refere que estas fiscalizações foram feitas não só neste espaço, mas a outros espaços do grupo K entre 2007 e 2016. Relativamente ao Urban Beach, refere a ASAE que “das ações efetuadas, as principais infrações detetadas referem-se ao incumprimento dos requisitos gerais e específicos de higiene, a falta de condições de temperaturas de armazenagem e ao incumprimento dos requisitos de instalação, funcionamento e classificação, falta de sinalização ou sinalização incorreta”.
Na resposta da câmara, conclui-se, ainda, que muitos outros espaços em Lisboa poderão estar a funcionar sem licença. É que”a prática seguida pelo município em todas as situações em que decorrem processos de regularização urbanística, e quando se encontram cumpridos os requisitos para a emissão de licença e os regulamentos de horários, é o de permitir o funcionamento da atividade económica”. Recorde-se que a discoteca Urban, onde funcionam dois restaurantes, emprega cerca de 200 funcionários.
Fonte do Grupo K disse ao Observador que tal acontece “porque existe uma lacuna na lei” desde a reforma administrativa que passou para as freguesias as competências de concessão das licenças. A mesma fonte admite, no entanto, que os responsáveis pela discoteca pagaram as multas da PSP e não contestaram.
O espaço foi encerrado por seis meses por ordem do Ministério da Administração Interna e com o aval da Câmara, depois de ter sido divulgado um vídeo na entrada daquele espaço em que um grupo de seguranças agredia um rapaz ao pontapé. O vídeo tornou-se viral e levou as autoridades a tomarem uma decisão de urgência. Esta foi a 38ª ocorrência que envolvia seguranças registada pela PSP só este ano. Esta quinta-feira, noticiou o Expresso, Paulo Dâmaso, proprietário do espaço de diversão noturna, interpôs uma providência cautelar para tentar impedir o encerramento do espaço.
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O Observador apurou junto de fonte da PSP que a Direção Nacional da PSP pediu ao Departamento de Segurança Privada, que funciona no seio da PSP, para fazer um levantamento sobre as condições de outras discotecas em Lisboa. O objetivo era perceber se havia algum espaço de diversão noturna com um elevado número de participações criminais que envolvessem seguranças da noite. As conclusões foram imediatamente classificadas como matéria reservada. No entanto, soube o Observador, percebeu-se que o caso da discoteca Urban Beach era o mais preocupante e o que mais queixas registou.
O Observador tentou pedir mais esclarecimentos ao Comando da PSP de Lisboa. “O Ministério da Administração Interna deu-nos ordens para não nos pronunciarmos sobre assuntos de Segurança Privada”, disse a porta-voz daquela força policial. O próprio MAI remeteu as questões do Observador para as respostas da Câmara Municipal de Lisboa.
A reunião do Conselho de Segurança Privada estava prevista para esta sexta-feira, mas foi remarcada para o dia 17 de novembro no Ministério da Administração Interna. Os dados recolhidos pelo Departamento de Segurança Privada da PSP deverão ser analisados neste encontro.
(Texto atualizado às 23h37 com respostas da ASAE e do Grupo K.)