Situações fora de contexto, brincadeiras, despesas com “a farda” para ir à Rainha (Letízia de Espanha), aumentos salariais do filho e do marido para corrigir incongruências. Estas foram algumas das justificações dadas pela ex-presidente da Raríssimas, a associação de apoio a crianças com doenças raras. Numa entrevista dada ao Programa Sexta às Nove, da RTP, Paula Brito e Costa nega o uso de dinheiro do Estado em benefício próprio, contra-ataca denunciando irregularidades de uma ex-vice-presidente e garante, em relação à Casa dos Marcos (principal projeto da associação): “É de todos menos minha”. Confrontada com as muitas acusações de que é alvo, deixa a garantia:

“Por causa de umas gambas e de uns vestidos não vou fugir para lado nenhum”.

E quando confrontada com o apoio de meio milhão de euros que Viera da Silva terá dado em 2007, quando ocupou pela primeira vez a pasta da Segurança Social, Paula Brito e Costa reconhece foi o ministro foi o político que mais ajudou a construir a Casa dos Marcos. À pergunta feita pela jornalista Sandra Felgueiras — houve algum político que a tenha ajudado a tornar a Casa de Marcos naquilo que é hoje? — a ex-presidente da Raríssimas responde não e acrescenta. “Ficar-lhe-ei grata para o resto da vida”.

O Herdeiro da Parada

Paula Brito e Costa refuta a acusação de que é prepotente. Diz: “A Casa dos Marcos nunca foi um império meu. Sou uma pessoa muito rigorosa e não sou prepotente”. E as alegadas ordens aos funcionários para se levantarem quando chegava e para a tratarem por doutora? A ex-presidente desvaloriza: “Isso é tão ridículo. São coisas descontextualizadas e gravadas de má fé”. Reconhece contudo que a tratam por doutora, apesar de não ser licenciada e alguns até tratam por chefe.

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Quando confrontada com o vídeo (mostrado na reportagem da TVI) no qual trata o filho como o “herdeiro da Parada”, também desvaloriza. “Foi uma brincadeira”, mas com um contexto que explica. Estava a ser analisado o futuro da Raríssimas e foi nesse quadro que disse aos colaboradores que estava preocupada com a sucessão. E o sucessor seria o filho? Paula Brito e Costa explica que estava a incentivar a equipa para se posicionar, alguém teria de lhe suceder. Reconhece que não se importaria que o filho fizesse parte da direção, que é composta por nove pessoas. “Ninguém toma conta da Casa dos Marcos sozinha.”

Os empregos para o filho e marido na associação

O filho de Paula Costa, César, está inscrito no primeiro ano do curso de turismo na Universidade Lusófona e tem 27 anos. A reportagem do Sexta às Nove conta que entrou para a associação com um estágio financiado pelo IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional). O salário foi aumentado graças a um contrato que o promoveu a coordenador de um novo departamento. A ex-presidente da Raríssimas confirma que o dito gabinete, de apoio à gestão, tem apenas seis meses. E diz que o filho ganha mil euros, mais um subsídio de coordenação de 200 euros, tal como os colegas da mesma categoria.

Nelson, o marido de Paula Costa, entrou para a associação a ganhar 750 euros. A ex-presidente explica que o marido chegou a acumular três coordenações, mas havia pessoas na manutenção que ganhavam mais. Brito e Costa conta que pediu que fossem corrigidas as “incongruências” e confirma que o marido foi aumentado em janeiro para mil euros. O programa mostra um recibo que indica 1.300 euros, com um subsídio de coordenação. Dobrou o salário do marido? “Se quiser pôr as coisas nesses termos”. Paula Brito e Costa diz que houve mais aumentos salariais, a RTP só encontrou quatro casos, dois eram do filho e do marido.

O salário e o cartão de crédito

Paula Brito e Costa mostra um vencimento de julho com um salário bruto de três mil euros, mais cerca de mil euros de ajudas de custas. Este salário só é possível porque tem o cargo de diretora geral e um contrato que lhe confere um prémio de produtividade, que transformou em PPR (Plano Poupança Reforma) e um cartão de crédito. Se fosse presidente de uma instituição de solidariedade social, o seu salário estaria limitado. A ex-presidente diz que gastaria em média 200 euros por mês desse cartão da instituição.

200 euros em gambas

“Sou alérgica ao marisco”, começa por esclarecer Paula Brito e Costa. Mas acabou por explicar a despesa feita com o cartão de crédito da Raríssimas na compra de gambas, como uma tentativa de baixar os custos com restaurantes. A ex-presidente diz que ouviu o então presidente do conselho fiscal — António Trindade Nunes, que responde por escrito nesta reportagem — e que foi por sua sugestão que foi ao supermercado comprar o que fosse necessário para oferecer refeições a parceiros, neste caso estrangeiros. Trindade Nunes que saiu do cargo em abril garante que ninguém do conselho fiscal sugeriu o uso do cartão de crédito para comprar vestidos ou gambas.

O vestido para ir à rainha

A ex-presidente da Raríssimas mostra um recibo da loja da Karen Millen no Corte Inglés onde foi comprado um vestido por 228 euros com o cartão de crédito da associação como despesa de representação. Paula Brito e Costa admite que terá comprado dois vestidos “para ir à rainha de Espanha”, em fevereiro e novembro do ano passado, mas garante que o vestido ficou na associação, porque nunca usaria nada assim. Argumenta que no mesmo dia fez outras compras pessoais na mesma loja. Aquele vestido em particular foi comprado por causa da visita de Letízia.

“Eu vou à rainha duas vezes por ano. E quando vai? Tenho de levar uma farda, filha. Você não sabe o que é lá ir, não queira saber”.

O BMW serie 5

A compra deste automóvel em regime de leasing, que era usado por Paula Brito e Costa, terá sido inicialmente justificado também com a necessidade de transportar a rainha de Espanha que visitou a Casa dos Marcos em 2014, mas o ex-presidente do conselho fiscal lembra que a estada de Letízia foi muito curta. “Na minha razão, até por razões púdicas era demasiado ostensivo”, disse Trindade Nunes por escrito.

A ex-presidente da Raríssimas nega ainda que a associação tenha pago as despesas da sua viagem ao Brasil. E antes de ser presidente da Raríssimas viajava? Reconhece que não tinha tempo, tinha filhos pequenos e um dos quais doentes — Marco que veio a inspirar a casa dos Marcos na Moita — e assume que depois da morte deste filho (vítima de doença rara) percebeu com o marido que a vida é para ser vivida.

E o ex-secretário de Estado da Saúde, que se demitiu esta semana? Brito e Costa considera justo o salário de 3000 euros que lhe foi pago como consultor da associação. E Vieira da Silva, o ministro que chegou a ser vice-presidente da mesa da assembleia geral? Brito e Costa assume que foi o político que mais ajudou o projeto, apesar de afastar qualquer ligação partidária à associação. A ex-presidente da associação reivindica para si o mérito de ter conseguido “sozinha” dez milhões de euros para construir a casa dos Marcos.

O ministro do Trabalho e da Segurança Social tem a tutela dos organismos que mais fundos atribuíram à Raríssimas, nomeadamente o Instituto da Segurança Social, e irá prestar esclarecimentos sobre este caso no Parlamento na próxima segunda-feira.

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