O discurso do líder fica sempre para o fim e foi nessa altura do jantar das Jornadas Parlamentares do PS, em Coimbra, que chegou o anúncio político relevante sobre a sua vontade: António Costa quer reeditar a “geringonça”. Perante uma sala cheia de socialistas, quando o PSD renovou a sua liderança e já se fala de entendimentos à direita, Costa vem pôr água nessa fervura, ao dizer que “a primeira coisa a fazer é simples: seguir o caminho que iniciámos há dois anos com a companhia com que iniciámos há dois anos”.

Antes desta frase, Costa já tinha lançado a pergunta e dado a resposta:

Quando me perguntam, então o que vão fazer agora? Quando se está no bom caminho só há uma coisa a fazer, que é não mudar de caminho. Quando se está bem acompanhado, o que se faz? Não se muda de companhia”.

O discurso do secretário-geral e primeiro-ministro foi, aliás, muito elogioso para a maioria que constituiu em 2015, quando PS, PCP e Bloco de Esquerda assinaram posições conjuntas para viabilizar o seu Governo. “Sem esta maioria não tínhamos estas políticas e sem estas políticas não tínhamos estes resultados”, disse o socialista numa altura em que a eleição de Rui Rio no PSD tem levantado dúvidas quanto a entendimentos futuros que o PS possa vir a defender. E, no último fim-de-semana, os parceiros do PS também mostraram desconforto com essa tese. Jerónimo de Sousa, do PCP, falou na “retoma formal ou informal do chamado Bloco Central”. E Catarina Martins, no Bloco de Esquerda, acusou Rui Rio de querer “voltar ao Bloco Central.

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Aos sociais-democratas pede, no entanto, coerência. E o recado vai direto ao recém-eleito líder do partido, pelas posições que tem tido em matéria de defesa da descentralização — um tema que está em discussão nestas Jornadas Parlamentares e em que o Governo quer avançar em definitivo este ano. Rio já disse que está disponível para isso ainda no tempo desta legislatura e Costa disse esperar que “de uma vez por todas” os partidos que nas autárquicas elogiam o poder local “honrem a sua palavra e dêem mais poderes às freguesias”.

Ferro avisa para o risco da “autossatisfação”

Antes de Costa, no palco das Jornadas, tinha falado Eduardo Ferro Rodrigues, num discurso que veio por o freio a um outro entusiasmo — e esse é interno. O socialista apontou como “maior risco” nesta fase, “o da autossatisfação”. E recomendou mesmo que o PS não caia na tentação do eleitoralismo este ano.

Até apontou exemplos europeus, de governos socialistas que “não se afirmam politicamente apesar dos bons resultados económicos: caso de França ou Espanha.

Ferro ainda gracejou, quando atirou o aviso sobre a “autossatisfação”: “É certo que é um risco sempre menor no PS, dada a tradicional insatisfação crítica dos seus dirigentes e militantes”. Mas a mensagem principal estava enviada, com o socialista que preside à Assembleia da República a dizer ao partido que “não basta um bom ciclo económico para garantir a solidez política de uma governação”. Nisto, considerou, o “papel insubstituível” é “dos partidos políticos que suportam o Governo, desde logo o PS”.

Reconhece os méritos do Governo, e até elenca alguns, como “a quebra no desemprego”, a taxa de crescimento que é “a maior deste século” e o défice “controlado”. Mas Ferro Rodrigues também diz que “em 2018 não estão previstas eleições e que, por isso mesmo, os portugueses não compreenderiam que por taticismos pré-eleitorais este ano de 2018 não fosse aproveitado para fazer avançar mudanças estruturais”. Costa ouviu o recado e na sua intervenção, logo a seguir, e aceitou que o momento não é para os socialistas ficarem “presos à satisfação”. Mas não resistiu a uma dose de prosápia provocadora, a atingir (mais uma vez) o PSD: “Estamos tranquilos e confiantes, porque aqui ninguém discute quem vai ser o líder parlamentar”.