O coletivo de juízes que está a julgar o caso Operação Fizz devia ter ouvido esta terça-feira em tribunal duas testemunhas: Maria de Lurdes Lemos, ex-mulher do antigo procurador Orlando Figueira, o principal arguido do caso; e Isabel Conceição, uma ex-funcionária do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Contudo, apenas a segunda prestou depoimento, uma vez que a ex-mulher de Orlando Figueira recusou ser ouvida pelo coletivo.
O que tem de saber sobre esta sessão
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As frases do dia
“Fiquei a pensar: ‘Como é que hei de cumprir isto’. Nunca tinha cumprido um despacho assim”. Isabel Conceição, sobre o despacho que ordenava que o nome de Manuel Vicente fosse apagado dos autos do processo Portmill.
“Nós ali cumprimos os processos com a maior rapidez possível. Se for preciso ficar até à meia-noite, ficamos. São todos urgentes. Mas aquele foi mais urgente”. Isabel Conceição, sobre a urgência em cumprir os despachos do caso que envolvia Manuel Vicente.
“Se tinha dúvidas, porque é que não esclareceu com o magistrado que passou o despacho, se cortava, se apagava, se deitava fogo?”, juíza assistente para Isabel Conceição.
Quem foi ouvido
Isabel Conceição, ex-funcionária do DCIAP.
Quando é a próxima sessão
Quinta-feira, 8 de março.
Maria de Lurdes Lemos viria a arrepender-se da decisão mais tarde, manifestando a sua intenção de depor, mas o juiz presidente, Alfredo Costa, lembrou-a de que já tinha renunciado ao seu direito e de que o facto de ter assistido ao depoimento da outra testemunha a impedia de também prestar o seu depoimento.
A sessão desta terça-feira ficou, então, marcada pelo depoimento de Isabel Conceição, uma antiga funcionária do DCIAP que trabalhou com Orlando Figueira. A ex-funcionária recordou como o ex-procurador lhe exigia que cumprisse alguns atos processuais relacionados com o caso que envolvia o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, com mais rapidez do que os relacionados com outros casos, e lembrou como ficou surpreendida quando teve de cumprir um despacho proferido por Orlando Figueira que ordenava que o nome do ex-vice-presidente angolano fosse removido dos autos do caso Portmill (um dos processos envolvendo Manuel Vicente que foram arquivados por Orlando Figueira e que estão na origem do caso Fizz).
“Fiquei a pensar: ‘Como é que hei de cumprir isto’. Nunca tinha cumprido um despacho assim”, recordou Isabel Conceição perante os juízes. “Se passasse corretor branco, notava-se. Se usasse um marcador preto, também se ficava a notar. Experimentei de várias formas, tirei fotocópias, e a única hipótese foi cortar com um x-ato”, acrescentou a antiga funcionária judicial.
A tese do Ministério Público é de que Orlando Figueira, procurador do DCIAP a quem eram atribuídos os casos judiciais envolvendo personalidades angolanas, terá recebido mais de 700 mil euros da parte de Manuel Vicente para arquivar processos que corriam contra si na justiça portuguesa — incluindo o caso Portmill, relacionado com a aquisição de imóveis de luxo no Estoril. Orlando Figueira terá, segundo o Ministério Público, conseguido que Manuel Vicente fosse investigado num processo à parte — que depois seria arquivado — e mandado apagar as referências ao nome de Manuel Vicente de todo o processo.
Foi Isabel Conceição quem recebeu a tarefa de apagar o nome do ex-governante angolano dos autos. Em tribunal, Isabel Conceição disse que decidiu recorrer ao x-ato depois de pedir ajuda a colegas seus para tentar descobrir a melhor forma de cumprir a tarefa eficazmente. Um dos seus colegas ainda duvidou da hipótese de recortar as folhas, mas a funcionária ter-lhe-á respondido: “E o que queres que eu faça? Que vá ter com o sr. dr. [Orlando Figueira] a dizer que não concordo com o despacho?”
Uma das juízas assistentes ainda questionou a ex-funcionária sobre porque é que não tinha perguntado a Orlando Figueira qual a melhor forma de cumprir o despacho, uma vez que tinha dúvidas. “Se tinha dúvidas, porque é que não esclareceu com o magistrado que passou o despacho, se cortava, se apagava, se deitava fogo?”, questionou a juíza. Isabel Conceição respondeu apenas que não questionava as ordens que recebia.
Caso que envolvia Manuel Vicente era “mais urgente” do que os outros
Mas a grande discussão da sessão desta terça-feira andou em torno da prioridade a que eram sujeitos os processos que envolviam Manuel Vicente. O juiz presidente, Alfredo Costa, e os vários advogados presentes no julgamento questionaram repetidamente a ex-funcionária sobre se lhe era pedida ou não mais urgência da execução dos despachos referentes a esses processos. Isabel Conceição disse que sim.
Orlando Figueira pedia frequentemente, “com aquele ar simpático que ele sempre teve”, que os despachos fossem cumpridos com maior urgência. “Veja lá, é complicado, porque está aqui em causa o bom nome da pessoa”, terá dito Orlando Figueira a Isabel Conceição.
A ex-funcionária confirmou ainda que era “só neste processo” — ou seja, no caso ligado com a sociedade Portmill e com o ex-governante angolano — que Orlando Figueira pedia maior urgência no cumprimento dos despachos. Questionada sobre quais os critérios utilizados para determinar se um caso é ou não passível de ser classificado como urgente, Isabel Conceição respondeu vagamente que os que têm arguidos presos são habitualmente tratados com mais urgência.
O juiz presidente interveio várias vezes para questionar diretamente a ex-funcionária sobre se havia diferenças de tratamento nos processos maiores — aqueles que envolvem burlas de grande dimensão, branqueamento de capitais ou associação criminosa. “O dr. Orlando Figueira produzia despachos e a senhora cumpria, certo? Havia diferenças no que ele exigia para os processos 246 ou 5/12?”, perguntou o juiz, ao que Isabel Conceição declarou que apenas no processo 5/12 — processo que foi extraído do 246 e que inclui Manuel Vicente — é que recebeu indicação de que deveria acelerar o cumprimento dos despachos.
“Nós ali cumprimos os processos com a maior rapidez possível. Se for preciso ficar até à meia-noite, ficamos. São todos urgentes”, disse ainda Isabel Conceição. Questionada pelo juiz presidente sobre porque é que, se todos eram urgentes, achava que aquele tinha prioridade especial, uma vez que os casos “ou são urgentes ou não”, a ex-funcionária respondeu: “Mas aquele foi mais urgente”.
Paulo Blanco “circulava livremente” pelo DCIAP
A antiga funcionária do DCIAP falou ainda de uma outra questão central neste processo: a proximidade entre Orlando Figueira e Paulo Blanco, advogado de Manuel Vicente e do estado angolano em vários processos, que está indiciado neste processo por corrupção ativa em coautoria com Manuel Vicente.
Segundo recordou Isabel Conceição, Paulo Blanco ia frequentemente ao edifício do DCIAP para se encontrar com Orlando Figueira. “Havia um segurança lá em baixo, à entrada do edifício, e havia uma folhinha”, lembrou a ex-funcionária, explicando que os advogados que se dirigiam ao DCIAP tinham de explicar qual o motivo da visita. “Com o dr. Paulo Blanco, às vezes era assim, outras vezes não. Às vezes, não passava pela secretaria”, disse Isabel Conceição, dizendo ter a “convicção” de que Blanco “circulava livremente pelo edifício”.
“Costumávamos vê-lo com tanta frequência em todo o lado”, disse a ex-funcionária, explicando que ouvia frequentemente a voz de Blanco no gabinete de Orlando Figueira, no quinto piso do edifício. “Não me lembro de os outros senhores doutores andarem com o mesmo à-vontade por ali”, explicou ainda.
Isabel Conceição acrescentou que via habitualmente Paulo Blanco e Orlando Figueira juntos quando ia tomar o café da manhã num café perto do DCIAP. “Não digo que o dr. Paulo Blanco falasse exclusivamente com o dr. Orlando Figueira, mas era quase sempre com ele”, disse ainda a ex-funcionária, quando questionada sobre se o advogado também se costumava encontrar com outros magistrados.
Dinheiro, arquivamentos e poder. Nove perguntas para entender o caso Manuel Vicente
O processo Operação Fizz tem como arguidos o ex-procurador do DCIAP Orlando Figueira, o empresário Armindo Pires e o advogado Paulo Blanco.
Em causa estão acusações a Manuel Vicente — que na altura era presidente da Sonangol e que viria depois a ser vice-presidente de Angola — de ter corrompido Orlando Figueira para que o então procurador arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.
O ex-procurador do DCIAP está pronunciado por corrupção passiva, branqueamento de capitais, violação de segredo de justiça e falsificação de documentos, o advogado Paulo Blanco por corrupção ativa em coautoria, branqueamento também em coautoria, violação de segredo de justiça e falsificação de documento em coautoria.
O empresário Armindo Pires está a responder em julgamento por corrupção ativa em coautoria com Paulo Blanco e Manuel Vicente, branqueamento de capitais em coautoria com Manuel Vicente, Paulo Blanco e Orlando Figueira e falsificação de documento com coautoria com os mesmos.