O acórdão do Tribunal Constitucional deixa pouco espaço de manobra ao Governo – não só para um plano b, que compense o buraco aberto com este chumbo, mas também com as medidas adicionais que estão previstas para os próximos anos.
O texto, publicado durante a noite de sexta-feira no site do tribunal, faz uma extensa análise do corte imposto aos salários de funcionários públicos, escalão a escalão. Sempre em comparação com o corte que tinha sido imposto em 2013 e que o TC também chumbou. A conclusão dessa análise fiscal é dura: “A redução agora estabelecida não constitui(…) uma versão relevantemente atenuada da desigualdade gerada” pelo Orçamento anterior”. “Apenas no escalão das remunerações mais elevadas – as superiores a € 4.165 − se produz um desagravamento generalizado e de valor significativo (4,43%).”, lê-se no acórdão.
A medida é, assim, considerada “excessiva, e por isso constitucionalmente ilícita, perante o princípio da justa repartição dos encargos públicos”. Sobretudo considerando a desigualdade de tratamento entre trabalhadores do setor privado e os do setor público. Um dado curioso: para justificar o peso excessivo das medidas aplicadas sobre trabalhadores do Estado, os juizes resolveram elencar todas as medidas que já lhes foram impostas, cumulativamente.
A única porta que se entreabre no acórdão, para o Governo, é o da reposição do corte de salários aplicado por José Sócrates em 2011. Isto porque os juízes sublinham que esta inconstitucionalidade é “particularmente evidente em relação aos trabalhadores com remunerações mensais base de valor compreendido entre 675 e 1.500 euros”, precisamente os escalões que o Governo incluiu este ano nos cortes já antes em vigor. A dado passo do acórdão, refere-se que este corte é especialmente contestado “na extensão da redução (salarial) a remunerações que se situam entre os € 675 e € 1000, por se tratar aí de rendimentos muito exíguos”. A frase dá, pelo menos, ao Governo, a noção de que talvez o corte adicional aplicado na CES (Contribuição de Solidariedade, aplicada às pensões), ainda em julgamento no TC, possa não vir a chumbar.
Fim do memorando é o fim das restrições especiais
Em tudo o resto, o acórdão é totalmente restritivo face às intenções do Executivo.
Primeiro, porque diz claramente ao Governo de Passos Coelho que nesta fase do ajustamento já não tem justificação para cortes adicionais: “No quarto ano de exercício orçamental consecutivo, o argumento da eficácia imediata que serviu de fundamento” aos cortes salariais no Estado já não justifica um “agravamento” desses cortes.
Depois, porque o próprio Programa de Assistência Económica e Financeira está a acabar – um argumento várias vezes sublinhado na decisão, que deixa antever um problema ao Governo no próximo Orçamento. É que os juízes admitiram agora o argumento de que o ano em curso ainda é um ano de vigência do memorando (mesmo este acabando agora). Mas, nunca referindo os compromissos do Tratado Orçamental da UE (a que o país está vinculado) de redução do défice excessivo e da dívida, pode criar maiores dificuldades ao Executivo em medidas que venham a ser aplicadas no próximo ano.
o problema das medidas permanentes
Piorando o cenário para Passos Coelho, o texto que fundamenta a decisão dos juízes deixa vários alertas sobre as medidas permanentes de corte na despesa que estão em estudo nas Finanças (e já definidas no DEO de maio), respeitantes a medidas sobre salários e pensões. O acórdão conclui que existem “indicadores relativamente inequívocos” de que o Executivo quer tornar permanentes alguns cortes, nomeadamente os de salários. Acaba por não tomar os aplicados no Orçamento como tais, mas avisa já que medidas futuras desse tipo poderão, “a seu tempo, ser apreciadas” naquele fórum.
Recorde-se que o Governo anunciou, aquando do fecho da última avaliação da troika, que pretende fazer uma reformulação dos salários do Estado com base na tabela salarial única, cortar vários suplementos remuneratórios hoje existentes em várias carreiras, e aplicar uma nova taxa sobre as pensões, que substitua a atual CES.
Facto curioso é que o DEO, onde o Governo promete repôr nos próximos anos todo o corte salarial imposto desde 2011, foi ignorado no acórdão de sexta-feira.