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Aguiar da Beira. O retrato do fugitivo e das suas vítimas

O homem que há uma semana se emocionava com a fotografia dos filhos de um amigo falecido continua em fuga depois de ter matado duas pessoas e ferido três. Como se vive em Arouca estes dias de fuga?

Há pouco mais de uma semana, Pedro entrou num café de Arouca com a filha de 10 anos e emocionou-se ao olhar para uma fotografia dos filhos de Francisco, um amigo que morreu, de forma precoce, aos 39 anos. Olhou para Maria, a mulher do seu amigo, e, com lágrimas nos olhos, disse-lhe: “Estou a olhar para os teus filhos e a ver o Chico!”. Maria impressionou-se ao vê-lo assim: “Ele arrepiou-se todo”. Um homem que “se comove daquela forma, ao olhar para uma fotografia” não podia fazer mal a ninguém.

Ou podia? Poucos dias depois, a 11 de outubro, o mesmo homem, Pedro Dias, terá baleado, à queima-roupa, cinco pessoas, causando duas vítimas mortais e colocando outra entre a vida e a morte — e está em fuga desde então, tornando-se no homem mais procurado do país. Este domingo, depois de se ter pensado que estaria em Espanha, o fugitivo de Aguiar da Beira, que tem na sua posse um passaporte sul-africano, terá sido o responsável por um assalto a uma casa na freguesia de Moldes, nas proximidades de Arouca, tendo sequestrado dois idosos.

Pedro Dias voltou à sua zona de conforto e estava numa casa desabitada, tendo sido surpreendido, ao início da tarde, pela filha da proprietária, que começou a gritar por ajuda. Um vizinho ouviu os gritos e dirigiu-se à habitação, tendo sido os dois amordaçados. Em seguida, o alegado homicida roubou uma carrinha Opel Astra branca e colocou-se, de novo em fuga. O carro roubado foi, entretanto, avistado por uma patrulha da GNR de Vila Real, tendo sido montado novo cerco ao fugitivo. A caça ao homem começou na zona industrial de Vila Real, próximo da aldeia de Constantim, sendo que, por volta das 17h30, uma patrulha da GNR se cruzou com a viatura do suspeito, tendo iniciado uma perseguição.

Entretanto, durante a tarde desta segunda-feira, a Polícia Judiciária encontrou, na localidade de Carro Queimado, perto de Constantim, o carro roubado em Moldes. No interior da viatura, encontrava-se um par de calças com sangue, o que faz suspeitar que Pedro Dias esteja ferido. Até ao momento, o suspeito de duplo homicídio continua a monte, sem mostrar intenções de se entregar às autoridades. Mesmo após o apelo que, no domingo, foi feito pelo médico de Pedro Dias. Vítor Brandão, o clínico do alegado homicida, falou à comunicação social apelando ao suspeito para se entregar, “para acabar com o sofrimento da família”. “O apelo que faço, espero que ele me oiça, com a amizade que tenho por ele, é que apareça, que se entregue e acabe com o sofrimento da família”, manifestou o médico de Arouca.

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Candal

Foi na aldeia de Candal que Pedro Dias terá estado fugido nas horas seguintes aos crimes, mas a polícia, apesar do cerco montado, não o encontrou @Liliana Garcia

O fugitivo

No dia a seguir aos crimes, chegou a chuva — o cenário perfeito para um homicida em fuga, no meio do maciço da Gralheira, local que lhe é muito familiar. “Ele gosta muito da natureza. Já o pai dele gostava de sítios isolados e do silêncio e, como o pai é engenheiro florestal, acaba por conhecer montes e caminhos que ninguém conhece”, diz António Teixeira, morador de Arouca.

Um comerciante da vila que prefere manter o anonimato fala de Pedro Dias como uma pessoa impecável, embora notasse nele uma inquietação, como se tivesse sofrido algum trauma na infância: “Ele estava sempre pronto a ajudar toda a gente, mas parecia que na cabeça dele havia sempre alguma coisa que o perturbava. Sabe, quando temos tudo na vida ficamos com vontade de passar para o outro lado do rio. Quando andamos habituados à autoestrada, temos vontade de ir por caminhos que abanem o carro todo e que nos levem a outros lados da vida”.

Há cerca de um mês, Pedro Dias estava a batizar o segundo filho, que nasceu da relação com a namorada Sara, uma jurista de Arouca, com residência em Leiria. Há poucos dias, terá também conseguido a custódia da filha, de um outro relacionamento, estando a criança a morar com os avós paternos. Agora, após os crimes que terá cometido na madrugada de terça-feira, Pedro Dias deixa para trás várias famílias desfeitas: a sua, a do militar Carlos Caetano e a do casal Liliane e Luís Pinto.

Casa de Vila Chã

Casa de Vila Chã onde Pedro Dias é visto várias vezes, mas sozinho @Liliana Garcia

Pedro Dias nasceu em Angola: a mãe é professora e o pai engenheiro agrónomo. Tem uma irmã mais nova e sempre teve uma vida económica confortável. Desde os homicídios, os pais do fugitivo mantiveram-se resguardados em casa, na moradia que possuem no centro da vila. Na quinta-feira, a casa foi alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária.

Pedro Dias dedicar-se-ia à atividade de piloto de aviação de cargas, tendo tirado a licença de pilotagem na África do Sul, no período em que esteve emigrado neste país. Além disso, possuía várias quintas onde criava cavalos, vitelos e coelhos. Uma dessas propriedades é a Quinta da Ribeira Escura, na zona de Fornos de Algodres. Pedro Dias tem um funcionário que o auxilia nas tarefas nessa quinta, sendo que esse empregado já terá sido interrogado pelas autoridades.

A ligação de Pedro Dias ao concelho de Fornos de Algodres deve-se ao facto de uma avó, nonagenária, ter ali uma casa, na pequena localidade de Vila Chã. Em Fornos de Algodres chegou a ter uma namorada, cujo relacionamento terminou há cerca de dois anos. “Para mim, ele é o neto da dona Emília e o bisneto da senhora Anunciação. Não conheço nem a irmã, nem os pais dele. Só o conheço a ele”, diz Maria, que vive em Vila Chã depois de ter passado décadas em Lisboa. Na terça-feira de manhã, foi surpreendida pela presença da Guarda junto à casa da avó de Pedro Dias. “Vi a GNR e fui lá para perceber o que se passava, mas eles disseram-me apenas para eu ir para dentro de casa.”

“Ele estava sempre pronto a ajudar toda a gente, mas parecia que na cabeça dele havia sempre alguma coisa que o perturbava. Sabe, quando temos tudo na vida ficamos com vontade de passar para o outro lado do rio."

A avó do suspeito dos homicídios de Aguiar da Beira, uma antiga enfermeira que trabalhou em Arouca, não vive na moradia de Vila Chã. Na casa de granito, que foi restaurada há poucos anos, só se vê mesmo Pedro Dias. Normalmente, sozinho. Maria conta que já o viu ali acompanhado por um amigo. À entrada da casa onde o suspeito de homicídio estava há dias, duas cadeiras brancas e um par de botas castanhas aguardam pelo dono, escondido em parte incerta.

“Há uns tempos terá enveredado por outros caminhos”, refere um habitante de Arouca. Esses trajetos desviantes passam por vários processos criminais. Segundo o Correio da Manhã, o alegado homicida é suspeito em dois processos de violência doméstica, em 2009 e em 2015. É também suspeito num processo por abuso de confiança e por danos no carro da sogra, em 2009, estando ainda envolvido num processo de crime contra a propriedade. No seu registo criminal consta ainda que, em 2012, foi interveniente numa ocorrência que envolve a apreensão de armas, munições, matrículas falsas e posse de droga.

Em 2014, a GNR procedeu ainda a buscas na quinta que Pedro Dias possui em Várzea, tendo encontrado duas caçadeiras de canos serrados e mais duas armas ilegais. Nesta propriedade, na zona de Arouca, o alegado homicida tinha, ilegalmente, aves tropicais e um primata, da espécie Callithrix jacchus, que foi entregue ao Zoo da Maia. “Ele gostava de animais, trazia alguns da África do Sul. Tinha animais engraçados na Várzea, cheguei a ver até um primata”, disse ao Observador um morador de Arouca que prefere manter o anonimato.

“Vou combater o mal”

Na quinta-feira, ao final da tarde, a 30 quilómetros de Vila Chã, a capela e o cemitério de Quinta dos Cepos, Aguiar da Beira, eram pequenos demais para a quantidade de familiares, amigos e colegas militares que se quiseram despedir de Carlos Caetano, o militar da GNR, de 29 anos, que terá sido abatido a tiro por Pedro Dias, na madrugada de terça-feira. “Tinha planos de fazer casa e constituir família”, recorda Isabel Caetano Duarte, tia e madrinha do jovem.

“Era um herói para os irmãos”, sublinha Sandra Duarte, prima do militar abatido a tiro. “Ele era ‘o’ primo, era o irmão que nunca tive”, diz, emocionada, durante o velório. “Ele era muito simpático, alegre, ajudava toda a gente”, conta a prima, de 37 anos. Nos tempos livres, jogava futebol e andava de bicicleta, com amigos. Mas a paixão era mesmo o trabalho. E fazer patrulha nunca lhe meteu medo, até porque aquela não era uma região de grandes sobressaltos. “Vou combater o mal”, costumava dizer, na brincadeira, quando ia trabalhar. Naquela noite, em que fazia uma ronda na zona das Termas da Cavaca, não esperou que o mal levasse a melhor.

Carlos Caetano e António Ferreira, de 41 anos, estavam a patrulhar uma zona onde, durante o mês de setembro, deflagraram vários incêndios durante a madrugada, e onde havia historial de pequenos furtos. Por volta das três da manhã, junto ao hotel em construção das Termas da Cavaca, os militares consideraram suspeito o facto de estar uma carrinha estacionada naquela zona isolada.

Intercetaram, então, o condutor, Pedro Dias, que se mostrou tranquilo e conversador, tendo referido que estava naquele local a dormir. No interior do veículo estava um jerrican para combustível. O condutor saiu da viatura. As autoridades pediram-lhe a documentação e repararam que o titular da carta de condução não era o proprietário da carrinha. Perante isso, os militares pediram informações por rádio e foram avisados de que estariam perante um indivíduo armado.

Prosseguem buscas em S. Pedro do Sul para encontrar suspeito de crimes de Aguiar da Beira

Paulo Novais/ Lusa

Nessa altura, e aproveitando o facto de os dois militares se distraírem perante um ruído vindo da zona de mata, o suspeito pegou num revólver 635, que teria escondido numa sovaqueira, e disparou, de frente, sobre a cabeça de Carlos Caetano. Após o abate do militar, obrigou António Ferreira a conduzir a viatura da GNR e a andarem, durante uns 15 minutos, às voltas pela zona de Cortiçada.

O militar terá implorado ao alegado homicida para regressarem ao local do crime, para que pudesse auxiliar o colega. Aflito, António Ferreira pediu mesmo a Pedro Dias para este fugir no carro e deixá-lo com Carlos Caetano, para que o pudesse socorrer. O criminoso terá mandado o militar calar-se, ameaçando fazer-lhe o mesmo que tinha feito ao colega. Mas decidiu voltar ao hotel em construção. Nessa altura, obrigou António Ferreira a colocar o militar morto no porta-bagagem do carro patrulha. Depois, este militar terá sido algemado à pega de teto da viatura da GNR e conduzido até perto do quartel de Aguiar da Beira. Chegados ali, o autor do homicídio perguntou quantos homens se encontravam no interior do posto. Para despistar Pedro Dias, o militar terá dito que estavam muitos guardas e que o edifício possuía sistema de videovigilância.

Essa informação dissuadiu o homicida de querer eliminar mais testemunhas do crime, em particular o guarda que tinha comunicado via rádio. Em seguida, dirigiu-se para uma zona de mato, onde só se aventuraria quem conhecesse a área. Aí, a viatura fica atolada e, com um pé de cabra (que tinha trazido da sua viatura), Pedro Dias parte a pega do carro a que António Ferreira estava algemado. Tira-o do carro e algema-o a um pinheiro. De frente para o militar, dá um disparo em direção à cabeça de António Ferreira. Julgando-o morto, tapa-o com giestas e dirige-se a pé para a beira do asfalto da EN229, onde fez carjacking a um casal que seguia, num Volkswagen Passat antigo, a caminho de Coimbra, para uma consulta de fertilidade.

“Uma vida desarranjada”

Luís Pinto, de 29 anos, morreu no local; Liliane, de 26, ficou em estado muito crítico e foi submetida a uma cirurgia, por causa do traumatismo crânio-encefálico. Pedro Dias, entretanto, regressou ao local do crime inicial, para trocar de carro. Terá ido a Fornos de Algodres trocar de pick-up, e fugiu para a sua zona de conforto: a serra da Freita. Entretanto, após ter estado algum tempo inconsciente, António Ferreira, um pouco desorientado, terá conseguido ir bater à porta de um colega militar, que morava nas proximidades do local onde foi abandonado. Este militar – que escapou por a bala ter batido na zona de osso nas maçãs de rosto, instalando-se na cervical – já está livre de perigo e é a testemunha-chave da investigação.

“Veio cá um sargento de Sernancelhe”, relembra. Ainda há um mês aquela casa, em Ponte do Abade, recebia uma boa notícia, com o nascimento da neta Mafalda. Liliane e Luís iam ser os padrinhos da bebé, filha do irmão mais velho da jovem baleada.

Sentados à mesa da cozinha, com o televisor ligado no programa “Queridas Manhãs”, na SIC, os pais de Liliane estão desolados, minutos antes de saírem de casa, na passada quarta-feira, para irem visitar a filha ao Hospital de Viseu. A mãe é acarinhada por amigos e familiares. O pai ouve, com uma atenção desmoronada, o que Hernâni Carvalho diz na televisão sobre o caso que envolve a filha e o genro.

António de Jesus conta que só ao final do dia de terça-feira é que ficou a saber o que se passara. “Veio cá um sargento de Sernancelhe”, relembra. Ainda há um mês aquela casa, em Ponte do Abade, recebia uma boa notícia, com o nascimento da neta Mafalda. Liliane e Luís iam ser os padrinhos da bebé, filha do irmão mais velho da jovem baleada. “Atrás de uma alegria vem uma tristeza”, lamenta Maria Helena dos Santos, vizinha dos pais de Liliane, que passou a terça-feira com a mãe da jovem, na apanha da maçã. “Saímos de casa às 7h30 e voltámos às 17h30. Estava aqui fora a varrer umas folhas, que tinha chovido, e ouço gritos muito fortes. Lembrei-me logo da Lili, que a consulta tivesse corrido mal”. Não tinha sido isso. “Ainda penso que é mentira. Um casal novo, que ia na sua vida. É uma vida desarranjada.”

Os 14 utentes da Unidade de Cuidados Continuados (UCC) da Santa Casa da Misericórdia de Aguiar da Beira já sentirão falta de Liliane Pinto. Esta auxiliar de ação médica, que começou a trabalhar naquela unidade em abril de 2011, é conhecida por “dar carinho aos doentes”. “Nunca vi ninguém com a idade dela ter o carinho que tinha pelos idosos”, assegura Fernando Andrade, provedor da Santa Casa da Misericórdia.

Em Benvende, localidade de onde é natural Luís Pinto, e onde vivia com Liliane, com quem estava casado há cinco anos, a tristeza surge logo após a Rua do Espírito Santo. No dia a seguir aos homicídios, no interior da casa dos pais do construtor civil, há um aquecedor ligado na sala e, em cima de uma mesa, uma vela acesa e uma embalagem de ansiolíticos. Os pais de Luís estão sentados num sofá. A irmã de Luís, ajoelhada no chão, agarra-se à perna de uma prima e pergunta: “O que vou fazer agora, sozinha? Era o meu único irmão”.

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