Os números parecem uma maravilha e reforçam os argumentos políticos do Governo e dos aliados de esquerda contra a eficácia da austeridade. Depois da conquista do Europeu de futebol, da vitória na Eurovisão, depois de semanas sucessivas de boas notícias no plano económico, esta segunda-feira a Comissão Europeia anunciou que Portugal saiu do Procedimento por Défice Excessivo, corolário de uma redução do défice superior ao exigido por Bruxelas. Os indicadores estão acima das expetativas. António Costa chegou a dizer numa entrevista à Rádio Renascença que “não vivemos na Alice no País das Maravilhas” — mas isso era sobre a venda do Novo Banco –, mas agora parece que vivemos numa maravilha de país.

O cenário é animador: a economia cresceu 1% no primeiro trimestre do ano, e já não crescia assim tanto desde 2007; cresceu 2,8% face ao ano anterior, sendo preciso recuar até 2000 para encontrar uma variação tão positiva; as exportações estão em alta e são o principal motor de crescimento; a taxa de desemprego está nos 10,1% a taxa mais baixa desde 2011; o emprego está a crescer e foram criados 145 mil empregos num ano, o maior aumento desde o final de 2013. O défice, com uma revisão para 2% em 2016, é o mais baixo da democracia. A saída do Procedimento por Défices Excessivos — onde Portugal está de quarentena desde 2009 — permitirá mais folga em Bruxelas: no cumprimento das metas orçamentais, mas sobretudo para o Governo fazer despesas adicionais sem que isso conte para o cumprimento das metas.

O Presidente da República já fala em números astronómicos, como um crescimento futuro na ordem dos 3,2%. Há especialistas, no entanto, como o ex-economista-chefe do FMI ou até o antigo ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos — que foi quem chamou a troika –, que recomendam cautela. Do ponto de vista político, continua a guerra entre esquerda e direita, sobre quem tem os méritos dos bons resultados. Passos diz que não procura o “auto-elogio”, mas até o próprio Presidente da República fez uma nota a repartir os louros da saída do Procedimento por Défices Excessivos, entre António Costa e Pedro Passos Coelho.

Talvez para conter as euforia e para gerir as expectativas políticas — ou até para esvaziar o discurso político do PSD de Passos Coelho –, até o primeiro-ministro veio avisar que, apesar das boas novas, “não podemos ficar descansados”, disse António Costa. É preciso fazer mais.

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Costa diz não ficar descansado com as “boas notícias” e que se tem de “pedalar mais”

Só a dívida continua a ser uma pedra no sapato. E o investimento público o calcanhar de Aquiles e a arma de arremesso de toda a oposição, que diz que o Governo está a sacrificar a despesa em serviços públicos como a saúde, os transportes e a educação à custa de bons números do défice.

De quem é o mérito? Marcelo faz de árbitro

O Presidente da República, na visita que fez à Croácia, deixou escapar aos deputados croatas que estimava que o crescimento deste ano pudesse vir a ficar nos 3,2% do PIB. Sim, 3,2%. Muito superior à meta otimista apresentada pelo Governo, de 1,8%. Esta sexta-feira, ainda em Zagreb, deixou escapar um receio profundo: o de que agora, depois da vitória na Eurovisão, “os portugueses achem que podem ganhar tudo na vida”. É o síndrome do campeão.

As coisas estão a melhorar em Portugal muito rapidamente e muito bem. Os últimos números indicam uma taxa de crescimento de 2,8% e penso que no final do ano será de cerca de 3,2%”, disse Marcelo Rebelo de Sousa perante os deputados croatas, em imagens captadas pela RTP, embora sem repetir o número redondo quando questionado pelos jornalistas. Aí admitiu tratar-se apenas de um cenário possível — como tantos outros.

Apesar de o Presidente não ser “uma entidade independente e técnica”, como chegou a dizer Maria Luís Albuquerque sobre as opiniões de Marcelo em matéria económica, nem as melhores previsões do Governo, da Comissão Europeia, do FMI ou do Banco de Portugal antecipavam que 2017 fosse tão cor de rosa.

Tantas vezes acusado de estar afastado da sua família política e demasiado próximo do Governo, o chefe de Estado decidiu desta vez ser mais equidistante. No dia em que reagiu aos números de crescimento económico divulgados pelo INE, Marcelo tentou chamar os dois líderes à razão. “Devemos evitar perder tempo a descobrir quem teve mérito”, porque “todos tivemos mérito de tudo e estar a comparar méritos é uma perda de tempo”, avisou. Estava dado o recado a Passos Coelho. “[É preciso] evitar o deslumbramento, que às vezes é um pequeno pecadilho nacional”. Para António Costa ouvir.

Quase salomónico, o Presidente da República traçou logo aí o seu diagnóstico: “Conjunturalmente, a nossa economia está a virar. Já tínhamos essa intuição há seis meses e mais claramente há quatro meses, mas temos hoje a certeza de que está a virar”. Por muitos avisos que faça a António Costa, é Pedro Passos Coelho quem pior fica na descrição do Presidente. “Por muito que custe”, lembrou Marcelo, não vale a pena “negar a realidade”, porque as realidades “existem e são boas” para os portugueses.

Este foi o primeiro ato. O segundo deu-se esta segunda-feira, na reação à “boa notícia” da saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos. Marcelo fez uma nota no site da Presidência onde felicita Costa e Passos, em igual medida, pelo “trabalho dos respetivos Governos que permitiram a decisão hoje tomada pela Comissão Europeia”. O mérito é dos portugueses, é a mensagem que quer passar.

Prevendo esta disputa e até antecipando o discurso do “ok, mas” de Pedro Passos Coelho e do PSD, António Costa não se manifestou eufórico e foi cauteloso nas primeiras reações. Registou os bons resultados, mas não disse que vivíamos no país dos números maravilha:

“Não podemos ficar descansados. Temos de encontrar ânimo acrescido para fazer mais e melhor. Se a bicicleta está a andar, nós temos de continuar a pedalar para ela continuar a andar”, disse o primeiro-ministro.

Então de quem é o mérito? Todos os partidos, da esquerda à direita, do Governo à oposição, são obrigados a render-se às evidências e a dizer que a trajetória está a melhorar. Resta saber se é efémero ou sustentado. A verdade é que António Costa goza de uma conjuntura favorável no país e na Europa, tendo agarrado o Governo no pós-troika, quando o anterior Executivo já tinha feito a parte “suja”. Os socialistas encontraram uma União Europeia liderada por Jean-Claude Juncker com desafios humanitários e outras questões políticas de tal modo urgentes que fez com que a pressão sobre as finanças dos países do sul deixasse de ser o principal problema em cima da mesa.

Duas versões para contar uma história

O Governo e o PS têm puxado pelos galões. Quando, na semana passada, se completou a tríade de boas notícias emprego-défice-crescimento, com o INE a dar as boas novas sobre o PIB, António Costa apressou-se a dizer: tínhamos razão, afinal havia alternativa, afinal não é preciso comprometer a competitividade e o crescimento económico à custa de baixos salários. Afinal dá para aumentar o salário mínimo, aumentar os direitos dos trabalhadores e ter menos défice e mais crescimento. É o reforço da narrativa do PS e do Governo desde o início da legislatura.

Crescimento

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Foi a última boa notícia. De acordo com o INE, a economia cresceu 1% durante o primeiro trimestre de 2017, fazendo subir a variação homóloga (de ano para ano) do PIB de 2% para 2,8%. É o resultado mais positivo desde o final de 2007. Tirando isso, só em 2000 é que a economia cresceu mais.

Basta por isso que nos próximos três trimestres até ao fim do ano a economia não contraia, basta que se mantenha tal como está, para Portugal conseguir crescer pelo menos 2% durante o ano de 2017 face a 2016. Se assim for, o Governo supera no final do ano a meta de 1,8% estabelecida pelo Governo e as projeções feitas até agora por entidades como o Banco de Portugal, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional.

Para o primeiro-ministro, os resultados obtidos ao nível do crescimento económico são inteiramente sustentados pela reposição dos rendimentos das famílias e por uma “combinação equilibrada de políticas”, ao nível da criação de emprego e das exportações. “A confiança dos portugueses não era infundada”, afirmou o secretário-geral do PS numa primeira reação aos números. “Muita gente entendeu que era preciso empobrecer para sermos competitivos. Mas a prioridade que foi dada à reposição de rendimentos não comprometeu a nossa competitividade”, resumiu António Costa.

Já no último debate quinzenal, que aconteceu precisamente no dia em que o INE divulgou os dados do desemprego, o primeiro-ministro e o PS congratularam-se por “a redução da taxa de desemprego ter ficado abaixo dos 10%, pela primeira vez desde 2009″, e por terem sido criados “num ano mais de 150 mil postos de trabalho”. “Estamos no bom caminho”, disse Costa, sublinhando que essa foi “a maior criação de emprego líquida desde 1998”. Portanto, o PSD que oiça: “Não vale a pena discutir o que é indiscutível”.

Com o passar dos dias cresceram os motivos para fortalecer este discurso. Esta segunda-feira foi o culminar das boas novas. João Galamba, em reação à “vitória” da saída de Portugal dos défices excessivos pela primeira vez desde 2009, deixou uma nota de prudência para dizer que era importante “continuar a trabalhar para aumentar ainda mais o crescimento e manter a trajetória descendente de redução do défice”. Em resumo, tudo indica que o caminho que o Governo socialista está a seguir é o caminho indicado. Tínhamos razão, dizem.

Mas há sempre duas versões da mesma história, e o PSD tem ido sempre a jogo com o argumento de que tudo se começou a compor com o anterior Governo, e que só as reformas e trabalho do anterior Executivo do PSD e do CDS conduziram o país a este ponto. Agora é colher os frutos. Assim que foram divulgados os números do desemprego, o PSD fez uma conferência de imprensa a dizer: “Estes números, que são positivos e com os quais nos congratulamos, são a prova dos nove de que a reforma laboral levada a cabo pelo Governo anterior, em 2012 e 2013, foi uma excelente reforma estrutural”.

Desemprego

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No primeiro trimestre de 2017, e de acordo com dados do INE, a taxa de desemprego situou-se nos 10,1%, a maior queda do desemprego desde 1989 e um mínimo desde 2009. E de acordo com dados da OCDE, a taxa de desemprego está mesmo nos 9,9%. Mais: já foram criados cerca de 150 mil de postos de trabalho, a “maior criação líquida de emprego desde 1998”, como se gabou António Costa, em pleno debate quinzenal.

Mas, em perspetiva, Portugal continua na cauda da zona Euro nesta matéria: Portugal continua a registar a sexta taxa de desemprego mais elevada entre todos os países da Zona Euro e a quinta mais elevada da OCDE. Costa tem, ainda assim, um dado de que se pode orgulhar: Portugal foi o país da Zona Euro onde o desemprego mais caiu.

Segundo o INE, o desemprego real (que inclui todos os desempregados desencorajados e outro tipo de casos) atingiu uma taxa de 17,8%. Além disso, o desemprego continua a sentir-se com força entre os mais jovens e entre os desempregados de longa duração.

A presidente do CDS, Assunção Cristas, teve um discurso semelhante. “É um bom sinal, certamente. Tudo o que seja reduzir o desemprego e criar emprego é um bom sinal para o nosso país e para a nossa economia, mas também é verdade que a área do emprego foi curiosamente aquela em que o atual Governo PS não mexeu, nomeadamente nas políticas e na reforma laboral aprovadas pelo anterior executivo”, disse a líder democrata-cristã aos jornalistas.

Quanto ao crescimento, também o PSD começou por defender a ideia de que é o pai da criança. Numa reação imediata aos números, a deputada social-democrata Inês Domingos foi o rosto escolhido pelo partido para dizer que o PSD está “contente com a recuperação do PIB neste trimestre” mas que isso “se deve às reformas realizadas pelo anterior Governo e à conjuntura internacional e na União Europeia mais favoráveis”. Já Maria Luís Albuquerque disse ao jornal Público que as boas notícias resultam apenas da “boa conjuntura e de uma boa herança”, e podem levar a uma “falsa sensação de que não é preciso fazer mais nada”.

Tem sido essa a linha de orientação de Pedro Passos Coelho. No aniversário do PSD, a 6 de maio, o líder do partido assegurou que não ia mudar uma linha nem “dar para o peditório do unanimismo de dizer que está tudo bem, porque não está”. “Devíamos estar a investir no futuro e o PS está só a ver se ganha as próximas eleições autárquicas”, disse Passos Coelho. Reconhece o crescimento mas diz que é preciso uma “agenda reformista”. Caso contrário, não vale a pena aplaudir a saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos, porque de hoje para amanhã, se nada for feito, Portugal pode voltar a cair no erro de violar as metas. Foi o que aconteceu com José Sócrates, lembra Passos sistematicamente. Portugal saiu em 2008 do défice excessivo, mas em 2009 já lá estava outra vez. “Desta vez tem de ser diferente”, é o aviso de Passos.

Passos “satisfeito”, mas lembra fantasma de Sócrates

O CDS, contudo, nos últimos dias tem procurado demarcar-se deste discurso e, no que toca aos números do crescimento, limitou-se a aplaudir. “Os números sobre o crescimento do PIB são positivos e isso é positivo para o país e com aquilo o que for positivo com certeza o CDS se congratula”, afirmou a deputada Isabel Galriça Neto na primeira reação. “Oxalá este seja um modelo sustentado”, disse, pedindo que não se reverta a reforma laboral que foi feita pelo anterior Governo e que se aposte nas exportações e no investimento público.

A ideia dos centristas é de que não vale a pena desconstruir a narrativa gloriosa do PS. Por isso, Assunção Cristas e João Almeida, porta-voz, aplaudiram a saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos, reconhecendo o mérito de todos os portugueses e “dos dois Governos”. Mais vale esperar para ter razão, do que ter razão antes do tempo, como o PSD parece estar a querer fazer, defendem.

Mas está mesmo assim tudo tão bem? Cautela…

Teixeira dos Santos diz que não. Esta semana, o ex-ministro das Finanças de José Sócrates que impulsionou o pedido de ajuda à troika em 2011, esteve em Braga, no Fórum Económico da Associação Comercial de Braga, e mostrou-se bem menos otimista do que os restantes socialistas, dizendo que “a médio e longo prazo dificilmente Portugal crescerá mais do que 1% ao ano”. E que é preciso “cautela” a olhar para os números.

Défice

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O Eurostat confirmou este mês que o défice português de 2016 se fixou nos 2% do PIB, abaixo do valor de referência do tratado europeu (3%) e abaixo também da meta de 2,5% fixada por Bruxelas.

Para Costa, o facto de Portugal ter conseguido este ano “o melhor défice da vida democrática” prova que, afinal, havia uma alternativa de política que produz melhores resultados para a vida das pessoas, ao mesmo tempo que cumpre as metas estabelecidas pela Europa.

“O crescimento económico só pode ser a nossa principal preocupação”, alertou Teixeira dos Santos naquele fórum, citado pelo Correio do Minho, apontando como principais obstáculos alguns problemas estruturais como a questão demográfica, que reduz a população ativa, e o investimento, assim como o problema crónico da banca — que está na origem do problema do investimento, e vice-versa. A solução, segundo este economista e atual presidente executivo do Banco BIC só pode estar no aumento da competitividade através do investimento tecnológico e de melhor gestão e organização das empresas.

Mais: para o ex-governante, a banca é talvez a maior sombra no sol de Costa. “Não há investimento sem os bancos”, sendo que estes “têm vindo a ser parte do problema”, já que estão “sem agilidade para financiar mais a atividade económica”, disse na mesma ocasião. “20% do crédito malparado está a prender capital dos bancos”, constatou, sublinhando que o crédito concedido no início do ano a particulares e empresas foi menor do que há um ano. E que isso é um obstáculo à prosperidade.

Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional que esteve em Portugal esta semana, também pede mais reformas de fundo e deixa mesmo um recado a Costa: não adianta acelerar a redução do défice, porque isso não traz ganhos de maior e agrava até os problemas estruturais do país. Numa conversa com o Observador, Blanchard sugeriu que o Governo permitisse uma certa subida do défice público, desde que a despesa pública fosse usada para financiar reformas estruturais e para limpar o crédito malparado e recapitalizar os bancos. Este é, mais uma vez, um dos problemas estruturais que tem de ser resolvido.

Ex-economista do FMI. Défice público pode subir se for para limpar o crédito malparado

Segundo os autores do estudo “Como dar força à retoma portuguesa” — Blanchard, em parceria com o economista do Banco de Portugal Pedro Portugal –, dizem que o país está a crescer muito abaixo do seu potencial e, em termos reais, muito pouco. Precisa de crescer muito mais para que o efeito faça descer a dívida pública e para que o desemprego baixe mais depressa. Ou seja, ainda há muito a fazer para Costa chegar ao país das maravilhas.

O economista Ricardo Arroja alerta para o problema da sustentabilidade deste crescimento, que é “notável” no curto e médio prazo, mas que não chega para acalmar todas as preocupações do longo e médio prazo. “Os problemas estruturais ao nível de todas as áreas — da Segurança Social à Justiça — mantêm-se”, diz ao Observador. Os valores da poupança e do investimento, quer público quer privado ainda estão muito aquém dos restantes países da Europa e isso ainda mantém a economia portuguesa muito “vulnerável”. “Se houvesse uma crise nos mercados de hoje para amanhã ainda estávamos muito frágeis”, afirma Ricardo Arroja.

“Há fatores que tornam os números do crescimento melhores do que são de facto”, explica. Há o chamado “efeito base”, que quer dizer que a variação homóloga de 2,8% no primeiro trimestre de 2017 teve como “ponto de partida um primeiro trimestre de 2016 muito fraquinho”; há o “boom no turismo e imobiliário”; assim como há a “conjuntura externa” e a “política orçamental” a nível mundial que beneficiou os países do sul por ter passado a ser expansionista em 2016, depois de ter estado tantos anos em sentido inverso.

Dívida

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O Eurostat confirmou que a dívida pública estabilizou no rácio de 130,4% do PIB até março, em linha com o valor registado no final de 2016. Mas estava acima da meta assumida pelo Governo para este ano, de 127,9% (uma subida face aos 129% apresentados em 2015).

Na ótica de Maastricht, que é a que conta para Bruxelas, a dívida aumentou no primeiro trimestre do ano, para 243,5 mil milhões de euros, acima dos 241,1 mil milhões a que chegou no final de 2016.

A dívida portuguesa é a terceira mais elevada da zona euro, que, em média, registou em 2016 uma dívida pública de 89,2% do PIB, uma redução face aos 90,3% do ano anterior.

 

João Duque, professor catedrático e presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão, partilha esta visão menos otimista. Para o economista, a saída do Procedimento por Défice Excessivo era “expectável”, resulta de uma “ação conjugada de esforços sucessivos”, mas não esconde “uma economia muito débil” que cresce à custa de uma evolução positiva nas “exportações de produtos e serviços” e “nos serviços internos de turismo”.

De resto, e à semelhança do que nota Ricardo Arroja, em termos comparativos, o ponto de partida muito tímido do primeiro trimestre de 2016 deixava espaço a este tipo de brilharetes, continua João Duque. É possível manter este ritmo? O economista tem muitas dúvidas. Há que ter em conta o pulsar dos mercados para os quais Portugal exporta, os riscos globais do aumento das taxas de juro nos Estados Unidos e o abrandamento da política de estímulos à economia de Mario Draghi. “Isto pode virar tudo num ápice“, avisa o economista.

João Loureiro, professor de Economia da Universidade do Porto, concorda em parte com João Duque: os principais desafios para a economia portuguesa são “exógenos”, sobretudo os que dizem respeito à evolução da União Europeia. Ainda assim, o economista reconhece que o “desempenho da economia, aproveitando uma conjuntura internacional favorável, supreende pela positiva”.

Não sendo tão pulsante como as economias espanhola ou cipriota, nota João Loureiro em declarações ao Observador, a verdade é que está o Governo socialista está a conseguir resultados positivos no curto prazo. Mais: conseguiu estabilizar o sistema financeiro e reduziu o défice para históricos mínimos. “Só não podemos ter muitas ilusões em relação a reformas estruturais“, comenta o economista.

À cabeça, a atual solução política encontrada no Parlamento não terá condições de resolver o problema de sustentabilidade da Segurança Social ou da elevada carga fiscal, sob pena de romper com a estabilidade entre os diferentes parceiros parlamentares. “Tem corrido melhor do que muitos esperavam, mas não vale a pena esperar muito mais“, remata João Loureiro.

BE e PCP querem mais. E os sindicatos? Começam a mexer, mas pouco

Mas o país das maravilhas de António Costa não é só feito de vilões e heróis que reclamam vitória pelos resultados: há co-protagonistas que se recusam a assumir o papel de figurantes. Com o país a crescer a velocidade de cruzeiro, Bloco de Esquerda e PCP também querem os louros e pedem mais, muito mais ao Governo socialista.

O líder socialista prepara-se para entrar num labirinto do qual quererá sair da forma mais airosa possível: as negociações para o Orçamento do Estado do próximo ano. Apesar dos sucessivos maus prenúncios, António Costa tem superado os testes à esquerda com relativa facilidade. Não caiu com o primeiro Orçamento, nem caiu com o segundo. Dificilmente cairá no terceiro — a aliança à esquerda segue com solidez, apesar das irritações pontuais. Mas o grau de dificuldade desta vez é maior: a revisão dos escalões de IRS para níveis pré-Vítor Gaspar é uma exigência de que nem Bloco, nem PCP estão dispostos a abdicar.

Catarina Martins, por exemplo, já veio dizer que quer um alívio fiscal de 600 milhões de euros no IRS, o triplo do valor inscrito pelo Governo no Programa de Estabilidade. A coordenadora bloquista sugeriu mesmo que este alívio fiscal pode e deve ser repetido no Orçamento do Estado para 2019. “Achamos que é preciso uma despesa fiscal em criação de escalões próxima dos 600 milhões de euros, no mínimo, para este Orçamento, outro tanto no próximo, para podermos desfazer aquilo que foi a enorme injustiça criada por Vítor Gaspar”, afirmou Catarina Martins esta semana na SIC Notícias.

Nos mercados, tudo à espera da subida do "rating"

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Os juros da dívida estão a afastar-se dos valores mais preocupantes que foram atingidos em março, acima dos 4,3% a 10 anos. Hoje, dívida portuguesa com esse prazo de referência é negociada com rendibilidades em torno de 3,2% — ainda assim o dobro do que se pede a Espanha.

A boa notícia é que este alívio nos juros está a acontecer numa altura em que o Banco Central Europeu (BCE) já está a abrandar o ritmo de compras ao abrigo do programa de estímulos que termina no final do ano. Isto é um sinal de que existem mais investidores na dívida nacional — bancos nacionais mas não só.

Enquanto o rating das principais agências não subir, contudo, é limitado o espaço para que a descida dos juros continue, até porque alguns dos bancos de investimento mais influentes continuam desconfiados. Com apenas o rating da pequena DBRS acima de lixo, muitos investidores estão proibidos de investir na dívida nacional e o IGCP está limitado às gestoras de ativos mais especulativas — o que não é sustentável a prazo.

A Fitch e a Moody’s, as únicas agências a quem o Estado português paga, não parecem muito próximas de subir o rating. A melhor aposta de Mário Centeno é a S&P, a agência com quem Pedro Passos Coelho suspendeu o contrato em 2013, para conter custos — a S&P é a agência que tem tido comentários mais positivos sobre a situação do país.

E há mais: os bloquistas também já deixaram claro que querem mais investimento na Educação e no Serviço Nacional de Saúde. “Não queremos um Orçamento com cortes destes à partida. Está no momento de voltar a ter um [nível de] investimento no Estado Social anterior à crise”, afirmou a coordenadora do Bloco nessa mesma entrevista à SIC Notícias.

Como um aficionado por puzzles, António Costa terá de olhar para as finanças públicas e perceber como será possível conjugar estas exigências com o descongelamento das carreiras dos funcionários públicos e com o impacto da integração dos trabalhadores precários na Administração Pública. Não será uma missão fácil. Nota curiosa: a 11 de março, quando António Costa subiu ao palco da convenção autárquica do PS, ouviram-se com nitidez os primeiros acordes da música que se imortalizou com as aventuras do agente Ethan Hunt na saga Missão Impossível. Sinal dos tempos.

À esquerda, ainda assim, os obstáculos são complexos. Se o Bloco já disse estar disposto a ajudar o primeiro-ministro ainda antes do verão a fechar as grandes linhas do Orçamento, o PCP já sugeriu que não quer negociar o documento estratégico antes do calendário previsto. Isso traz um problema adicional a António Costa: a discussão em torno do próximo Orçamento vai coincidir com as eleições autárquicas. E por muito que PS e PCP jurem a pés juntos que a disputa eleitoral não causa qualquer embaraço aos dois partidos no Parlamento, a verdade é que os comunistas querem chegar à corrida eleitoral não como um negociador domesticado, mas como uma voz insubmissa. E precisa de capital e trunfos políticos para encarnar esse papel. António Costa terá de estar atento a todos sinais e gerir sensibilidades.

O líder socialista parece já ter em curso uma operação de charme a pensar nas próximas eleições legislativas. No início de abril, em entrevista à Rádio Renascença, António Costa foi dizendo que não tinha “sonhos” de maioria absoluta, ao mesmo tempo que piscava o olho e tentava tranquilizar a esquerda: se o PS conseguir maioria absoluta, vai querer mesmo assim renovar os acordos com Bloco, PCP e PEV. Resta saber se os três partidos estariam dispostos a aceitar uma aliança dessas sem um efetivo poder de condicionar as políticas do PS. Mas isso são contas de outro rosário.

Para já, Costa tem de lidar que com as primeiras agulhas espetadas na bolsa de paz social que conseguiu alcançar — talvez o maior trunfo do socialista depois de derrubar o muro à esquerda. Enfermeiros, médicos, professores e juízes, por exemplo, já saíram ou ameaçaram sair à rua, em protesto com a falta de melhorias nas respetivas carreiras. As centrais sindicais também se agitam e vão somando exigências ao caderno de encargos que entregaram ao primeiro-ministro. Em vésperas de eleições autárquicas, essa pode ser mais uma dor de cabeça para o socialista. Até onde chegará a contestação no país das maravilhas de António Costa?