Ainda não será esta sexta-feira que a Moody’s sobe o rating de Portugal. O Zé Povinho que a fabrica da Bordallo Pinheiro dedicou à agência de rating, a primeira a atirar a notação da dívida portuguesa para “alto risco” (ou lixo), vai ter de continuar com o braço direito erguido e o esquerdo atravessado, dirigido à agência norte-americana.

Os juros da dívida nacional têm descido, para os 3,4% a 10 anos, face à confiança dos mercados de que Marine Le Pen não acorda, na próxima segunda-feira, como Presidente de França. Afinal de contas, o mais provável vencedor das eleições francesas será Emmanuel Macron, um homem que até Yanis Varoufakis elogia por ter sido, no verão quente de 2015, “o único ministro de Estado na zona euro que fez o possível para ajudar a Grécia”.

Internamente, o Governo cumpriu as metas do défice, ainda que as agências de rating continuem desconfiadas em relação à forma como o resultado foi obtido. Já os bancos têm resolvido alguns problemas e reconhecido perdas que fazem acreditar que as casas estão, agora, finalmente, a ficar mais limpas. Além disso poderá vir aí, também, um plano geral para ajudar a atacar o problema do crédito malparado.

Apesar de tudo isto, não é previsível que os ratings subam nos próximos tempos. E muito menos pela Moody’s. Quando muito a S&P. Esta parece ser a que está mais próxima de poder vir a reclassificar Portugal — e, quem sabe, talvez volte a ter o Estado português como cliente para os seus serviços, algo que perdeu nos finais de 2013. Mas não será para já que a dívida nacional deixa de ser considerada de alto risco.

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Imagem: Bordallo Pinheiro (2011)

A agência Moody’s vai, mesmo, pronunciar-se sobre o rating de Portugal esta sexta-feira?

Não se sabe, mas é provável. Há quase três anos anos que esta agência, em particular, não aproveita as datas pré-agendadas para rever o rating. S&P, Fitch e DBRS têm respeitado escrupulosamente as dias marcados ao início de cada ano, mesmo quando não se altera o rating ou a perspetiva — há, igualmente, um relatório em que se atualizam a opiniões gerais sobre o que se está a passar nos países avaliadas. Em contraste, a Moody’s nunca escondeu a sua discordância com as novas regras europeias que obrigam as agências a marcar as datas dos relatórios com antecedência. E, talvez por essa razão, tende a desprezar os dias que ela própria marca.

A que horas sai o relatório (se sair)?

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Se houver um relatório, ele poderá sair após o fecho dos mercados na Europa, pelas 17h, ou talvez mais perto das 21h, quando fecham as bolsas norte-americanas. Nos casos em que não há qualquer relatório divulgado, a agência costuma, pelas 22h, confirmar que não houve alteração.

A Moody’s marca as datas no início do ano, porque é obrigada a isso, mas, por regra, não faz nada porque, na sua ótica, o que a regra diz é que as datas são uma “oportunidade” para atualizar o rating, não uma obrigatoriedade, um compromisso para fazer sair algo. Chegou a acontecer a Moody’s não aproveitar uma destas janelas para divulgar um relatório sobre Portugal e, logo na semana seguinte, sem que nada de relevante tivesse acontecido, publicar uma “Opinião de Crédito” em que fazia a análise atualizada da situação do país.

Contudo, “a Moody’s tem atualizado os ratings de vários países sobre os quais também não se pronunciava há muito tempo. Portanto, na minha opinião, é muito provável que seja mesmo divulgado um relatório esta sexta-feira dia 5, depois de a Moody’s ter desprezado as últimas oito datas pré-agendadas (desde maio de 2014)”. Esta é posição de David Schnautz, analista do Commerzbank em Londres, em declarações partilhadas com o Observador.

Além da DBRS, qual é a agência que parece mais próxima de poder subir o rating?

A agência canadiana DBRS já explicou várias vezes que o seu rating está acima de lixo sobretudo porque Portugal está na zona euro e, a menos que haja um conflito com as autoridades europeias, a agência acredita que ainda que tudo corra mal e seja necessário um resgate, os credores europeus irão prestar assistência financeira sem que isso implique perdas na dívida pública detida pelos investidores privados.

No fundo, é isso que as agências avaliam — o risco de perdas para os investidores privados, donos das Obrigações do Tesouro, e não para empréstimos de fundos europeus (em certa medida, uma reestruturação da dívida à Europa até tenderia a melhorar o risco da dívida que está nos privados).

Entre as outras três agências, as principais, a que parece mais próxima de subir o rating é a S&P, curiosamente a única das grandes agências a quem o Estado português já não paga. Sim, porque em finais de 2013 o governo de Passos Coelho decidiu suspender o contrato de rating com a S&P, uma medida de contenção de custos explicado pelo facto de que, na altura, as três agências (Moody’s, Fitch e S&P) diziam basicamente o mesmo sobre Portugal e não fazia sentido estar a pagar às todas. A S&P continuou a acompanhar a situação em Portugal, mas em base não-solicitada (tal como a DBRS) e contando com menos informação do que se fosse um rating contratado.

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Quanto aos últimos comentários da Moody’s sobre Portugal e sobre a banca portuguesa, eles não são especialmente animadores. Em fevereiro, numa apresentação em Lisboa, a agência mostrou-se preocupada (ainda) com a banca nacional e alertou que maioria do governo está apoiada em partidos que “fazem pressão para que a política orçamental seja mais expansionista”, o que é um problema porque a dívida pública nacional continua a subir. Por outro lado, a Fitch Ratings também esteve em Lisboa recentemente e desvalorizou o facto de o défice ter sido mais baixo — é “muito fácil cortar o défice de forma expressiva num ano, cortando no investimento e criando problemas para o futuro. Vemos isso muito em algumas economias emergentes, por vezes”, dizia o analista responsável por Portugal.

Já a S&P, a tal que tem o contrato suspenso, mostrou-se muito mais otimista em relação ao país. Num relatório em que se pronunciava sobre vários países, a agência dizia a respeito de Portugal que o país estava a “ir na direção certa”, procurando resolver as vulnerabilidades dos bancos. Um analista da S&P reconheceu que a situação da banca é, “definitivamente”, um dos fatores que podem contribuir para melhorar as perspetivas para o rating português.

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Quando é que os ratings podem subir?

Mário Centeno e outros membros do Governo mostraram, em tempos, confiança de que os ratings poderiam já estar a subir. Quando isso não aconteceu, o ministro das Finanças deu uma entrevista ao Financial Times a dizer que o Governo estava a ser tratado com “injustiça”. Com o secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix a dizer que as agências estão a ter cada vez menos formas de justificar os ratings de lixo, a expectativa que o Partido Socialista está a alimentar é que as notações poderão ser “reclassificadas por altura do início do segundo semestre” de 2017. Foi, pelo menos, esta a mensagem de João Paulo Correia, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, em entrevista recente ao jornal Eco.

Porém, quem tem responsabilidade direta na gestão da dívida portuguesa, Cristina Casalinho, parece ter uma visão diferente. Citada pelo Público em meados de fevereiro, a presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) disse que o máximo que se pode ambicionar ainda este ano é haver alguma das três principais agências a atribuir uma perspetiva positiva ao rating de Portugal. “Uma mudança de rating antes de 12 meses parece-me difícil“, disse a responsável.

Contudo, importa lembrar que Portugal já tinha estas perspetivas positivas quando este Governo tomou posse. Ou seja, caso uma das principais agências, como a Fitch, decida subir a perspetiva do rating, isso não será mais do que um regresso a onde estávamos em 2015.

Fitch corta perspetiva do “rating” para “estável”

E porque é que subir os ratings seria tão importante?

O Estado português, como quase todos os países da zona euro, têm tido um importante comprador de dívida no mercado: o Banco Central Europeu (BCE). Para Portugal, essas compras do BCE têm sido absolutamente decisivas porque faltam ratings mais positivos. Não ter ratings melhores, como têm Espanha, Irlanda ou Itália, tem efeitos de segunda ordem muito importantes, que se alastram a toda a economia nacional, como nos custos de financiamento das empresas. Mas o efeito mais imediato é a maior dificuldade do IGCP em atrair mais investidores para as emissões de dívida que são necessárias para o Estado se financiar.

Há investidores que antes da crise nos compravam e que nos deixaram de comprar. Atualmente ainda nos compram na margem porque acham que a nossa taxa de juro é atraente, mas a maior parte dos investidores não pode comprar dívida pública portuguesa porque têm restrições de rating. As grandes gestoras de fundos podem comprar porque têm fundos dedicados a mercados emergentes, que são estratégicos ou táticos e que não têm restrições de rating. O que acontece é que os mais tradicionais, por exemplo as grandes seguradoras ou os fundos de pensões, não têm essa discricionariedade. E, aí, eles vêm aos nossos sindicatos ou leilões, mas com uma capacidade muito mais limitada”
(Cristina Casalinho, ao Público, em fevereiro).

Tendo em conta que o programa do BCE deverá terminar no final do ano, e o ritmo de compras mensais tem vindo a ser diminuído, seria muito importante recuperar os ratings para que, de certa forma, o IGCP conseguisse substituir as compras que são feitas pelo BCE por compras que seriam, provavelmente, feitas por esses “novos velhos investidores”.

Se o BCE deixar de comprar e os ratings ainda não tiverem subido, entretanto, pode tornar-se difícil para o Estado português emitir toda a dívida que quer colocar nos mercados – e os juros subiriam, devido à escassez de investidores. Uma indicação clara de que os ratings poderiam subir já poderia ser algo muito positivo, porque seria maior a tendência dos investidores mais especulativos para tentarem “cavalgar” uma descida dos juros de Portugal — por outras palavras, posicionando-se desde já nos títulos que, mais tarde, os investidores mais conservadores vão querer comprar (ao Estado e aos investidores mais especulativos, no mercado). As dinâmicas de rating são um fator muito importante para a formação de círculos virtuosos (ou viciosos) no mercado de dívida pública.

Há algum sinal de maior otimismo por parte dos investidores?

Os juros da dívida de Portugal têm descido nas últimas semanas — de mais de 4% (em fevereiro) para cerca de 3,4%, agora — e isso tem sido notado por alguns especialistas. Nesta fase, e apesar da redução das compras do BCE no mercado, a dívida portuguesa começa a parecer uma boa aposta num cenário benigno na zona euro, em que, por exemplo, Marine Le Pen não vence as eleições francesas. Portugal oferece um juro muito mais elevado do que a maior parte dos países do euro (como Espanha, Itália ou Irlanda), portanto é maior o potencial para lucros se a recuperação se confirmar.

Fonte: Bloomberg

O diário financeiro britânico Financial Times publicou esta semana um artigo em que alguns analistas e investidores assumiam uma visão otimista sobre Portugal e sobre as hipóteses de os juros baixarem nos próximos tempos (descida dos juros que, no mercado de dívida, significa que os títulos se valorizaram, ou seja, proporcionando ganhos a quem investiu).

Um desses investidores é Fanny Jacquemont, gestora de carteiras da francesa CPR Asset Management. “Os principais riscos já estão no retrovisor. As dinâmicas macroeconómicas estão a melhorar, o governo parece muito empenhado em reduzir o défice e o setor bancário está a ser consertado“, defende a investidora (que, agora, precisa que mais investidores comprem dívida nacional para que o seu próprio investimento seja bem sucedido, ou seja, está também a defender a sua dama).

Mas Jacquemont não é a única. Philip Brown, analista do Citi, um banco de investimento, também acredita que há um “enorme potencial de valorização” caso as coisas corram bem na Europa. Mas há, também, outros investidores, como John Stopford, da Investec Asset Management, que continuam a dizer que não estão “confortáveis com uma tomada significativa de investimentos em Portugal”, sobretudo tendo em conta a dependência das políticas de estímulo do BCE.

Se a Moody’s falar, o que será que irá dizer?

David Schnautz, do Commerzbank, diz que caso haja um relatório a agência deverá “reconhecer a recente onda de boas notícias vindas de Portugal”. E por “boas notícias” o analista refere-se ao crescimento da economia, a redução do défice orçamental e os progressos na “limpeza” do setor bancário.

Ainda assim, “não antecipo que a Moody’s decida, sequer, mover a perspetiva do rating para positiva [está estável]”, diz o especialista, que há vários anos segue a dívida portuguesa. Uma melhoria da perspetiva, ou outlook, poderia ser uma antecâmara para que, mais tarde, o próprio rating também subisse — e bastaria subir um degrau para sair de lixo. E porque não melhorar o outlook? “Para isso, teria de haver sinais claros de que as boas notícias não são apenas efeitos de curto prazo mas, sim, de uma natureza mais estrutural — isso seria necessário para que os ratings subissem, na Moody’s e não só“, explica o analista.

Governo tapa défice com dividendos do Banco de Portugal. Qual é o perigo?

Cortes de dois dígitos no investimento público, programas especiais de política fiscal e, este ano, dividendos adicionais do Banco de Portugal, por exemplo. Estas são algumas medidas que têm ajudado o governo a cumprir as metas do défice. E a dívida pública continua a acumular-se, pelo que “é muito fácil para as agências justificarem não mexer no rating, porque a dívida ficou acima de 130% do PIB em 2016 e há incertezas sobre se serão necessárias mais iniciativas públicas para apoiar o setor bancário, explica David Schnautz. Além disso, “será interessante ver se a Moody’s fala, ou não, da despesa associada ao acordo com o Santander sobre os swaps“, remata o especialista.