A economia espanhola cresceu 0,9% no primeiro trimestre em comparação com os três meses anteriores. É mais do dobro do registo verificado em Portugal e, também, na totalidade da zona euro (0,4%, em ambos). Os números do PIB divulgados esta quarta-feira pelo Eurostat são o corolário de um conjunto de indicadores que nos últimos meses superaram, invariavelmente, as expectativas mais otimistas e que confirmaram que o país vizinho está em alta, apesar da incerteza quanto às eleições do próximo dia 20 de dezembro. O que explica que Espanha esteja a tornar-se o novo menino de oiro da Europa?
“Esta imagem favorável a Espanha surgiu sobretudo porque a Europa necessita de um menino de oiro para mostrar que a estratégia de políticas de austeridade funcionaram”, diz ao Observador Javier Diáz-Giménez, Professor de Economia da IESE Business School e antigo conselheiro económico do Ministério da Indústria espanhol. O economista reconhece que o país está “a dar-se melhor, mas esta imagem de menino de oiro deve-se mais do que tudo ao facto de também os outros países estarem numa situação melhor”.
Considerações mais ou menos ideológicas à parte, o que os números dizem é que os espanhóis podem olhar com algum otimismo para a recuperação da economia, apesar de esta ainda demorar, provavelmente, mais alguns anos a recuperar para os níveis anteriores à crise. A recuperação irá permitir, contudo, que, segundo a Comissão Europeia, a economia cresça 2,8% em 2015, um dos melhores registos previstos por Bruxelas para este ano. Elencamos, abaixo, alguns dos mais indicadores mais importantes (além do PIB) que ilustram o quadro atual de condições económicas no país vizinho.
- A confiança do consumidor está em máximos históricos, segundo um estudo feito em abril pelo Centro de Investigaciones Sociológicas. Os dados mostram que não só que os espanhóis olham de forma favorável para as condições atuais da economia do país, mas estão, também, muito otimistas quanto ao futuro próximo (valor do índice nesta rubrica subiu para 112,6 pontos).
- Em abril, o número de desempregados registados caiu em quase 119 mil pessoas, uma descida de 2,67% face ao mês anterior. Nos dias anteriores à divulgação deste indicador, os economistas apontavam, em média, para uma redução de 65 mil pessoas. Olhando para o desempenho desta rubrica nos últimos 12 meses, constata-se que o número de desempregados caiu em 351 mil pessoas. Continuam, contudo, a existir 4,333 milhões de cidadãos sem trabalho, com uma taxa de desemprego de quase 24%. É reconhecido que existe uma maior proporção de contratos a prazo do que antes da crise.
- O défice público em Espanha ainda será maior do que 3% em 2015 e 2016, segundo as últimas previsões, o que continuará a limitar a capacidade do governo de promover estímulos localizados ou de usar o endividamento público para tentar fazer a economia crescer.
- A banca espanhola está numa fase mais adiantada do que a média (e que a portuguesa) na recuperação da rentabilidade. Algo a que terá ajudado o saneamento dos ativos tóxicos (para um banco malo) que o governo liderou no pico da crise. Ainda assim, as empresas espanholas continuam a pagar mais do que os países do Centro da zona euro para se financiarem na banca espanhola, uma banca que continua, apesar das melhorias, a lidar com graves problemas de crédito malparado (12,5% dos créditos totais em atraso em fevereiro).
Espanha tem merecido elogios invulgarmente unânimes por parte dos economistas nos últimos meses. “Os últimos dados e projeções económicas confirmam a recuperação forte da economia espanhola”, escreveu no início de maio Geoffrey Minne, economista do holandês ING que acompanha a economia espanhola. E o que pode explicar essa recuperação? “É cada vez mais difícil (até mesmo para o partido anti-austeridade Podemos) justificar estes resultados com alguma coisa que não as reformas estruturais que o governo executou desde 2012 nos campos da flexibilização do mercado de trabalho [facilitando a redução de postos de trabalho e a renegociação salarial], nos impostos e na administração pública“.
Confrontado com uma taxa de desemprego que, na zona euro, apenas encontra rival na Grécia, “o governo colocou a criação de emprego no centro das prioridades políticas” e criou condições para que as empresas pudessem contar com “custos do trabalho mais baixos e maior produtividade”, afirma Geoffrey Minne, concluindo que “nem é preciso dizer que [a estratégia] está a dar frutos“. Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, considerou logo no início de 2015 que “Espanha conseguiu entrar num círculo virtuoso” de crescimento, competitividade e aumento da confiança na economia.
A estratégia seguida por Mariano Rajoy nos últimos três anos está a granjear a Espanha a alcunha de “Nova Alemanha”, já que o governo não esconde que foi buscar alguma inspiração às reformas aplicadas na Alemanha em 2003, que tinham como objetivo um aumento da competitividade naquela que é hoje a maior economia da zona euro. Numa tentativa clara de colocar para trás os anos difíceis da crise e os escândalos de corrupção que sempre abalaram o seu governo, Mariano Rajoy diz que as melhorias na economia “são o resultado da política económica seguida pelo governo” e que “Espanha passou, agora, a ser um modelo a seguir“.
De Washington veio, contudo, recentemente, um alerta. “Complacência seria algo muito mau, qualquer pessoa que olhe para os números do desemprego irá perceber porque é que não há lugar para a complacência”, disse em abril uma fonte do FMI ao El País, lembrando que, segundo o FMI, Espanha continuará em 2020 a ter uma taxa de desemprego acima de 20%. A Comissão Europeia acredita que basta esperar até 2016 para que a taxa de desemprego caia para a casa dos 20%, ainda que esta continue a esconder uma incidência especial nas gerações mais jovens.
Sem a descida do desemprego, e em particular do desemprego jovem, não podemos considerar Espanha um “caso de sucesso”, alertou o já citado Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI. “Espanha ainda não se curou totalmente”, afiançou Blanchard, acrescentando que “não há razão para que Espanha esteja condenada a viver com taxas de desemprego de 10%, 15% ou 23%”. A solução para esse problema, diz o economista-chefe, passa pela redução da diferença de direitos entre trabalhadores efetivos e trabalhores a prazo. Por outras palavras, na visão de Blanchard, precariedade a menos para uns significa precariedade a mais para muitos outros.
Outro grande risco para a economia espanhola, e que poderá ter inibido alguns investimentos domésticos e estrangeiros, é o risco político. Isto é, que o país vizinho pudesse ser o segundo na zona euro a eleger um partido de esquerda radical como o Syriza, que foi eleito para o governo de Atenas no final de janeiro e que tem, neste momento, um país que voltou a cair em recessão técnica e que vive uma instabilidade extrema. Mas, como nota ao Observador o economista-chefe do Berenberg Bank em Londres, Holger Schmieding, “o Podemos está em queda nas sondagens e poucas pessoas acreditam que Espanha irá eleger um governo tresloucado ao estilo do Syriza”. Esse risco não estará, confia o economista alemão, “a pesar de forma significativa, nesta altura, na confiança dos empresários e nas decisões de investimento”.
Em resumo, os economistas acreditam que as reformas promovidas nos últimos anos colocaram Espanha numa posição primordial para beneficiar das condições benignas que estão, neste início de 2015, a ser decisivas para todas as economias europeias: preços da energia baixos (associados à queda do preço do petróleo), taxas de juro mais baixas (fruto dos estímulos do BCE), que baixam os custos de financiamento de Estados, empresas e famílias), e euro mais baixo (outra consequência das medidas anunciadas pelo BCE nos últimos meses), que torna as exportadoras espanholas mais competitivas no mercado fora da zona euro.
Analisadas que estão as razões que podem explicar o crescimento espanhol, surge outra questão: porque é que Portugal não está, já, a crescer ao mesmo ritmo?
Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, começa por salientar que “Espanha teria, à partida, um maior crescimento potencial tendo em conta que tendia a crescer mais do que outros países da zona euro antes da crise”. Associado a isso está o facto de o país vizinho ter um crescimento populacional mais favorável, “o que no longo prazo acaba por ser importante”.
O economista-chefe do Montepio recorda que Espanha fez um ajustamento importante na economia como resposta à crise, mas que conseguiu fazê-lo sem ter de convidar a troika para o país, o que lhe permitiu evitar “uma estratégia mais forçada de desalancagem [redução da dívida]” sobretudo no setor privado. “Toda a economia espanhola se ressentiu, naturalmente, mas o impacto foi mais suave do que em outros países”, o que poderá contribuir para que, nesta altura, “a banca espanhola esteja numa fase mais adiantada da recuperação”.
Carlos Andrade, economista-chefe do Novo Banco, acrescenta mais alguns fatores que explicam o bom desempenho da economia espanhola. “As condições de financiamento têm melhorado mais rapidamente em Espanha do que em Portugal”, algo a que não tem sido alheio o facto de o rating da dívida espanhola ter-se mantido sempre acima de lixo. “Reflectindo esta melhoria, a recuperação na concessão de crédito é também mais visível em Espanha” do que em países como Portugal, explica Carlos Andrade.
O crescimento de Espanha não deixa, contudo, de ser uma excelente notícia para Portugal. Pelos laços económicos fortes, Rui Bernardes Serra tem na recuperação da economia espanhola um dos riscos positivos que podem levar a que o economista-chefe do Montepio decida rever em alta as projeções para o crescimento da economia portuguesa. Holger Schmieding, do Berenberg Bank, está, também, otimista de que “com o seu principal parceiro comercial a dar-se melhor, Portugal ganha, aqui, um fator favorável para a recuperação da sua própria economia”.
Há, contudo, uma “lição que Portugal deve tirar”, diz o economista alemão. Espanha mostra porque é que é importante “manter o rumo das reformas. Isso dá frutos, não só em Espanha mas, também, na Alemanha há mais de 10 anos“.