Onze minutos foram suficientes para que o martelo do leiloeiro arrematasse um novo recorde de preço para um quadro. Foi em maio de 2015 na leiloeira Christie’s, em Nova Iorque, que se fixou o valor de 161 milhões de euros pela obra As Mulheres de Argel (Versão “O”) que Pablo Picasso pintou em 1955. O New York Post revelou que o comprador foi Hamad bin Jassim bin Jaber Al Thani, o antigo primeiro-ministro do Qatar, embora a Christie’s não tenha confirmado.
O vendedor permanece desconhecido. Se fosse português, teria registado um ganho de 457% desde novembro de 1991, assumindo o preço de compra e as variações cambiais. É o equivalente a 10,3% por ano, quase o dobro do que renderam as ações mundiais no mesmo período.
As Mulheres de Argel não estão sozinhas. Têm a companhia de duas taitianas de Paul Gauguin. O quadro de Picasso bateu o recorde de preço num leilão mas, três meses antes, fez-se um negócio particular que pode ter chegado aos 260 milhões de euros. É provavelmente a operação mais valiosa em arte desde sempre.
O New York Times noticiou que Rudolf Staechelin, um executivo aposentado da leiloeira Sotheby’s, vendeu o quadro Quando Te Casarás? (Nafea Faa Ipoipo, no original), pintado a óleo por Gauguin em 1892, a um comprador do Qatar.
Gauguin e Picasso estão na ponta do pelotão de artistas que conduzirão o mercado de arte a novos recordes. Em 2014, o mercado mundial transacionou 51 mil milhões de euros, mais de 7% do que no ano anterior, o que permitiu superar o recorde pré-crise financeira de 2007, segundo a Fundação Europeia das Belas Artes.
“O mercado de arte atingiu o seu mais alto recorde de vendas com a manutenção da força da Arte Moderna e Pós-Guerra e da Arte Contemporânea”, explicou Clare McAndrew, a organizadora do estudo anual da Fundação Europeia das Belas Artes. “Continua a ser um mercado altamente polarizado, com um número relativamente reduzido de artistas, compradores e vendedores a somarem vastos montantes.”
Embora o Qatar tenha comprado os quadros de Picasso e de Gauguin – e também o segundo mais valioso, Os Jogadores de Cartas, de Paul Cézanne –, os maiores mercados de arte estão nos Estados Unidos da América (39% de quota mundial), China (22%) e Reino Unido (22%), segundo a Fundação Europeia das Belas Artes.
Quadro | Autor | Ano | Mês de venda | Preço atualizado (milhões de euros) |
Quando Te Casarás? | Paul Gauguin | 1892 | Fevereiro de 2015 | 268 |
Os Jogadores de Cartas | Paul Cézanne | 1892-93 | Abril de 2011 | 192 |
As Mulheres de Argel (Versão “O”) | Pablo Picasso | 1955 | Maio de 2015 | 159 |
N.º 6 (Violeta, Verde e Vermelho) | Mark Rothko | 1951 | Agosto de 2014 | 141 |
Retrato de Dr. Gachet | Vincent van Gogh | 1890 | Maio de 1990 | 135 |
O Baile no Moulin de la Galette | Pierre-Auguste Renoir | 1876 | Maio de 1990 | 128 |
N.º 5, 1948 | Jackson Pollock | 1948 | Novembro de 2006 | 123 |
Mulher III | Willem de Kooning | 1953 | Novembro de 2006 | 122 |
Retrato de Adele Bloch-Bauer I | Gustav Klimt | 1907 | Junho de 2006 | 121 |
O Sonho | Pablo Picasso | 1932 | Março de 2013 | 121 |
Preços de venda atualizados pelo Índice de Preços no Consumidor. Fontes: Bloomberg, Die Welt, Instituto Nacional de Estatística, New York Times, Wikipédia. |
Embora os recordes estejam a ser batidos sucessivamente, o mercado de arte não é pintado apenas com cores bonitas.
Os quadros Retrato de Dr. Gachet, de Vincent van Gogh, e a versão pequena de O Baile no Moulin de la Galette, de Pierre-Auguste Renoir, que foram transacionados, em maio de 1990, por 82,5 e 78,1 milhões de dólares, respetivamente, acabaram por ser vendidos, anos mais tarde, por cerca de 65 e 50 milhões de dólares, segundo o Artnet, que detém uma das mais importantes base de dados de preços.
“O rendimento estético da arte é zero”
Arte: admirar, comprar, colecionar. Ou investir. É possível aliar sensibilidade artística à rendibilidade dos investimentos que faz? É, mas não chega a ser necessário – e é isso que distingue um colecionador de um investidor. Quem compra arte para investir “raramente se envolve emocionalmente com as suas compras e muitas vezes também não convive com elas”, explica ao Observador Rita Almeida Freitas, consultora portuguesa de arte sediada em São Paulo, no Brasil.
Com uma formação que passa pelo Sotheby’s Institute of Art e pelo Christie’s Education, em Londres, Rita Almeida Freitas recorre a uma frase do professor de Economia William D. Grampp para ilustrar a relação de um colecionador com alguém que compre arte puramente por investimento. Para este último, o rendimento estético da arte é zero. Já quem coleciona envolve-se emocionalmente com as peças. Para ele, a arte é um passatempo, uma paixão.
“Há vários colecionadores que preferem aumentar a sua coleção e fazê-la crescer em importância em vez de comprar e revender frequentemente”, afirma Rita Almeida Freitas. Neste caso, a arte não mora no retorno, mas no coração. Será que tem preço? Não é então de estranhar que várias coleções privadas sejam doadas a museus e que o colecionador desempenhe um papel fundamental de partilha na comunidade, explica.
“Grandes acervos de museus que conhecemos hoje existem pela generosidade de colecionadores”, conta a consultora. E desengane-se quem pensa que colecionar se resume a uma ocupação de tempos livres. “Nenhum colecionador gosta de perder dinheiro ou pagar acima do valor de mercado pelas obras, mas para começar uma coleção é necessário tempo, paciência, ver muita arte e estar aberto às várias expressões artísticas”, revela.
Quando o assunto é investir, as contas são outras e os cuidados também. A atenção centra-se no prazo: até quando é que o investidor quer manter determinada obra no seu portefólio? De acordo com os dados publicados pela Deloitte no Art & Finance Report de 2014, 76% dos colecionadores de arte compraram obras também como forma de investimento, quando no ano anterior apenas 53% o fizeram.
Com base nestes dados, os especialistas acreditam que vai surgir mais procura de aconselhamento profissional, no que diz respeito à gestão, planeamento e preservação das peças, bem como sobre como alavancar e valorizar peças de arte e bens colecionáveis. “É particularmente interessante ver como a comunidade de gestores de património está a reagir a esta nova procura: 88% dos family offices [sociedades que gerem o património de famílias] e 64% dos bancos privados disseram que o planeamento em torno da arte e bens colecionáveis é um foco estratégico para os próximo 12 meses“, lê-se no relatório da Deloitte.
Mais: 76% dos profissionais de arte inquiridos no estudo dizem que as obras de arte deveriam ser incluídas na gestão de património e 62% dos colecionadores concorda. O mercado de leilões também acompanha a tendência: as vendas das leiloeiras Sotheby’s e Christie´s cresceram 15,6% em 2013, para 6,6 mil milhões de euros. Só as vendas de arte contemporânea cresceram 24,2% para 2,94 mil milhões de euros.
Para investir, é preciso assumir um compromisso de médio ou longo prazo, explica Rita Almeida Freitas, porque a peça deve ser vendida naquele que é considerado o “tempo ótimo”, ou seja, “quando atinge o valor mais alto que pode atingir”. Mas esta definição não é linear. Para algumas pessoas, o “tempo ótimo” é aquele em que vendem determinada obra e encaixam um lucro que consideram “aceitável” no momento, “mesmo sabendo que o preço pode subir mais”, diz.
Philip Hoffman, presidente do The Fine Art Fund Group, a maior sociedade gestora de fundos que investem em arte, explica ao Observador que, se o objetivo dos investidores é liquidar lucros rapidamente, em vendas, então devem evitar comprar grandes obras, porque regra geral demoram mais tempo a vender.
“Depois, também há aqueles investidores que procuram comprar uma peça ou um conjunto muito pequeno de peças, provavelmente com um custo elevado. E depois há outros que preferem distribuir o investimento por uma série de obras”, explica Hoffman, acrescentando que qualquer pessoa pode comprar ou colecionar arte, mas que investir com inteligência é algo completamente diferente. E que requer ajuda de alguém especializado.
Um múltiplo de Picasso por dez mil euros
Para começar, ninguém duvida, é preciso ter capital disponível e com dois mil euros já se consegue adquirir uma peça de coleção, uma obra de um artista jovem, emergente ou, em alternativa, uma fotografia ou múltiplos de outras peças, explica Rita Almeida Freitas. O múltiplo é uma obra de arte feita em série e que, por fazer parte de uma tiragem de obras idênticas, se torna mais económico do que uma obra única.
E dá exemplos: é possível comprar uma fotografia de William Klein por cinco mil euros ou uma fotografia do Andreas Gursky por 600 mil euros. E os fãs de Picasso não têm de desesperar: podem comprar um múltiplo por dez mil euros ou um desenho por 150 mil. “O que difere nos orçamentos é não só a importância dos artistas mas também a obra do artista e o mercado que o artista tem“, diz.
Em 2014, Rita Almeida Freitas ajudou a vender uma peça de um artista americano por 880 mil euros. Quem a comprou foi um colecionador europeu.
Importante é investir bem, ou seja, fazer a compra “no momento certo” e deixar que o valor suba a par com o reconhecimento académico, explica Rita Almeida Freitas. Trocando isto por números, um bom investimento acontece quando uma obra de arte é vendida por mais 15% a 20% do valor a que foi comprada.
“É extremamente essencial obter aconselhamento independente e especializado, seja através de consultores, galerias, intermediários ou casas de leilões”, explica. E deixa um alerta a futuros investidores: certifiquem-se que as recomendações são verdadeiramente independentes e que não escondem interesses alheios. E atenção às comissões cobradas pelos intermediários, que variam consoante se trate de uma galeria, uma leiloeira ou um consultor.
“Um intermediário ou uma galeria cobra tipicamente 10% em comissões, apesar de esta percentagem depender do preço da peça. Para as peças mais caras, é possível que cobrem menos e estas comissões são mais do que aceitáveis: porque muitas vezes são eles que absorvem o custo do envio das peças para as feiras, seguros associados, a armazenagem e, o mais importante, o tempo que demora a vender as peças”, afirma Philip Hoffman.
Investir? O pior erro é ir em modas
Valorizar, é disso que se trata. E entre o ponto de vista académico e comercial nem sempre há harmonia – nem todas as obras se valorizam em ambas as circunstâncias ao mesmo tempo. Rita Almeida Freitas dá o exemplo de “uma das artistas mais progressistas de Itália”, Dadamaino. “Apesar de academicamente ser bastante importante, a nível comercial surgiu com mais força nos últimos três anos e já se verificou um aumento no preço das suas obras”, diz.
E se vai em modas, pense duas vezes. Muitas pessoas perderam a capacidade de avaliar artistas com base no talento, guiando-se antes pelo preço ou pelas tendências, explica a consultora. “No mercado financeiro há um ditado que diz algo do género: ‘Compre no rumor, venda na confirmação’. No mundo da arte deve-se aplicar uma regra idêntica: o pior erro é ir em “modas” e só comprar obras de artistas que estão na ‘boca do mercado’”, revela.
À conversa, acrescenta termos como perigoso, especulação ou sustentabilidade. E continuamos a falar apenas de arte. Artistas alvos de especulação e preços que não são sustentáveis no longo prazo? Sim, é possível. É que o valor de mercado, por si só, pode não ser suficiente para atribuir uma importância simbólica contínua.
“Apesar de Tobias Meyer, antigo líder global de Arte Contemporânea da Sotheby’s, ter afirmado que ‘the best art is the most expensive because the market is so smart’ [a melhor arte é a mais cara, porque o mercado é muito inteligente], isto não é completamente verdade”, afirma a especialista. E dá dois exemplos de artistas, que na sua opinião, estão subvalorizados face ao seu potencial: o artista conceptual uruguaio Luis Camnitzer e a portuguesa Helena Almeida.
Com o nova-iorquino Joe Bradley passa-se o oposto. “É um artista de que gosto bastante, não nego que seja importante e vá continuar a marcar o seu espaço. No entanto, ainda não tivemos o distanciamento necessário para avaliar se a sua obra vale, de facto, perto de um milhão de dólares”, explica.
E, tal como nos mercados financeiros, também há riscos quando se investe em arte, ainda que menos líquidos, explica Rita Almeida Freitas. “A arte não pode ser considerada como um investimento tradicional e o risco é, em regra, maior. No entanto, os retornos poderão ser excecionais se o colecionador for aconselhado pelas pessoas certas”, diz.
Em caso de dúvida, opte sempre por comprar aquilo que gosta, sugere a especialista. Se o maior risco que corre é o de não conseguir vender a obra, pelo menos fica com uma peça do seu agrado. Ainda que a compra tenha tido por objetivo um retorno financeiro.