Partilhar fotografias de cidades europeias é uma constante nas redes sociais, mas alguns países como França, Itália e Bélgica têm direitos de autor em vigência sobre obras de arte públicas e edifícios recentes, fazendo com que quem publique estas fotografias nas suas contas Facebook ou Instagram esteja a infringir a lei. Agora, com a iminente revisão das leis de direitos de autor por parte da Comissão Europeia – que deverá apresentar uma proposta para os 28 Estados-membros até ao final deste ano -, esta regra pode estender-se a todos os países da União Europeia, incluindo Portugal.

Podemos publicar fotografias da Torre Eiffel no nosso perfil pessoal das redes sociais? Sim, desde que seja tirada durante o dia. A instalação de luzes à noite tem direitos de autor e não deve ser reproduzida nas redes sociais já que tanto Facebook, como Instagram pedem a quem carrega as fotografias que ceda os direitos de autor, que neste caso pertencem à Société d’Exploitation de la Tour Eiffel, sociedade que explora o monumento emblemático. Também o Atomium, perto de Bruxelas, tem direitos de autor e as suas fotografias só poderão ser partilhadas livremente na internet a partir de 2076 – na página da Wikipedia, o edifício está representado por uma ilustração ou aparece recortado.

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As fotografias da iluminação da Torre Eiffel deveriam ser publicadas desta forma nas redes sociais, de forma a não infringir a lei de direitos de autor

França, Bélgica e Itália optaram perante a diretiva comunitária de 2001 relativa “à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação” que se aplica a todos os Estados-membros da UE, restringir a reprodução comercial de edifícios e obras de arte públicas, fazendo valer os direitos de autor das obras e edifícios em que os autores estão vivos ou não passaram mais de 70 anos desde a sua morte. Tal não levantaria um problema para turistas e curiosos que gostam de fotografar, mas na era das redes sociais, o caso muda de figura.

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“Se tirar uma fotografia em férias para o seu uso privado, não há qualquer problema. No entanto, o Facebook e o Instagram são sites comerciais que geram receita e por isso, há aí uma zona cinzenta”, disse a advogada Sharon Daboul, especialista em marcas registadas na firma internacional EIP.

Agora, com a iminente revisão das leis de proteção dos direitos de autor na União Europeia, esta questão está gerar polémica, já que há a possibilidade desta proibição se estender a todos os Estados-membros, mesmo os que permitem a reprodução dos seus edifícios e obras de arte na via pública – o Reino Unido também permite a reprodução dos interiores dos seus edifícios. A eurodeputada alemã Julia Reda, que pertence ao Partido Pirata, apresentou no início do ano um relatório para atualização destes direitos e maior acesso da população em geral à cultura, mas a iniciativa encontrou entraves em Bruxelas.

“Os desenvolvimentos tecnológicos dos últimos 20 anos mudaram a interação do dia-a-dia com os trabalhos com direitos de autor para todos os cidadãos europeus. Há mais acesso, mas também é mais fácil criar e partilhar a cultura com todos”, disse a eurodeputada ao Observador justificando a necessidade de atualizar as leis existentes. Algumas das principais recomendações introduzidas com este relatório diziam respeito à implementação de padrões mínimos de direitos de acesso ao público, assim como novas exceções aos direitos de autor no que diz respeito a bibliotecas e arquivos, permitindo, por exemplo, o empréstimo de e-books através da internet.

Um relatório, 556 emendas e a luta pela liberdade de panorama

O relatório, que não tem qualquer valor jurídico, já que a iniciativa de legislar sobre esta questão parte da Comissão Europeia, gerou movimentações entre os grupos políticos no Parlamento Europeu, levando a que fossem apresentadas 556 emendas, incluindo algumas ao ponto que diz respeito aos direitos de “Freedom of Panorama” ou Liberdade de Panorama. Ou seja, a liberdade de tirar fotografias na rua e partilhá-las nas redes sociais.

No relatório com a redação da deputada alemã, lia-se no ponto 16 que “o legislador europeu deve garantir que o uso de fotografias, vídeo ou outras imagens de trabalhos que estejam permanentemente em locais públicos seja permitido“, uma indicação que visava influenciar a nova legislação, mas vai contra o que está em vigor em França ou Itália. Tal como é habitual nos relatórios elaborados no Parlamento Europeu, os vários grupos políticos têm hipótese de se pronunciar e várias emendas visaram diretamente o ponto da Liberdade de Panorama.

Uma das alterações propostas e aceites foi submetida pelo eurodeputado francês Jean-Marie Cavada, relator-sombra do grupo dos liberais, e que pretendia substituir o texto anterior pelo seguinte: “Considera-se que o uso comercial de fotografias, vídeo ou outras imagens de trabalhos que estejam permanentemente localizados fisicamente em locais públicos esteja sempre sujeito a autorização prévia dos autores ou de quem os represente”. Uma frase que altera o sentido daquilo que era pretendido pela eurodeputada Julia Reda.

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O London Eye é uma das mais recentes atrações da capital britânica e poderia deixar de ser possível publicar fotografias da estrutura nas redes sociais

“Não concordo com qualquer restrição à Liberdade de Panorama. A minha proposta introduzia essa liberdade em toda a Europa. Já que as pessoas viajam livremente por toda a Europa, elas esperam que as regras em relação às fotografias que podem ou não partilhar na Internet sejam iguais”, disse a eurodeputada, afirmando que também os socialistas europeus e os eurodeputados do Partido Popular Europeu – onde se insere o PSD e o CDS, concordavam com o ponto de vista de Cavada.

Marinho e Pinto contra restrições e implicações para Portugal

No entanto, dentro dos liberais a posição não era consensual e o eurodeputado António Marinho e Pinto, único representante português na comissão dos Assuntos Jurídicos e integrante do grupo dos liberais, tem uma visão diferente desta questão. “A minha visão política neste dossiê, como o reiterei várias vezes publicamente e no seio da JURI, contempla o princípio da concordância prática entre os direitos de autor – tanto ao nível moral como económico – e o direito a uma democratização da cultura. Devemos potenciar o acesso à cultura a todos aqueles que de outra forma, talvez o não tivessem”, defende Marinho e Pinto em declarações ao Observador.

O alargamento destas restrições teria um impacto direto em Portugal, com explica a advogada Sharon Daboul. “Uma proposta para reformar as leis que regem os direitos de autor e harmonizá-los em toda a União Europeia significaria que a Liberdade de Panorama seria abolida. Poderia significar que todos os edifícios modernos e obras nos parques ou ruas não poderiam ser reproduzidos ou fotografados sem consentimento. Em Portugal, isto impediria o uso comercial de fotografias do Estádio de Alvalade ou da Fundação Gulbenkian”, refere a advogada.

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O Estádio de Alvalade deixaria de aparecer em fotografias panoramicas de Lisboa, caso estas fossem usadas para fins comerciais, incluindo fotos nas redes sociais

Mesmo que com a possível imposição destas restrições, Daboul afirma que ficaria “surpreendida” caso uma empresa processasse um indivíduo por publicar uma fotografia destas obras nas redes sociais, já que a “prevalência destas imagens na Internet”, mostra que a existência de direitos não impede a sua partilha. “De qualquer forma, está dentro do direitos destas instituições, processarem quem quer que seja, caso sintam que uma imagem foi publicada ou reproduzida para obter ganhos comerciais sem qualquer tipo de permissão”, esclarece a advogada.

A adoção por parte da comissão de Assuntos Jurídicos desta alteração, levou a que várias organizações não-governamentais se manifestassem contra esta decisão, havendo já uma petição online com quase 150 mil assinaturas em que se diz que a liberdade de panorama esta “sob ataque”. O objetivo de quem assina esta petição é eliminar o novo parágrafo e estender esta liberdade em todos os países da UE, forçando a alteração daquilo que está em vigor em França ou em Itália. A pressão parece já ter produzido efeitos, com movimentações políticas que prometem mudar o rumo da discussão.

Apagar a emenda e manter como está?

Marinho e Pinto diz que o seu gabinete em Bruxelas, tal como o dos outros colegas da comissão de Assuntos Jurídicos “foi inundado com pedidos, emails e comunicações” sobre a chamada liberdade de panorama. O eurodeputado diz que estas manifestações “são salutares e demonstram a vivacidade do ativismo de cidadania nas redes sociais”, mas refere que é importante perceber que para já e mesmo com este relatório, não há qualquer alteração na legislação comunitária, tratando-se apenas de recomendações.

De qualquer forma, a pressão dos cidadãos europeus parece ter resultado, já que na última reunião de relatores sombra, presidida pela relatora Julia Reda, os grupos políticos acordaram em suprimir a emenda introduzida pelo eurodeputado Cavada. “Em termos práticos, cada país conserva a liberdade de legislar internamente acerca deste assunto e o Parlamento abstém-se de dar indicações à Comissão que seriam utilizadas, previsivelmente até ao final do ano, para a revisão da diretiva sobre direitos de autor ou INFOSOC”, explicou o eurodeputado Marinho e Pinto.

O relatório será votado em plenário, ou seja, por todos os eurodeputados, no próximo dia 9 de julho em Estrasburgo e por enquanto, a nova redação do relatório sem a emenda que obrigaria todos os países europeus a limitarem o uso comercial das fotografias a edifícios e obras de arte recentes que se encontrem na via pública, ainda não está disponível.

Para Marinho e Pinto, há que manter esta liberdade, mas assegurar que os autores nã são reproduzidos comercialmente sem qualquer controlo. “Esta liberdade, que é salutar, não deve subverter o sistema e levar a um desrespeito pelos direitos dos autores. A proteção do direito do autor deve ser restringida, mas não ao ponto de permitir que outros lucrem com a sua obra”, afirmou o eurodeputado.