A próxima quinta-feira promete ser histórica para o Reino Unido e para a Europa. Nada ficará como dantes, depois do referendo à independência na Escócia. Entre a preocupação e a incerteza, a maioria dos emigrantes portugueses parece dizer Não à independência. Mas há também quem avance, sem medos, para a secessão.
“Antes ouvia pouca gente expressar a opinião, mas agora as pessoas no hospital onde trabalho falam abertamente sobre o lado que escolhem. O sentimento geral é que a campanha do ‘Sim’ é melhor articulada do que a do ‘Não’”
É o caso de Luís Loureiro, médico, de 23 anos, a morar em Edimburgo. “Para mim, é uma oportunidade para escapar a políticas de extrema direita a sul da fronteira, que inevitavelmente mudarão as políticas na Escócia se a união continuar. Isto é particularmente relevante desde que passou a existir o perigo de os Tories em Inglaterra formarem uma aliança com o UKIP”.
Luís Loureiro afirma que o referendo não mobilizou a população até ao mês passado. “Antes ouvia pouca gente expressar a opinião, mas agora as pessoas no hospital onde trabalho, ou até pacientes, falam abertamente sobre o lado que escolhem. O sentimento geral é que a campanha do ‘Sim’ é melhor articulada do que a do ‘Não’”.
Para este médico português, “as pessoas que votam ‘Não’ ou reconhecem que há um grande elemento de incerteza e de medo quanto à independência ou fazem-no porque são de origem inglesa/irlandesa e sentem uma forte ligação com esses países”. A viver na Escócia desde 2008, inicialmente em Aberdeen onde estudou Medicina e Humanidades Médicas, Luís diz que não tem planos para regressar a Portugal nos próximos anos.
Rita Oliveira, de 50 anos, radicada em Leith, também subscreve a independência: “Voto ‘Sim’ porque acredito nesta gente, sobretudo nos mais jovens, que são muito aguerridos. Acredito que isto vai para a frente. Eles (os ingleses) fazem as leis e mandam para cá… e eu não concordo com isto”. E mesmo que o “Sim” perca, “já foi bom ter existido o referendo… pelo debate de ideias e pela vontade de mudança”, diz ainda. Desempregada há dois anos e a viver na Escócia há 10, sente que esta consulta já está a “mudar o país”: “Como se pode ver é só obras”, refere, apontando para os trabalhos de melhoramento da estrada.
“Ainda não é a altura certa”
A residir em Edimburgo há sete anos, Frederico Freitas, de 37 anos, esteve indeciso, mas agora assume o voto pela União. “A Escócia será independente um dia, mas neste momento não é a altura certa”. A trabalhar como inspetor num casino, considera que “nenhuma das partes apresentou os verdadeiros pontos importantes” durante a campanha. E exemplifica temas como a moeda, a dívida interna do Reino Unido, a permanência na União Europeia e a situação dos estrangeiros residentes. “A maioria da Escócia está a votar pela independência, mas há que não esquecer o mais importante: eles não gostam dos ingleses…”
José Sabugueiro, 29 anos, e Teresa Silva, 28, vivem em Kirkcaldy e estão na Escócia desde Abril de 2013. Teresa é dentista e ele está a candidatar-se ao internato médico.
“Honestamente, só nos últimos tempos é que o debate aqueceu, a campanha tem sido um pouco fraca e ninguém se sente esclarecido – até porque a maior parte das respostas ainda têm de ser negociadas. Além disso, muitas pessoas decidiram-se, mas continuam com dúvidas. Aliás lendo o white paper publicado pelo governo escocês, fica muito por responder. No fim, a decisão será mais do nacionalismo vs segurança”. José e Teresa vão votar “Não”: “A maior parte de nós, quando emigrou, mudou de um sítio com um futuro incerto e sombrio para um local mais ‘certinho’, com mais segurança e mais previsível. Ora, a independência da Escócia insere uma certa incerteza da qual as pessoas fugiram.”
Medo da instabilidade
Martine Horta, 39 anos, professora do 3ºciclo e Secundário, e Paulo Ferreira, 42 anos, motorista profissional, mudaram-se para Edimburgo em Abril de 2013. “Na minha humilde opinião o ‘Sim’ será uma loucura para qualquer imigrante. Saindo do Reino Unido, a estabilidade da moeda irá desaparecer. Penso que a ideia de voltarmos à incerteza é demasiado negra para qualquer emigrante. E uma das coisas que nos motivou a vir para cá foi a estabilidade da libra…”
Os portugueses mostram desagrado com o actual líder escocês, Alex Salmond, o grande impulsionador do referendo: “O discurso do Salmond não me agrada – faz-me lembrar o de alguns políticos portugueses”, diz José. “É só benefícios para toda a gente e explicar de onde vem o dinheiro para tal é mentira”.
Martine concorda: “O Alex Salmond tem demasiadas promessas. Como dizemos na nossa santa terrinha ‘quando a esmola é muita o pobre desconfia’. Como podem propor por exemplo baixar a idade de reforma para pouco mais de 50 anos quando a natalidade está a descer?” questiona.
“Embora eu entenda os escoceses que votam a favor – sentem a identidade nacional -, não sabem a sorte que têm em viver num sítio em que têm educação e saúde à borla”, adianta José.
Martine, mãe de um rapaz de 10 anos, está grávida de 36 semanas e não poupa elogios à saúde e educação do país para onde emigrou. “Como professora, o sistema educativo deles deixou-me maravilhada… mas esse já há alguns anos que é distinto do resto do Reino Unido – centrado no aluno. A nível curricular é muito diferente do nosso – aqui valoriza-se o que aluno sabe, é quase um currículo próprio para cada um”.
O sentimento dos escoceses com quem trabalha é, segundo afirma, no sentido do “Não”: “Quase todos são contra a independência, acham ridículo, gostam da identidade deles, mas dizem que não a perdem por ficar na União, enquanto que se saírem do Reino Unido irão perder muitos benefícios”.
“Acho que todo o Reino Unido, excepto Londres, está farto de Londres”.
E se o “Sim” ganhar? “Ainda serão mais dois anos de adaptação, tempo suficiente para nós pegarmos nas malas e partirmos rumo a outras bandas. Não creio que consigamos ficar se o ‘Sim’ ganhar”, confessa Martine.
Além da identidade, José acrescenta que os escoceses estão fartos do centralismo de Londres. “Aliás, acho que todo o Reino Unido, excepto Londres, está farto de Londres”.
Cátia Mendes, do restaurante Tugas Amor, a viver em Edimburgo, diz que ela e a família sendo portugueses não sentem o apelo das raízes como os escoceses. “Não sei se será melhor ou pior com a independência. Estou um pouco indecisa pois só vivo aqui há um ano, mas esta parece ser também uma questão de orgulho que pode deitar abaixo o país. Fazendo uma ponte com Portugal, que está tão mal, as coisas estão bem aqui e parece-me arriscado votar ‘Sim’. Em suma, acho que estou mais inclinada para o Não”.
“Não vão ser só alegrias”
Opinião diferente tem Elisabete Leite Cacieri, de 34 anos, é ama e vive há cinco anos na Escócia, numa região isolada ao Norte de Edimburgo. Inicialmente pensava votar Não, mas decidiu-se pela independência. “Achava arriscado, mas à medida que vou conhecendo os escoceses acredito que somos capazes. Sou administradora de um grupo no Facebook (Tugas na Escócia) e nas nossas viagens para eventos pelo país temos visto o grande potencial desta terra e o quanto está abandonada por Westminster”.
Mas Elisabete está consciente dos riscos envolvidos: “Muita gente acha que a Escócia se vai tornar num país maravilhoso e que vão ser só alegrias, mas não. Existe um risco muito grande, principalmente quando não se tem a certeza da moeda. Acredito que muitos portugueses aqui tenham medo por causa da desvalorização da moeda porque alugam um apartamento aqui e mandam dinheiro para Portugal para pagar a casa de lá. Mas se continuarmos na União os emigrantes vão estar em risco com a entrada da extrema direita no poder (nas legislativas de Maio), com a privatização do sistema de saúde e sei lá mais quantas incertezas! O ‘Sim’ é uma esperança”.
Pedro Cadima, engenheiro mecânico, e Eva Silveirinha de Oliveira, investigadora na Universidade de Edimburgo, ambos de 34 anos, estão na imensa maioria de indecisos mas mais inclinados para o “Não”. “Sentimos que historicamente é uma oportunidade para a independência (e os escoceses lutaram muito por ela), mas os debates têm sido pouco esclarecedores, nomeadamente em questões como a moeda”. Com dois filhos, de 5 anos e 3 meses, ambos nascidos em Edimburgo, dizem-se também preocupados com o futuro se a independência avançar. Pedro acrescenta: “A maioria do trabalho que faço na empresa onde estou é para Inglaterra”. Talvez por isso, remata, “é mais fácil votar Não”.
Casa Amiga traz pastéis de nata e travesseiros
A fachada não tem os tradicionais vermelho e verde da bandeira, antes um design moderno. Mas exibe um galo, revelador da identidade do Casa Amiga, um novo café-pastelaria em Leith, bairro portuário onde vivem muitos portugueses em Edimburgo.
Uns metros antes, no outro lado do Leith Walk, dois escoceses montam uma bancada da campanha do “Sim” e pedem para ignorarmos o cheiro a haxixe: “Não somos nós, devem ser os do Não”, avisam com um sorriso travesso. O sentido de humor e o respeito entre os dois lados tem sido uma das constantes da campanha do referendo.
Na Casa Amiga, o ambiente é de grande cordialidade. O “Não” parece dominar mas também há quem vote no campo oposto. Atrás de uma montra cheia de belos exemplares da pastelaria portuguesa – além de pastéis de nata, há bolos de arroz, mil folhas, pão-de Deus, merendas, sopa de feijão, café Delta e vinho verde -, os proprietários do Casa Amiga, Sara e Michael da Silva, mostram-se desinteressados do referendo, apesar de já ali terem recebido um espetáculo da campanha do “Sim”. “Acho que tem havido coisas negativas em ambas as campanhas. Acabei por nem me registar para votar”, Michael, de 38 anos, é português mas já quase não fala a língua materna – os pais são madeirenses mas cresceu na África do Sul.
Sara partilha da indecisão: “Não somos muito de política e sentimos que não vai fazer diferença, por isso ainda não me decidi. Além disso, nunca recorri a benefits e acho que em termos de educação e saúde não vai fazer diferença”.
Com 35 anos, Sara cresceu em Viseu (daí os viriatos na montra, nome que nesta cidade beirã se dá aos jesuítas); numa viagem de férias com Michael tomaram-se de amores pela Escócia., onde já vivem há 14 anos, sempre com negócios na área da restauração.
O Casa Amiga, aberto há dois meses, é o primeiro a ter um cariz do país de origem. “Lembrei-me de abrir uma coffee-shop com artigos portugueses e contratámos um pasteleiro em Portugal”.
O carácter irresistível da nossa doçaria e a robustez dos salgados tem atraído tanto lusitanos como escoceses, espanhóis, ingleses, etc. “Agora estamos a ensiná-los a comer tremoços com a cerveja”, brinca Sara, salientando que os dois trabalham muitas horas diariamente para ter a casa aberta.