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Princeton University

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Estamos a ser "ingénuos" no combate aos populistas

O termo "populista" esteve em todo o lado em 2016, mas é crucial saber do que estamos a falar. Entrevistámos Jan-Werner Müller, autor de uma das obras obrigatórias do ano: "What is populism?".

Ouvimos muito falar de populismo em 2016, mas nem sempre parámos para pensar no significado exato do termo — um dos mais controversos e escorregadios da ciência política. Faz sentido dizer que os proponentes do Brexit, vencedores do referendo de junho, são populistas? Ou que fizeram uma campanha populista? E porque é que podemos dizer que Donald Trump é um populista e Bernie Sanders não (ou sim)? E até que ponto deixou Trump de agir como um populista no discurso de vitória? O populismo está a crescer em Portugal e nos outros países do Sul da Europa? E porque é que o populismo é uma “ameaça” à democracia na Europa?

Para falar sobre todas estas questões, à entrada de um ano em que forças chamadas de populistas (como Le Pen em França e o Movimento Cinco Estrelas em Itália) vão ter grande protagonismo, entrevistámos por Skype, a partir de Viena de Áustria, Jan-Werner Müller. O Professor de Ciência Política da Universidade de Princeton, nos EUA, é autor do livro What is populism?, uma obra que se tornou obrigatória depois dos acontecimentos recentes. E avisa que os cidadãos “liberais” estão a ter uma resposta “ingénua” à subida das forças populistas.

Em 2016, tivemos acontecimentos marcantes como o Brexit e a vitória de Trump. Isso são evidências de que há uma vaga de populismo, na definição que o Professor o define no seu livro, que está a ameaçar as democracias ocidentais?
É claro que pessoas como Nigel Farage têm um grande interesse em promover uma imagem de que existe um tsunami que está a alastrar-se em todo o Ocidente. Mas esta imagem é, em larga medida, enganadora, porque Nigel Farage não provocou o Brexit sozinho, ainda que provavelmente goste de pensar isso. Nem Donald Trump venceu concorrendo por um partido populista e independente. Estes dois atores, que, sim, protagonizaram grandes mudanças em 2016, só o fizeram porque se apoiaram em plataformas enraizadas de elites que representam o establishment.

Refere-se ao Partido Republicano, por exemplo, no caso dos EUA?
Nigel Farage precisou do seu Boris Johnson e, talvez ainda mais, do seu Michael Gove (porque Boris Johnson também era visto como uma figura algo excêntrica, ao passo que o ex-secretário de Estado Gove era visto com um intelectual sério). No caso de Trump, tenho a certeza de que ele não teria tido sucesso sem a bênção de republicanos como Newt Gingrich, Chris Christie e Rudy Giuliani. Portanto, o que explica sobretudo o resultado nos EUA, acima de tudo, foi que as pessoas que se identificam como republicanas votaram em Trump — 90%, estima-se — e muitos não teriam votado em Donald Trump se ele não fosse o candidato de um partido tradicional, do suposto establishment. Portanto, é importante pensar o populismo não em isolamento, como algumas pessoas fazem, e assumir que movimentos populistas com características diferentes, como Le Pen em França e a AfD na Alemanha, vão ter o mesmo tipo de sucesso.

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Trump concorreu pelo Partido Republicano e teve sucesso. Do lado democrata, Bernie Sanders também se apresentou como um candidato fora do tradicional. O sucesso de um e de outro pode ser interpretado como tendo origem na mesma luta contra o establishment?
Julgo que Bernie Sanders não é um populista. Pode-se discordar das políticas que ele defende, mas não é um populista. Talvez seja na definição de populismo que havia no final do século XIX, isto é, um movimento vindo das bases, de desafio das elites, talvez aí possa ser considerado um populista. Mas na minha definição do termo ele não é um populista, de modo algum. A minha proposta é que para se considerar alguém um populista é fundamental que essa pessoa se tente afirmar como o único representante legítimo daquilo que os populistas costumam chamar de “povo comum” ou de “maioria silenciosa”. O populista não pode ser identificado por posições específicas, programáticos ou políticos. Se me disser qual é a sua posição pessoal sobre imigração eu não posso automaticamente rotulá-lo como populista, ou deixar de o fazer.

É importante pensar o populismo não em isolamento, como algumas pessoas fazem, e assumir que movimentos populistas com características diferentes, como Le Pen em França e a AfD na Alemanha, vão ter o mesmo tipo de sucesso que tiveram Donald Trump ou os defensores do Brexit.
Jan-Werner Müller, Professor de Ciência Política da Universidade de Princeton

Qual é, então, a sua definição de populista e que populistas existem nos dias de hoje?
A minha teoria é que o populista vai sempre falar de questões específicas mas — um elemento crucial — também vai dizer que ele pensa assim e que o “verdadeiro povo” pensa assim. “Eu defendo aquilo que as pessoas reais querem”, “eu defendo aquilo que a maioria silenciosa defende”, “eu sou a voz do povo”. Isto são exemplos de coisas que um populista diz. E, depois, há dois elementos que surgem e que, no fundo, são ameaças à democracia e ao pluralismo. Número 1: o populista vai sempre declarar todos os outros concorrentes como ilegítimos. Logo de imediato, o populista leva a disputa para o nível pessoal, mais do que temático. A coisa transforma-se, logo, num disputa de carácter. Donald Trump revelou ser um exemplo extremo disto. Número 2: o populista também vai dizer que, entre as pessoas e os eleitores, quem não apoiar a sua visão daquilo que é suposto ser o povo real, os cidadãos comuns, todas essas pessoas irão ver posta em causa a sua pertença a essa classe do “cidadão comum”.

No Reino Unido, no referendo do Brexit, esses elementos verificaram-se?
Na noite do referendo, Nigel Farage afirmou que a votação tinha sido uma vitória para “o povo”. Ou seja, podemos inferir que os 48% que votaram pela permanência na UE… bem, não são exatamente pessoas “povo”. Donald Trump fez alegações semelhantes. O que, a propósito, deve fazer-nos pensar nas respostas ingénuas por parte dos liberais a alguma da retórica pós-eleitoral de Trump. Trump fez um discurso aparentemente conciliatório, logo a seguir à vitória. Esse discurso foi interpretado, de forma naif, como uma oferta de reconciliação e um pedido de tolerância e união. Mas não é assim, porque o populista fala de união a toda a hora, toda a gente fala em união, Viktor Órban na Hungria diz que quer unificar a nação. Mas é sempre uma unificação nos seus termos. Eles definem os termos em torno dos quais as pessoas se devem unir. E se você não quiser unir-se nos seus termos, será moral e politicamente excluído. Para o populista, a unificação não significa a aceitação da diversidade e do pluralismo político.

Mas porquê em 2016/2017? Porque é que é agora que estamos a ver a ascensão destes movimentos populistas em várias partes do mundo desenvolvido?
Deixe-me só dar duas notas. A primeira das quais, admito, é pouco excitante do ponto de vista jornalístico mas acredito que é importante. É o seguinte: ainda que pareça que temos um fenómeno semelhante em vários países, isso não significa que em todos os países as causas sejam as mesmas. Temos de manter alguma sensibilidade aos contextos nacionais diferentes. As razões que explicam a ascensão de Marine Le Pen em França não são, necessariamente, as mesmas que explicam a vitória de Trump nos EUA.

E a segunda nota, que considera mais entusiasmante do ponto de vista jornalístico, qual é?
A segunda nota é que, sim, existe, de facto, um contexto subjacente que é importante. Mas não é tão simples como, por vezes, se faz crer quando se fala dos “perdedores da globalização” e de outros conceitos similares. Até porque os dados empíricos não suportam a sugestão de que são as pessoas com mais dificuldades económicas que votam nos populistas. Pelo contrário. O que existe, no mundo de hoje, é um confronto entre aqueles que querem mais abertura (internamente e na relação com o exterior) e aqueles que querem mais fechamento. Este é um confronto em que os populistas podem declarar: “eu tenho a resposta”. E que resposta é essa? É o populista que vai dizer quem é que deve ser excluído e quem é que deve ser incluído.

O discurso de vitória de Trump foi interpretado, de forma ingénua e "naif", como uma oferta de reconciliação e um pedido de tolerância e união. Mas não é assim, porque o populista fala de união a toda a hora, toda a gente fala em união, Viktor Órban na Hungria diz que quer unificar a nação. Mas é sempre uma unificação nos seus termos. Eles definem os termos em torno dos quais as pessoas se devem unir. E se você não quiser unir-se nos seus termos, será moral e politicamente excluído.
Jan-Werner Müller, Professor de Ciência Política da Universidade de Princeton

Falámos há pouco no conceito de antiestablishment, isto é, a rejeição dos poderes instalados, numa definição lata. Qual é a ligação entre populismo e o antiestablishment, se é que há alguma?
No meu conceito de populismo, não estamos necessariamente a falar de alguém que é contra o establishment, porque diria que é bom ser crítico em relação aos poderes instalados e aos poderosos. Para se considerar um populista tem de existir essa componente de chamar a si mesmo (e só a si) uma representação moral do cidadão comum, seja lá o que isso for. Criticar o establishment pode ser ingénuo, pode ser criticável a vários níveis, mas não é perigoso para a democracia como o populismo é. Mas percebo a sua pergunta e julgo que tem a ver com a ideia que existe de que qualquer pessoa que é anti-establishment pode considerar-se um populista.

Não pode?
É por isso que Sanders não é um populista, na minha opinião. Porque não teve um discurso a afirmar-se como o único representante moral do cidadão comum. Por isso é que Sanders não é simétrico de Trump. E por isso é que o Podemos em Espanha, goste-se ou não das políticas que defende, não é um partido populista como é a Frente Nacional de Marine Le Pen.

É uma questão de esquerda e direita ou não faz sentido falar em esquerda e direita neste debate?
Não estou a dizer que não pode haver populistas de esquerda, sabemos que há. Chávez era o exemplo claro de um populista de esquerda. A certa altura tornou-se impossível discordar de Chávez sem ser considerado um “inimigo do povo”. Ele era tão anti-pluralismo como muitas das pessoas que mencionei. A minha definição de populismo opera a um nível diferente. Lemos todos os dias jornais que existe, no mundo todo, um levantamento das “pessoas” contra o establishment. Não acho que isto é uma descrição correta do que se passa. Aliás, acho mesmo que dizer isso já é ceder, um pouco, à narrativa que os populistas querem instalar. Porque não sabemos aquilo que “as pessoas” querem e pensam. “As pessoas” estão divididas, como vimos no Reino Unido, nos EUA etc.

Como é que os cidadãos ditos progressistas e liberais devem responder ao populismo?
Nós, liberais [na aceção norte-americana do termo], a resposta que estamos a ter é errada. A nossa reação é dizer que não se deve acreditar numa palavra do que os populistas nos dizem. Dizemos que eles são demagogos. Dizemos que as suas ideias políticas são simplistas e erróneas. Contudo, quando eles nos contam uma história sobre a razão porque estão a subir, nós aceitamo-la, de imediato, ingenuamente. Eles dizem-nos que é por causa da globalização e nós acreditamos. Não fazemos aquilo que fazemos sempre que é questionar o que eles dizem. A realidade é que as condições em que os populistas têm sucesso são muito heterogéneas. Nunca devemos reduzir todos os eleitores num dado partido a uma única motivação económica ou a uma única inquietação social. Contudo, a dicotomia e o conflito entre abertura e fechamento, que falámos antes, explica muita coisa.

No meu conceito de populismo, não estamos necessariamente a falar de alguém que é contra o establishment – é bom ser crítico em relação aos poderes instalados e aos poderosos. Para se considerar alguém um populista ele tem de chamar a si uma representação moral do cidadão comum, seja lá o que isso for. Criticar o establishment pode ser ingénuo, pode ser criticável a vários níveis, mas não é perigoso para a democracia como o populismo é.
Jan-Werner Müller, Professor de Ciência Política da Universidade de Princeton

Os referendos têm sido usados como uma arma dos populistas?
Um referendo pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Mas para um populista, um referendo significa uma coisa muito simples: validação. O populista advoga sempre que já conhece aquilo que é o pensamento das pessoas. Portanto o referendo serve apenas para confirmar aquilo que nós já sabemos que as pessoas pensam. Não se trata de abrir um processo aberto de deliberação, em que se debatem argumentos, se descobre o que as pessoas pensam, isso pode ser o bom uso do referendo. Mas para um populista não, porque o populista já sabe a resposta. E se, depois, as pessoas “estranhamente” não confirmam aquilo que o populista acredita que é a opinião da maioria das pessoas, o populista vai renegar o resultado do referendo.

Que exemplos encontra disso, na História recente?
Na Hungira, Viktor Órban teve um referendo em outubro, como se recorda, sobre se a Europa deveria ter o poder de decidir sobre o acolhimento de refugiados no país. Foi assim que foi construída a pergunta. 98% dos votantes concordou com Órban mas o referendo não foi válido porque votaram menos de 50% das pessoas. E será que Órban aceitou este resultado? Claro que não. Disse que “98% das pessoas votaram como eu queria e aqueles que ficaram em casa, a ‘maioria silenciosa’, também concordam com o governo”. Mas não era bem assim, porque boa parte das pessoas terá faltado ao referendo porque a oposição lhes pediu para não votar porque o referendo era ilegal e a melhor forma de o combater era torná-lo inválido por participação insuficiente. Com os defensores do Brexit é a mesma coisa — primeiro dizem que o parlamento inglês é soberano mas agora não querem que o parlamento se pronuncie sobre o Brexit.

Quando as coisas não estão a correr bem, ou quando parecem não estar a correr bem, o que se faz? Diz-se que “o sistema está viciado”, como Trump dizia quando as sondagens apontavam para uma derrota pesada do republicano?
Exato. Perder eleições ou referendos cria um problema lógico para o populista porque, por um lado, diz que só ele representa o povo e, depois, não se consegue a votação correspondente. É por isso que uma das armas do populista é usar teorias da conspiração. Dizem coisas como: as elites estão a controlar os acontecimentos e bastaria a “maioria silenciosa” ter falado e o populista já estaria no poder. No caso de Chavez, eram os EUA que estavam a interferir. Há sempre alguém ou alguma coisa que está viciada.

A solução, claro, não é impedi-los de dizer essas coisas.
Não, não se pode impedi-los de falar, apenas podemos ter esperança de que os cidadãos podem ser convencidos dos contra-argumentos.

Tivemos os leavers no Reino Unido a agir de forma populista, na sua visão. Temos, também, Le Pen a querer um referendo à União Europeia. Em Portugal e noutros países do Sul da Europa também há quem queira referendar a pertença à UE e ao euro, nomeadamente em Portugal. Defender isso pode ser uma manifestação de populismo?
Não quero comentar a situação portuguesa em detalhe porque não conheço bem. Mas, de um ponto de vista geral, o que digo é que a questão essencial não está ligada a posições programáticas. A questão é: são eles anti-pluralistas?

E que diagnóstico faz?
No Sul da Europa, julgo que algo a destacar é que nos últimos anos se mostrou ser possível quebrar duopólios entre centro-direita e centro-esquerda e, eventualmente, representar melhor os conflitos que realmente existem nas sociedades. Um exemplo: o Podemos espanhol diz, agora, que já não é um partido de protesto mas, sim, um partido que representa efetivamente uma grande quantidade de pessoas, incluindo algumas que estavam desligadas da política. O mesmo se passa com o Ciudadanos, com algumas diferenças. Ou seja, num primeiro momento, um partido pode ser rotulado de anti-establishment mas se estes partidos conseguirem, com sucesso, representar partes da população e jogar de acordo com as regras associadas a uma democracia minimamente funcional, não estamos a falar de uma crise de representação mas, sim, do oposto.

Isso é algo positivo, portanto, na sua leitura, certo?
Temos tendência para esquecer que não há muito tempo na História europeia, muitas pessoas desligadas da política poderiam, em vez de formar partidos, ir para as praças e possivelmente poderiam pegar em armas. Na década de 70, numa mesma situação que a vivida na Europa nos últimos anos teria sido possível que as pessoas começassem, em vez de formar partidos anti-austeridade, a achar que era boa ideia começar a assassinar representantes da troika. O facto de estarem a acontecer coisas diferentes é algo muito positivo. Portanto, quando se pede um referendo à União Europeia, eu pessoalmente não gostaria que isso acontecesse mas não diria que, em si, é algo populista ou ilegítimo. A questão é saber se, caso as pessoas mostrem que não querem sair, se os proponentes aceitam que se calhar a maioria das pessoas não quer sair.

Mas, no Sul da Europa, onde as dificuldades económicas são maiores, vê ou antecipa um crescimento do populismo?
Corrija-me se estiver errado, porque o meu conhecimento não é muito aprofundado, mas não vejo instâncias de populismo a emergir em países como Espanha, Irlanda e Portugal. Não estou a dizer que na Grécia, por exemplo, não houve pessoas do Syriza que falavam como populistas — acho que isso é inegável. E, em Itália, temos uma figura como Beppe Grillo que oscila entre o populismo e uma forma mais aceitável, na minha opinião, de crítica aos poderes instalados. Não é populista dizer que, em Espanha, por exemplo, o PP e o PSOE eram corruptos. Eles eram corruptos. Portanto não vejo uma linha direta entre dificuldades económicas, austeridade e populismo. É claro que pode ser um gatilho, mas há muitas outras variáveis culturais que entram em jogo.

Não há muito tempo na História europeia, muitas pessoas desligadas da política poderiam, em vez de formar partidos, ir para as praças e pegar em armas. Na década de 70, numa mesma situação que a vivida na Europa nos últimos anos teria sido possível que as pessoas começassem, em vez de formar partidos anti-austeridade, a achar que era boa ideia começar a assassinar representantes da troika.
Jan-Werner Müller, Professor de Ciência Política da Universidade de Princeton

E quando um populista chega ao poder? Numa palestra que deu em Amesterdão recentemente ouvi-o dizer que uma característica do líder populista, no governo, tende a distribuir benesses junto de clientelas — e fazê-lo absolutamente às claras.
Só porque se envereda pelo clientelismo isso não quer dizer que estejamos a falar de populismo. Muitas correntes políticas acabam por recompensar os seus apoiantes. Isso é normal em muitas democracias. O que distingue o populista é que ao distribuir benesses justifica-o dizendo que está a distribuir benesses às pessoas reais, como se vê na Hungria e, um pouco, também, na Turquia – e, agora, também, na Polónia. Mas, como dizia, não é só uma questão de satisfazer as suas clientelas — o populista distribui as benesses às claras e justificando isso com uma ideia de um projeto de sociedade em que prevalecem as pessoas em cujo nome eles dizem que sempre falaram.

Donald Trump dizia, num comício em julho: “eu sou a vossa voz”…
Sim, e lembre-se dos exemplos de Órban na Hungria e Chávez na Venezuela: o que os distinguiu é que eles tentaram, de certo modo, criar uma nova classe média — o que faz todo o sentido do ponto de vista da retenção do poder mas, também, existe um poder simbólico em que se impõe um modo de vida (na Hungria é ter muitos filhos, ir à missa, ter uma certa imagem de bom cidadão) tendo sempre como referência uma imagem moral do que é o cidadão verdadeiro.

Nessa palestra em Amesterdão, lembrava, também, uma citação do ex-presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, que dizia que o populismo era a maior ameaça na democracia na Europa. É assim?
Acho que o populismo é uma ameaça real à democracia porque questiona as bases do sistema, destrói a confiança na democracia. Isso não quer dizer que se um partido populista, de hoje para amanhã, se juntar a um governo como apoiante minoritário de uma coligação ou de uma solução governativa, não acredito que devemos achar que vem aí o fim da democracia. Mas se tiverem maiorias suficientes e os contra-pesos como os Tribunais Constitucionais e a imprensa livre não forem fortes (como se vê na Hungria e na Turquia), então aí podemos admitir que vêm aí sarilhos a sério. Não devemos ser ingénuos e pensar que os populistas não sabem governar e que irão sempre destruir-se a si próprios porque as suas ideias são estúpidas e simplistas. Não, de modo algum.

Mas, voltando à citação de Herman van Rompuy, sabendo que o populismo critica as “elites” e não se pode ser mais “elite” do que o ex-presidente do Conselho Europeu, que efeito sobre as pessoas tem dizer que o populismo é a maior ameaça?
O perigo é real mas, na citação de Herman van Rompuy, o que eu critico nessa citação é que estavam a ser incluídas demasiadas pessoas no seu raciocínio. Ele estava a dizer algo como “oh, há uma série de pessoas que estão a desafiar a integração europeia e elas são uma ameaça”. Na minha opinião, pode-se ter ótimas razões para não gostar das políticas do Syriza, mas é errado dizer que eles são contra a Europa (como Le Pen é, claramente, contra a UE). O problema com declarações como estas, de Van Rompuy, é que se corremos o risco de soar a paternalismo e, portanto, estamos a ajudar os populistas. Seria um erro se certas elites se tornarem demasiado defensivas nesta fase.

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(O livro, publicado em setembro, pode ser adquirido, em inglês, no site da University of Pennsylvania Press ou em alternativas como a britânica Amazon.)

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