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No debate quinzenal desta quarta-feira, entre acusações e contra-acusações, ficaram dúvidas. O Observador foi tentar esclarecer três desses equívocos para perceber quem tinha razão. Primeiro, António Costa fez o PS recuar em relação às indemizações às vítimas e entrou em contradição com o líder parlamentar Carlos César, como acusou o PSD? Vamos ver. O CDS tinha razão quando acusou o Governo de reduzir os meios de combate aos fogos este outono? Veja a resposta tortuosa de António Costa. E Assunção Cristas, como o Bloco de Esquerda acusa, foi mesmo a liberalizadora do eucalipto como ministra da Agricultura? O resultado está no fim de cada texto.
Governo recuou nas indemnizações rápidas às vítimas?
O líder parlamentar do PSD acusou António Costa, no debate quinzenal, de desautorizar Carlos César e de recuar ao criar um mecanismo mais rápido para indemnizar as vítimas mortais. Está Costa a fazer o que o PSD pede há meses?
A frase
“Ouvi ontem o seu líder parlamentar [Carlos César], esqueceu-se de lhe dar a indicação, a dizer que chumbaria a nossa iniciativa de mecanismo extrajudicial para ajudar as pessoas que mais precisavam. Porque era primeiro era preciso o Estado e os tribunais dizerem de quem era a responsabilidade.”
Hugo Soares, líder parlamentar do PSD
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, tentou explorar o facto de António Costa estar a contradizer o que disse Carlos César na terça-feira, 17, à saída da conferência de líderes. Para o deputado social-democrata, PS e Governo estão a recuar em toda a linha ao propor a aceleração do que o PSD tem defendido.
Depois de recordar que, na sexta-feira, os socialistas “votaram contra esse mecanismo extrajudicial” para indemnizar as vítimas dos fogos, Hugo Soares voltou à carga no debate quinzenal com aquilo que classificou de “desautorização” do líder do Governo ao líder da bancada do PS. Lembrou que “ouviu” na terça-feira Carlos César a dizer que chumbaria esse mecanismo, ao contrário do que defendeu esta quarta-feira António Costa.
Quais são os factos?
O líder parlamentar do PSD acusa o PS e o Governo de recuarem nesta matéria. Desde logo, Hugo Soares começa por dizer que “foi na sexta-feira, ainda na sexta-feira, os senhores votaram contra esse mecanismo extrajudicial, com que o senhor agora enche a boca para dizer que vai fazer para recuperar a vida das pessoas”.
O primeiro-ministro consegue, num primeiro momento, fugir diretamente à acusação, fazendo uma divisão entre indemnizações e apoio (no sentido de intervenção rápida, mais imediato). “É preciso não confundir as indemnizações devidas por danos e os apoios de mecanismos às famílias, empresas e às pessoas”, disse o primeiro-ministro, garantindo que o apoio começou logo “no dia 18 de junho em Pedrógão Grande” quando ele e outros membros do Governo reuniram com autarcas da zona.
Mas Hugo Soares insistiu: “Não levo lições suas sobre como ajudar as pessoas. Ouvi ontem o seu líder parlamentar [Carlos César], esqueceu-se de lhe dar a indicação, a dizer que chumbaria a nossa iniciativa de mecanismo extrajudicial para ajudar as pessoas que mais precisavam. Porque era primeiro era preciso o Estado e os tribunais dizerem de quem era a responsabilidade. O senhor primeiro-ministro acaba de o desautorizar hoje. Porque dava-lhe jeito vir ao Parlamento fazer esse número”. Voltava, assim, mais uma vez à acusação de recuo do Governo. Com um propósito político: mostrar a inação do Governo, a lentidão na gestão do processo e em cuidar dos familiares das vítimas.
Costa não admitiu diretamente o recuo. O primeiro-ministro lembrou no debate quinzenal que o Parlamento tem “já para votação final global um diploma que resultou das várias iniciativas legislativas e que visa, precisamente, criar um mecanismo extrajudicial de reparação (entretanto, alguém o corrige num aparte parlamentar). Já foi aprovado? Muito bem.” Mas, continuou: “O que hoje foi dito à Associação de Famílias das Vítimas é que, relativamente às vítimas mortais, estamos disponíveis para acrescentar um mecanismo que permita agilizar toda a assunção dessas responsabilidades“. Pouco depois, em resposta a Jerónimo de Sousa, António Costa voltou a reiterar que o que propôs esta quarta-feira à associação foi um “mecanismo complementar relativamente às vítimas mortais, que permitisse ter um tratamento mais célere e mais diferenciado.”
Para analisar se houve recuo do PS e do Governo é preciso puxar a fita atrás. Logo a 4 de julho, o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, anunciou que o partido ia procurar apoios no Parlamento para avançar com indemnizações rápidas às famílias. “Não há nenhuma razão para as pessoas ficarem à espera das conclusões dos relatórios e saber se o Estado tem ou não a ver com a concessionária que gere aquelas estradas, não temos de obrigar as pessoas e as famílias a passar por esse calvário”, defendeu então Passos Coelho.
Pedrógão Grande. PSD vai procurar apoio para avançar com indemnizações rápidas
Surgiu então uma estranha coligação: PSD e CDS uniram-se ao PCP para legislar neste sentido. A 1 de agosto, juntou-se ainda o Bloco de Esquerda. Era uma espécie de todos contra o PS. Mas o diploma não visava apenas as vítimas mortais, pois considerava “vítimas dos incêndios as pessoas que tenham sido direta ou indiretamente afetadas na sua saúde, física ou mental, nos seus rendimentos ou no seu património”. O mesmo diploma pedia “mecanismos céleres de identificação das perdas e de indemnização às vítimas dos incêndios”. E até tinha um prazo: seis meses.
Meteram-se as férias pelo meio, o Parlamento reabriu os trabalhos e, na sexta-feira, 12 de outubro, o PS propôs alterações ao documento que a esquerda aceitou. O PSD ficou furioso, denunciando, através do vice-presidente da bancada Carlos Abreu Amorim, “um boicote parlamentar do PS a que os partidos de extrema-esquerda aderiram.” Para o PSD — colocando como condição a prova de que há responsabilidade do Estado — iriam ser “aplicadas às vítimas” as regras normais das indemnizações o que faria com que passassem “anos e anos até que fossem indemnizadas.”
No fim-de-semana, o Presidente da República entrava na batalha jurídica, ainda antes de nova tragédia e na sequência do relatório de Pedrógão. Marcelo Rebelo de Sousa fazia um “convite” à “rigorosa avaliação dos contornos jurídicos do sucedido, também à luz do conteúdo do relatório, quanto ao enquadramento de atuações e omissões no conceito de culpa funcional ou funcionamento anómalo ainda que não personalizado.” E acrescentava, sugerindo celeridade: “Como sabemos, pressuposto de efetivação de responsabilidade civil da Administração Pública, Portugal tem o dever de proceder a tal avaliação e de forma rápida, atendendo à dimensão excecional dos danos pessoais, a começar no maior e mais pungente deles que é a perda de tantas vidas.”
Depois de nova tragédia (já vai em 42 mortos), na terça-feira, o PSD anunciou na conferência de líderes que ia dar entrada com nova proposta legislativa para indemnizações mais rápidas para as vítimas dos incêndios (quer de Pedrógão, quer de todos os incêndios, incluindo os do último fim-de-semana). Os sociais-democratas insistiam que as indemnizações fossem mais céleres e que não dependessem de provar a responsabilidade do Estado em tribunal. Esse carácter de urgência não era, porém, apoiado pela maioria dos partidos com assento parlamentar. E continuou a não ser. Mesmo após a palavra do Presidente e de o próprio António Costa, na segunda-feira, ter falado na hipótese de um “mecanismo ágil no sentido de que o Estado assuma as responsabilidades que deva assumir”.
Na conferência de líderes, o CDS anunciou que acompanhava a iniciativa do PSD, mas Carlos César, líder parlamentar do PS, disse que o partido mantinha a posição. À saída da reunião explicou melhor: “Não dissemos que indemnizações não devam ser atribuídas, mas que elas não devem ter um procedimento automático. Por isso a criação de uma comissão de avaliação é indispensável“. Mas só esta quarta-feira, após falar com as famílias das vítimas (Costa disse que “era a elas a quem primeiro tinha de comunicar”) é que o primeiro-ministro admitiu criar um mecanismo “complementar” mais rápido para as famílias das vítimas mortais.
A conclusão
Ainda que seja apenas dirigido a vítimas mortais, a garantia de Costa aproxima-se mais daquilo que o PSD tem sempre defendido (quer para Pedrógão, quer para as vítimas do último fim-de-semana) do que da bancada do PS. A atitude dos socialistas até agora era: provar primeiro a responsabilidade do Estado e só depois pagar às vítimas. Agora, Costa decidiu criar um “mecanismo complementar” para as vítimas mortais para que tudo seja mais rápido, dando razão ao PSD, que sempre defendeu que neste caso não se deviam seguir os trâmites normais (em tribunais, com hipótese de prolongar o processo em sucessivos recursos).
Assim, António Costa recua face ao que tem defendido desde julho. E contradiz, como disse Hugo Soares, o que Carlos César tinha dito um dia antes à saída da conferência de líderes.
Houve redução de meios de combate antes dos incêndios deste fim de semana?
Assunção Cristas acusou António Costa de “incúria” depois de o Governo ter permitido, apesar dos avisos, a redução de meios de combate ao incêndio no final de setembro. A líder do CDS terá razão?
A frase
“O senhor primeiro-ministro falhou redondamente. Os operacionais e os meios que estavam à disposição eram em menor número [antes deste fim de semana] do que em maio.”
Assunção Cristas, líder do CDS, no debate quinzenal
No debate quinzenal desta quarta-feira, Assunção Cristas acusou António Costa de não ter feito tudo ao seu alcance para evitar a catástrofe que se abateu sobre as zonas norte e centro do país, não acautelando o número necessário de operacionais e meios aéreos disponíveis para o combate aos incêndios. Isto, apesar dos alertas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para a severidade das condições meteorológicas que se iam fazer sentir naquele período. A líder do CDS questionou mesmo a decisão de reduzir os meios à disposição e isto mesmo perante todos os alertas.
O que está em causa?
À medida que foi sendo conhecida a verdadeira dimensão da calamidade que atingiu vários distritos a norte do Tejo, os olhares viraram-se todos para os meios que a Proteção Civil tinha ao dispor para enfrentar os incêndios que devastavam metade do país. Essa discussão, aliás, tinha começado antes mesmo dos incêndios deste fim de semana quando a oposição política, autarcas, bombeiros e responsáveis do IPMA pressionaram o Governo a tomar medidas de prevenção para que a tragédia de Pedrógão Grande não se repetisse.
Aliás, essas foram algumas das conclusões da comissão técnica independente nomeada pela Assembleia da República para analisar os incêndios de junho: a não antecipação da Fase Charlie, a mais crítica de combate aos incêndios, apesar de todos os avisos para as condições meteorológicas extremas que se iam fazer sentir naquele período, e o não pré-posicionamento dos meios necessários contribuíram para o mau ataque inicial ao fogo.
Ora, a Fase Charlie terminou oficialmente a 1 de outubro e resultou na redução do número de operacionais e meios à disposição e no encerramento dos 236 postos de vigia, dos quais apenas 72 seriam reabertos para enfrentar este novo período crítico — mais uma vez, por pressão de autarcas e oposição política.
Essa redução de meios foi questionada, inclusivamente, por membros da comissão independente que estudou Pedrógão Grande. “A Autoridade Nacional de Proteção Civil deveria estar mais atenta e fazer planeamento tendo em conta esta informação [do IPMA]. Não pode ficar no comando de Carnaxide nem nos distritais, tem de chegar ao local. Bastava ver as imagens de satélite, era bastante claro”, notou Paulo Fernandes, um dos 12 peritos que participou na elaboração do relatório, em declarações ao Expresso.
Segundo este especialista, a faixa ocidental do país mostrava logo na sexta-feira valores de risco de incêndio muito elevados, num “contexto metereológico mais grave do que o de Pedrógão Grande”. A Proteção Civil, defendeu o especialista, devia “tomar atitude em consequência” — algo que não terá feito.
E foi esse argumento que Assunção Cristas agora repescou.
É normal ter passado todo o tempo a dizer que a severidade do clima poderia repetir-se e depois não acautelar a extensão de meios? Mais: ter deixado que se reduzissem 29 meios aéreos? Não, não é normal. É irresponsabilidade. (…) É normal que não se tenha garantido, em especial para este fim de semana, os meios quando todos os avisos meteorológicos apontavam para risco máximo. Não é normal. É, no mínimo, incúria.”O primeiro-ministro tentou rebater as acusações de Assunção Cristas, argumentado que, de facto, houvera um reforço desse mesmo número de meios à disposição.
Respondeu António Costa: “Ainda na terça-feira, perante as indicações de risco, foram reforçados os meios humanos em mais de mil operacionais, e prolongados os contratos dos meios aéreos que ainda estavam disponíveis. Na sexta-feira, foi feito um aviso operacional por parte da Autoridade Nacional de Proteção Civil de alerta vermelho em todo o país que reforçou pré-posicionamento dos meios e que relembrou que estava proibidas iniciativas como queimadas e outras.”
Quais são os factos?
Quantos meios estavam ao serviço durante os incêndios de Pedrógão Grande, a 17 de junho? Com a Fase Bravo em curso, estavam mobilizados 6.607 operacionais, 1.514 viaturas, 32 meios aéreos e 72 postos de vigia.
Seguiu-se a Fase Charlie. De 1 de julho a 30 de setembro, durante a fase mais crítica de combate aos incêndios, estavam mobilizados 9.740 operacionais e 2.065 viaturas, apoiados por 48 meios aéreos e 236 postos de vigia da responsabilidade da GNR.
Por fim, a Fase Delta. De 1 de outubro a 31 de outubro, passam a estar mobilizados 5.518 operacionais, 1.307 veículos e 22 meios aéreos. E isto apenas numa primeira só até dia 5 de outubro. De 5 a 15 de outubro, os meios aéreos descem para 18. A partir daí e até 31 de outubro, passam a estar disponíveis apenas 2 meios aéreos, estando previsto um reforço, se necessário, de até oito meios aéreos.
Ainda a 9 de outubro, o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, era claro: por esses dias, o combate aos incêndios dos últimos dias não tinha sido prejudicado com a redução de meios, que foi de 40% em relação à época mais crítica. “O corte dos meios não tem que ver com os incêndios que neste momento vemos”, afirmava o responsável. “É extremamente redutor dizer que não temos recursos, os recursos estão a trabalhar e estão a operar”, sustentaria.
Na terça-feira antes dos incêndios do fim de semana, tal como sublinhou António Costa, e perante os avisos do IPMA, o Governo ordenou o reforço de meios à disposição. O número de operacionais subiu para 6.400 operacionais. O que significa isto? Menos 3.330 do que na fase Charlie e mais 882 do que seria normal durante a Fase Delta.
Ao Observador, Patrícia Gaspar, porta-voz da Proteção Civil, explicou ainda que “houve pré-posicionamento de meios“, com “grupos de reforço em locais estratégicos em cinco bases de apoio logístico da Proteção Civil: Mangualde, Ponte de Lima, Vila Real, Chaves e a Albergaria, e três grupos do GIPS, em Vila Real, Viseu e Faro”.
Mas seria a mesma Patrícia Gaspar a admitir, em conferência de imprensa, que houve falta de meios. “No dia 15 de outubro tínhamos 18 meios aéreos, tivemos 524 ocorrências, número que não foi alcançado em nenhum dia do verão, momento em que tínhamos 48 meios aéreos. No dia 15, é óbvio que teria feito falta mais meios aéreos, mais meios aéreos teria sido uma vantagem importante”, disse a adjunta do comando nacional da ANPC.
Patrícia Gaspar diria mais: “teria sido benéfico possuir mais meios aéreos” a combater os incêndios no domingo e que a ANPC geriu “o melhor que podia” os meios disponíveis. E não estavam mais meios aéreos disponíveis porquê? Casos houve em que não foi possível prolongar as horas de voo em vários contratos de meios aéreos. E porquê? Por “razões administrativas”, admitiu a responsável.
Conclusão
António Costa tem um ponto válido quando diz que, perante os avisos do IPMA, foram reforçados os meios disponíveis durante a Fase Delta. Mas a frieza dos números é clara: durante o fim de semana, em relação ao período compreendido entre 1 de julho e 30 de setembro, havia menos 30 meios aéreos à disposição e menos 3.330 operacionais. Mais: quando a própria Proteção Civil reconhece que houve falta de meios aéreos, o esforço lembrado por António Costa acaba por ser relativizado. Os futuros inquéritos, a existirem, dirão se a falta de meios e o planeamento estratégico foram ou não responsáveis pela dimensão da tragédia. Mas Assunção Cristas tem razão: houve, de facto, redução de meios de setembro para outubro.
Assunção Cristas foi “responsável pela liberalização total da expansão do eucalipto”?
Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, disse no debate quinzenal que Assunção Cristas foi responsável pela “liberalização total da expansão do eucalipto”. Será mesmo assim?
“A moção de censura é apresentada por Assunção Cristas, ex-ministra dos eucaliptos, que teve a tutela da política florestal durante quatro anos. É chocante evocar responsabilidades dos outros a mesma deputada que, enquanto ministra, foi responsável pela liberalização total da expansão do eucalipto.”
Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda
O que está em causa?
A coordenadora do Bloco de Esquerda criticou a moção de censura ao Governo apresentada esta terça-feira pelo CDS na sequência dos trágicos incêndios de domingo, recordando que a moção foi apresentada “por Assunção Cristas, a ex-ministra dos eucaliptos, que pessoalmente teve a tutela da política florestal durante quatro anos”.
Catarina Martins considerou ainda ser “chocante que [Assunção Cristas] venha evocar as responsabilidades dos outros, a mesma deputada Assunção Cristas que, enquanto ministra, foi responsável pela liberalização total da expansão do eucalipto”.
Quais são os factos?
Até julho de 2013, o recurso ao eucalipto para ações de arborização e rearborização era fortemente condicionado pelo Decreto-Lei nº 175/88, um regulamento especial que sujeitava a utilização de eucaliptos e acácias, consideradas espécies de rápido crescimento, a autorizações governamentais prévias, impondo duras sanções para quem infringisse a lei.
Em 2013, a então ministra da Agricultura Assunção Cristas fez aprovar um novo Decreto-Lei (96/2013) que reverteu os diplomas anteriores referentes ao assunto, estabelecendo um novo regime jurídico para as ações de arborização e rearborização que acabou com a maioria das limitações que existiam relativamente ao eucalipto.
“Relativamente ao Decreto-Lei n.º 175/88, de 17 de maio, que estabelece o condicionamento da arborização com espécies florestais de rápido crescimento, e respetiva regulamentação, impõe-se a sua revogação na medida em que os seus objetivos ficam integralmente assegurados pelo presente decreto-lei e pelos regimes de planeamento florestal e de avaliação de impacte ambiental, que passam a enquadrar as autorizações de arborização e rearborização com todas as espécies florestais, incluindo o eucalipto, sejam ou não exploradas em regimes silvícolas intensivos e independentemente das áreas a ocupar”, lê-se na introdução do diploma.
A nova lei, que ficaria conhecida como lei da liberalização do eucalipto de Assunção Cristas, colocava o eucalipto ao mesmo nível das restantes espécies — mantendo algumas restrições que não mudam o sentido da lei, expressado no parágrafo citado. Na prática, a implementação de novas áreas florestais ou a reflorestação com qualquer espécie (incluindo o eucalipto) passou a estar sujeita a autorização governamental apenas em áreas superiores a dois hectares. Em terrenos de dimensão inferior, bastava uma comunicação prévia.
As novas regras tiveram um reflexo imediato. No início do ano seguinte, o jornal Público noticiava que nos primeiros três meses de aplicação da nova legislação, 92% do total de comunicações prévias e pedidos de autorização relativos a plantação de novas árvores foram de eucaliptos, face a 4% de pinheiro-manso e 4% de outras espécies.
Os números acentuavam ainda mais uma tendência já verificada nas últimas duas décadas. De acordo com o Inventário Florestal Nacional mais recente, relativo a 2013, mostra como entre 1995 e 2010 o eucalipto registou um crescimento de 13%, sendo atualmente a espécie mais frequente na floresta portuguesa — com 812 mil hectares, representa 26% da floresta nacional.
A medida, polémica, foi contestada por vários especialistas, que apontam o carácter altamente inflamável do eucalipto como um dos maiores problemas da expansão da área de eucaliptal no país. O problema acentuar-se-ia este ano com o trágico incêndio de Pedrógão Grande, onde vários hectares de eucaliptal arderam, permitindo a rápida propagação das chamas.
Um mês depois do incêndio de Pedrógão Grande, a comissão parlamentar de Agricultura aprovou uma proposta do Governo para alterar este regime jurídico das ações de arborização e rearborização, em vigor desde 2013. “Isto é o fim da lei da liberalização do eucalipto de Assunção Cristas”, afirmou na altura o deputado do Bloco de Esquerda Pedro Soares.
A conclusão
Catarina Martins tem razão quando diz que Assunção Cristas foi responsável pela introdução, em 2013, de uma política que facilitou a plantação de eucaliptos em Portugal, acabando com muitas das restrições existentes anteriormente relativas ao eucalipto. Contudo, não é correto afirmar que se trata de uma liberalização total, uma vez que para os casos de áreas superiores a dois hectares se mantêm algumas restrições relativas à área de eucaliptal — nomeadamente nas rearborizações em que outras espécies sejam substituídas por eucaliptos, por exemplo.