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José Faustino Faustinex

José Faustino Faustinex

Gabriel Roldão: "O Pinhal de Leiria já está morto há 12 anos"

Voltámos ao Pinhal de Leiria com o homem que em agosto avisou da possibilidade de uma catástrofe. Gabriel Roldão diz que dos quatro milhões que o Pinhal rende, só 6% são gastos ali.

No dia em que o Pinhal começou a arder, a 15 de outubro, Gabriel Roldão estava em São Pedro de Moel. Do jardim de casa via duas colunas de fumo, mas apurou, numa volta de carro que decidiu dar por aquelas bandas, que a mais próxima estava na Praia de Paredes de Vitória. Não se preocupou. No regresso a casa, na estrada com ligação à Tremelga, viu o início do fogo no Ponto do Facho: “Como já estavam lá bombeiros com água, fui embora para não estorvar. Mas quando virei na primeira à esquerda, que liga a Marinha Grande a São Pedro, estava a começar a arder ali à borda da estrada, a uns 50 ou 70 metros do cruzamento e com um diâmetro de para aí 80 metros“, explica ao Observador. Quando chegou a casa, o fumo branco pairava na Mata Nacional e Gabriel Roldão acreditou que os bombeiros estavam a conseguir apagar o fogo. Instantes depois “já havia fumo preto, já o fogo ia na casa do diabo“. Gabriel Roldão via perante os seus olhos aquilo que disse que viria a acontecer: o Pinhal de Leiria estava a morrer.

Veja aqui um vídeo feito por José Faustino que mostra o que aconteceu ao Pinhal de Leiria no último domingo.

O incêndio que matou o pulmão florestal de Leiria já tinha sido previsto há muito por Gabriel Ramos Roldão, estudioso e investigador da história da Marinha Grande, que acabou de lançar um livro com 748 páginas sobre a história do Pinhal de Leiria. Para ele, por detrás dos motivos que justificam o porquê de este incêndio ter acontecido, “está uma longa história”: “O que correu mal? É que o Ministério da Agricultura e Florestas, através do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), descapitalizou o Pinhal. Todos aqueles trabalhos de jardim que fazemos em nossa casa, de limpar a relva, cuidar das plantas, replantar flores, esses trabalhos básicos de renovação, restauro e replantação deixaram de ser feitos. O Pinhal é o mesmo, tem os mesmos hectares, e sabe quantos trabalhadores tem agora? 18. Antes tinha 700“.

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Gabriel Ramos Roldão fala amargurado ao Observador: a 29 de setembro de 2015 reuniu-se no Choupal, em Coimbra, com o vice-presidente do ICNF e, na companhia de duas testemunhas, entregou-lhe um documento onde listava “os 20 graves problemas do Pinhal de Leiria”. “Disse-lhe que o Pinhal de Leiria iria arder mais tarde ou mais cedo e que quando ardesse não sobrava nada”, recorda ele. Aos nossos olhos estava o veredito: Gabriel Roldão tinha razão.

"O Ministério da Agricultura e Florestas, através do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), descapitalizou o Pinhal. Esses trabalhos básicos de renovação, restauro e replantação deixaram de ser feitos. O Pinhal é o mesmo, tem os mesmos hectares, e sabe quantos trabalhadores tem agora? 18. Antes tinha 700."
Gabriel Roldão

Duas horas antes de falar com o Observador, Gabriel Roldão foi ao Pinhal. “Dei duas voltas ao pinhal. As bordas exteriores, que têm as árvores que compõem as zonas de proteção eólica, não arderam. As zonas próximas à ribanceira também não e os parques de merendas já estão tão pisados pelas pessoas que o fogo já não pega. O resto é uma paisagem de cadáveres, morreu tudo. E isso é inaceitável, principalmente quando o primeiro-ministro diz uma bacorada daquelas, que não tem varinhas mágicas”, condena o especialista ao Observador. Para ele, não é à ministra da Administração Interna que se deve apontar o dedo, mas sim ao ministro de Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, a quem Gabriel Roldão chama “senhor D. Dinis II”.

Pinhal de Leiria lucra 4 milhões de euros. Só 6% fica lá

Por detrás do incêndio que matou o Pinhal de Leiria, Gabriel Roldão encontra culpa “na política economicista que tudo o que faz desde há 12 anos é retirar a receita possível da madeira e da lenha e transformá-la no próprio orçamento do ICNF“. A Mata Nacional, que é a única rentável do país, está a meio gás e “não está a ser explorada na sua plenitude”: “Todas as receitas do Pinhal baixaram imenso, porque se deixou de vender madeira, que é usada para a construção civil e de móveis, e se começou a vender lenha, que é uma coisa diferente”, explica o investigador. Agora, em vez de alimentar a indústria dos móveis e da construção civil, os pinheiros bravos da Mata são usados para fazer lenhosa, que é tratada em Pombal e depois exportada para os países do norte da Europa, onde é usada nos aquecimentos centrais. Este processo garante uma receita de entre três e quatro milhões de euros, que é pouco para o potencial do Pinhal. E mesmo assim, conta Gabriel Roldão, apenas 6% é usado na própria Mata e somente para “pagar a uns quantos engenheiros e mangas de alpaca”. Os outros 3,76 milhões de euros lucrados com o Pinhal serão “usados pelo ICNF para sustentação de outras florestas“.

Este processo garante uma receita de entre três e quatro milhões de euros, que é pouco para o potencial do Pinhal. E mesmo assim, conta Gabriel Roldão, apenas 6% é usado na própria Mata e somente para "pagar a uns quantos engenheiros e mangas de alpacas". Os outros 3,76 milhões de euros lucrados com o Pinhal serão "usados pelo ICNF para sustentação de outras florestas".

Cheguei à conclusão de que o Pinhal de Leiria já está morto há 12 anos. A gestão foi abandonada”, afirma Gabriel Roldão. Não se investe na limpeza e ordenamento de território e não se protege o pulmão do país. “Chega-se até ao ridículo de dizer às pessoas que não se limpam as matas porque elas até fazem bem à saúde dos pinheiros. Quem o diz são as autoridades e as pessoas aceitam o que lhes dizem”, denuncia o especialista no espaço florestal leiriense. É assim há muito tempo, mas especialmente desde 2003. A 2 de agosto desse ano um grande incêndio consumiu 2.560 hectares de Pinhal por causa de um fogo posto por jovens que incendiaram pinhas e as atiraram para as árvores. “O fogo foi para norte e para sul e queimou uma zona grande junto ao mar a sul da Praia Vieira até por baixo do Ponto Novo“, explica Gabriel Roldão. Parte da área de proteção do Pinhal ficou reduzida a cinzas e deixada ao abandono: a vegetação desapareceu. Hoje, a areia que D. Afonso III queria travar nas dunas já cobre todo o solo numa extensão de mais de 500 metros. No resto, só há mato. Gabriel Roldão diz que esta vegetação é mais alta que os pinheiros que havia antes do incêndio de 2003.

Imagem da área que foi queimada no incêndio de 2003 em Leiria

Depois daquele fogo, pouco terá sido feito para cuidar do Pinhal de Leiria. Num documento preparado por um grupo de 23 pessoas entendidas em áreas florestais, em reuniões feitas na Fundação Caixa Agrícola em Leiria — do qual fazia parte Gabriel Roldão, Octávio Ferreira (responsável por planos de gestão florestal no litoral oeste) e outras personalidades da Marinha Grande –, é referido que 80% da zona de mata ardida há 14 anos está ao abandono, à mercê de um novo incêndio. “Isso constitui um desastre económico e ambiental. Não só há perigo de haver aqui um novo incêndio, como todos os anos se perdem milhares de euros deixando tantos hectares parados”, conta Gabriel Roldão ao Observador. E esse não era — nem é — o único problema da Mata Nacional: por cá, “ninguém limpa as matas, ninguém quer saber do património que está deixado ao abandono e em ruínas e ninguém liga às estradas esburacadas, tapadas ou intransitáveis” que serpenteiam o Pinhal. Na lista de problemas formulada pelos especialistas e entregue ao ICNF constam também a falta de trabalho de cultura no pinhal mais jovem, a destruição das dunas causada pelas motas, o facto de as árvores mais novas estarem a ser cortadas para alimentar a indústria, e a falta de conhecimento sobre o ordenamento do território.

80% da zona de mata ardida há 14 anos está ao abandono, à mercê de um novo incêndio. "Isso constitui um desastre económico e ambiental. Não só há perigo de haver aqui um novo incêndio, como todos os anos se perdem milhares de euros deixando tantos hectares parados", conta Gabriel Roldão ao Observador. 

Em declarações ao Região de Leiria, o ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural afirmou ter indicação de que a gestão do Pinhal de Leiria era a adequada e admite estar “aberto a encontrar novas formas de gestão que sejam mais eficazes, mais próximas e que permitam uma gestão mais profissional”. Capoulas Santos disse haver “restrições financeiras, de equipamentos e pessoais” e uma “enorme redução de meios” na Administração Pública. Mas não admite entregar o Pinhal aos cuidados da Câmara da Marinha Grande porque “o Estado já demonstrou que, sempre que assumiu funções de empresário, normalmente não foi muito bem sucedido”.

Guardas florestais no verão recebem um dia de formação

Gabriel Roldão fala de outro marco no “abandono” do Pinhal, quando em 2008 o governo de José Sócrates passou para a Guarda Nacional Republicana a gestão dos guardas florestais. Nesse ano, recorda Gabriel, a lei determinou que esses técnicos fossem retirados das casas de guarda. As suas funções, dizia o Governo de José Sócrates, seriam entregues a uma polícia florestal reforçada e melhorada.

O Observador conversou com uma das pessoas responsável pela vigilância da Mata Nacional. Bruno Santos tem 21 anos, estuda Programação de Sistemas de Informação no Instituto Politécnico de Leiria e desde o ano passado que é um dos civis que faz da vigilância da floresta um emprego de verão. Em 2016, a secção de Proteção Ambiental da GNR precisava de pessoas que vigiassem o Pinhal e Bruno “entrou à pressa”. Foi colocado na Ponta da Crastinha, um dos pontos de vigilância do pinhal, com mais três pessoas: um rapaz de 26 anos e mais dois “senhores mais velhos, que são mais experientes porque já fazem vigilância há alguns anos”. Antes de começar passou um dia na Batalha a receber formação: “Ensinaram-me a estudar o vento durante os incêndios, a ver as características do fogo e como é que ele se alastra nos vales”, conta Bruno.

Prestes a entrar em aulas, Bruno explicou ao Observador que que a torre de vigia está operacional durante três meses: julho, agosto e setembro. Trabalha-se oito horas e descansa-se 24, mas apenas até meados de setembro: “A partir daí nós temos férias para gozar e os turnos diminuem. Fica-se nas torres entre as oito da manhã e as oito da noite e não fica lá ninguém durante a noite, porque é menos provável haver incêndios”. Sempre que há fogo ou alguma atividade suspeita, Bruno tem de localizar a coluna de fumo e comunicar o que está a ver para a central através de um intercomunicador: “Há um monóculo que gira 360º no centro da torre. Eu vejo os graus a que a coluna de fumo ou essa atividade suspeita se encontra e informo da localização, da cor do fumo e de como as coisas vão evoluindo. Fico em constante comunicação com a GNR“. Todos os telefonemas são gravados. Mas não são os vigilantes que avisam os bombeiros e a polícia: é a GNR, depois de trabalhadores como Bruno a avisarem do que se passa. Todos os dias vê pelo menos dois incêndios a começarem. Mas nunca viu atividade suspeita.

Como era a “jóia cultural” da Marinha Grande

O Pinhal de Leiria era organizado num sistema de rotatividade. Os 300 talhões eram plantados à vez: “Uns quantos recebiam as sementes num ano, depois no ano seguinte eram outros e assim sucessivamente”, explica Gabriel Roldão, que conhece a história da Mata, com mais de 700 anos, como a palma da sua mão. Quando as árvores atingissem os 70 anos eram cortadas para a sua mandeira ser vendida e os talhões eram de novo replantados. Este sistema, criado pelo engenheiro, geógrafo e botânico Bernardino Gomes Barros no século XIX, era moroso mas dava frutos. A árvore era completamente arrancada e as raízes eram vendidas às fábricas de vidro, que as usavam como combustível. Depois “plantava-se à corda”: com uma corda esticada, com um homem de cada lado, um rancho de dez a doze mulheres deitava novas sementes ao chão e andavam sempre a direito para plantar novos pinheiros.

Isso era muito caro e trabalhoso, conta Gabriel Roldão no livro que acaba de lançar, por isso mudou-se de estratégia: “Cada vez que se abatia uma área de pinhal era proibido apanhar as pinhas que não estivessem abertas para que as sementes ficassem na terra. Elas ficavam lá durante uns meses e, mais tarde, um trator com uma gadanha circular com correntes agarrava-as e moía-as, soltando as sementes“. Por cada hectare, nasciam 250 mil árvores, que depois eram arrancadas até só sobrarem 400 ou 500.

Agora o processo voltou a mudar. De acordo com documentos públicos do ICNF, em vez de se replantar as árvores, faz-se a regeneração: o tronco não é completamente arrancado, as raízes são deixadas no chão, mas a árvore volta a crescer. De acordo com Gabriel Roldão, isso passou a acontecer porque as fábricas deixaram de precisar das raízes para criar energia: passaram a usar gás. Se fossem arrancadas, seriam mero desperdício e o processo tornar-se-ia ainda mais oneroso. No entanto isso levanta outro problema: a vegetação rasteira, mais inflamável do que os pinheiros em si, não é expulsa pelas raízes que se esticam enquanto crescem em busca de mais espaço. Como também não é eliminada, essa vegetação torna todo o espaço florestal mais vulnerável a incêndios.

Em Valado dos Frades, na década de 30, as mulheres com os cestos trabalham na exploração da Mata Nacional. Dois guardas florestais acompanhavam-nas para garantir a segurança do processo

Gabriel Roldão continua muito pessimista quanto ao futuro do Pinhal. “Era algo por que as pessoas tinham um respeito muito grande, mesmo sem lucrar com ele. Era uma jóia cultural, uma coisa que nunca mais vai ser recuperada“, afirma Gabriel Roldão. Teme que o Pinhal, o mesmo que forneceu madeira para a construção dos barcos para os Descobrimentos Portugueses, possa voltar a crescer, mas sem ordenamento: vai esquecer-se o sistema de rotatividade que o sustentava, vai crescer tudo de uma vez e vai ser cortado todo de uma vez também, crê.

O Observador tentou obter respostas por parte do ICNF mas até ao momento elas não chegaram.

O Pinhal de Leiria era organizado num sistema de rotatividade. Os 300 talhões eram plantados à vez: "Uns quantos recebiam as sementes num ano, depois no ano seguinte eram outros e assim sucessivamente", explica Gabriel Roldão, que conhece a história da Mata, com mais de 700 anos, como a palma da sua mão. Quando as árvores atingissem os 70 anos eram cortadas para serem exploradas e mais tarde eram replantadas.

As primeiras horas do desastre. Afinal, onde foi que tudo começou?

O cheiro adocicado da resina a ferver ainda invade o ar na Burinhosa, uma aldeia da freguesia de Pataias e concelho de Alcobaça que parece transformado num terreno lunar com troncos ainda fumegantes. No meio das cinzas, transformadas em lama pela chuva que caiu em Alcobaça na segunda-feira à noite, Eulália pega com as mãos sujas da terra numa mangueira amarela deixada pela Proteção Civil no Beco das Longras. Foi aqui, a 50 metros das traseiras de uma fábrica de reciclagem e valorização de resíduos, a “Félix Filipe & Filhos”, que começou um dos incêndios que chegou à Vieira de Leiria. A Proteção Civil diz que as chamas começaram às 14h33 de domingo, mas Eulália nega: eram sete e meia da manhã quando foi acordada pelos vizinhos porque tinha o fogo a galgar-lhe o muro. E as chamas já lavravam desde as seis da manhã.

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Segundo Nélio Gomes, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pataias, responsável pelo gabinete municipal de Alcobaça da Proteção Civil e comandante do centro de operações que atacou o incêndio da Praia da Légua, foi o incêndio da Burinhosa que deu origem à maior parte dos outros focos de incêndio na Mata Nacional: o da Praia da Légua avançou até se ter unido à frente da Burinhosa, deixando um manto de cinzas entre os dois sítios.

Da Burinhosa o incêndio alastrou para norte, atingindo depois a Marinha Grande e correndo daí para a Praia de Paredes de Vitória, a Praia de São Pedro de Moel, a Praia da Vieira, a Vieira de Leiria e a Praia do Pedrógão, exatamente por esta ordem, diz-nos o bombeiro. De acordo com as declarações de Joaquim Vidal, presidente da Junta de Freguesia da Vieira de Leiria, ao Observador, o vento estava forte mas empurrou o incêndio “com lentidão” até São Pedro de Moel. A partir daí “ganhou uma velocidade extraordinária”: julga-se que as fagulhas dos incêndios de Alcobaça tenham caído nas zonas de mato ou de pinheiros bravos de proteção — os que estão mais próximos à praia e mais sujeitos ao efeito da brisa marítima e da areia — iniciando um novo incêndio imediatamente atrás das dunas. O resultado está à vista: 80% da Mata Nacional ficou completamente destruída depois dos incêndios de domingo e de segunda-feira. São 8.800 hectares de área ardida.

Aqui em baixo pode ver o cenário de destruição deixado pelo fogo no percurso entre a Burinhosa e a Praia da Légua.

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“Ou há muitos malucos ou há muitos bêbedos neste Portugal fora. Ou então há é muitos interesses”

Sobre a origem do incêndio ainda só há desconfianças. Sabe-se que o clima não ajudava: o índice meteorológico de seca PDSI, usado pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), indica que 81% do país está em seca severa e que mais de 7% está em seca extrema. No fim de semana em que deflagraram os incêndios esperavam-se temperaturas acima dos 30ºC em quase todo o território nacional. E havia um risco máximo de incêndio em mais de 70 concelhos de 13 distritos portugueses: estava demasiado calor, a humidade relativa era muito baixa e o vento soprava com vigor. Mas o clima não justifica tudo, na crença do Governo. Jorge Gomes, secretário de Estado da Administração Interna, disse que os incêndios que assolaram o país nos últimos dois dias tinham origem criminosa e que “as áreas onde há pastorícia estão todas a arder, isto não é por acaso”. Constança Urbano de Sousa, agora ex-ministra da Administração Interna, disse que os incêndios podem não ter tido causas naturais, mas que não são “necessariamente de mão criminosa, mas de mão negligente, de pessoas que fazem queimadas quando é absolutamente proibido fazer e que fogem do controlo”.

As teorias já correm nos cafés da região e nas redes sociais. Há relatos de pessoas que dizem ter visto motas e carros sem matrícula a entrar pelo Pinhal dentro e a atear fogos de manhã muito cedo ou durante a noite, mas a polícia não tem conhecimento destas situações. Ao Observador, a Guarda Nacional Republicana (GNR) diz que “as autoridades não têm qualquer informação que coincida com esses relatos, não tem sequer qualquer informação sobre o que está na origem destes fogos”. O agente com quem conversámos, e que pertence à GNR da Marinha Grande, diz que “pode haver algum fundo de verdade nesses relatos” mas que as autoridades não têm “qualquer pista” sobre o que se passou no Pinhal de Leiria.

Veja aqui em baixo as imagens da destruição deixada pelo incêndio da Praia da Légua, a primeira região do Pinhal a ser fustigada pelo fogo

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A GNR sublinhou ainda que “sempre que um cidadão presenciar situações estranhas deve alertar a polícia”. Foi o que Pedro e Cristina Colaço fizeram quando entraram no IC8. Os dois tinham ido passar o fim de semana a Pedrógão Pequeno, concelho da Sertã e distrito de Castelo Branco, mas quando regressavam a casa viram “ao lado esquerdo, atrás do cemitério, engenhos incendiários nas árvores à borda da estrada”. Ao Observador, Pedro descreve-os como sendo “compridos, com um palmo de comprimento e com algo incandescente e metálico no centro, parecido com uma mola”. Estavam presos aos troncos, provavelmente atirados a partir da estrada porque “estavam demasiado altos para um humano conseguir pendurá-los e duvido que um incendiário ande de escadotes às costas”. Pedro e a mulher ligaram para o número de emergência: “Não nos aproximámos do sítio porque isto está a ganhar uma dimensão tão grande que qualquer dia levamos um tiro. Mas aquilo tinha um combustível qualquer que ardia e depois pingava, já em fogo, para o solo”, explica ele. Diz não ter dúvidas de que aquele era um engenho atirado para as árvores: “Eu sou bombeiro, sei do que falo. Não tenho dúvida nenhuma de que aqueles objetos foram postos para atear fogos. Não eram fagulhas de outros incêndios porque os fogos estavam longe e o vento não era forte o suficiente para os levar para ali. E estendiam-se ao longo de um quilómetro, mais ou menos”, recorda ele ao Observador.

“Eu sou bombeiro, sei do que falo. Não tenho dúvida nenhuma de que aqueles objetos foram postos para atear fogos. Não eram fagulhas de outros incêndios porque os fogos estavam longe e o vento não era forte o suficiente para os levar para ali. E estendiam-se ao longo de um quilómetro, mais ou menos”, recorda ele ao Observador.

Do outro lado do telefone, o técnico do 112 que atendeu a chamada disse a Pedro Colaço que ia “enviar alguém para o local”. Ele e a mulher decidiram então voltar para Pedrógão Pequeno, terra de Cristina, com receio que o fogo se propagasse depressa ao longo da estrada. Meia hora depois soube que a situação estava calma e recomeçou a viagem: “Passei no mesmo sítio trinta minutos depois e não estava lá ninguém. Contactados pelo Observador, nem a GNR nem nenhuma das corporações de bombeiros da região disseram saber de relatos desta natureza. Mas Pedro Colaço e a mulher gravaram o que viram. O vídeo, embora de fraca qualidade, elucida sobre o que o casal encontrou na estrada.

Eulália também não acredita que os incêndios deste fim de semana tenham tido origem em causas naturais ou sequer em mão negligente: “Nenhum incêndio de origem natural pegaria aqui às seis da manhã, quando está mais frio e humidade. E nesse dia até havia algum orvalho na plantação. É estranho, no mínimo estranho”. E, crendo na teoria da mão criminosa, também não aceita que o autor do desastre do Pinhal de Leiria tenha o mesmo fim que “os outros todos”: “Os incendiários não podem ser todos malucos ou todos bêbedos. Ou há muitos malucos ou há muitos bêbedos neste Portugal fora. Ou então há é muitos interesses”.

Nélio Gomes, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pataias, também torce o nariz aos argumentos que colocam os incêndios no Pinhal de Leiria na mão da natureza ou da negligência: “É muito difícil saber qual é a origem de fenómenos como este”, conta, enquanto as máquinas de arrasto e alguns bombeiros vão limpando a região varrida pelo fogo. “Mas se eu lhe disser que só na última semana e meia tivemos quatro ou cinco alertas no mesmo local onde começou o incêndio da Praia da Légua [o primeiro a deflagrar na Mata Nacional], as pessoas que tirem as suas próprias conclusões. Realmente, esses alertas poderão indicar alguma tentativa de fogo posto. Mas é tudo o que posso dizer”.

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