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O humorista Ricardo Araújo Pereira sugere os livros fundamentais que qualquer humorista deve ler
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O humorista Ricardo Araújo Pereira sugere os livros fundamentais que qualquer humorista deve ler

Paulo Spranger / Global Imagens

O humorista Ricardo Araújo Pereira sugere os livros fundamentais que qualquer humorista deve ler

Paulo Spranger / Global Imagens

Livros que nos fazem rir, segundo Ricardo Araújo Pereira

Dos clássicos gregos à actual literatura de humor anglo-saxónica, Ricardo Araújo Pereira já deve ter lido mais livros do que Marcelo Rebelo de Sousa. Aqui, faz uma lista daqueles que nos ensinam a rir

Não é fácil pensarmos em Portugal como um país bem-humorado, praticante da ironia inteligente, ágil profanador das regras do bom comportamento, do bom senso e do bom gosto. Apesar de termos inventado as cantigas de escárnio e maldizer, apesar de termos tido um Camilo e um Eça, e de sermos exímios praticantes da má língua no espaço privado eis que no espaço público agimos como aquele monge que, no Nome da Rosa, de Umberto Eco, queima o livro sobre o riso por este ser herético.

No Parlamento, nos media, nas ruas quantos são os que nos fazem rir? Quantos são os que manejam a língua portuguesa com erudição e perversidade para nos porem a rir de nós mesmos e do mundo em redor? Quantos nos mostram o lado mais cómico disto tudo?

Talvez porque o riso seja sempre um acto de rebeldia, uma forma de questionar as regras, uma vingança da inteligência sobre a brutalidade e a estupidez daquilo que se chama “ser sério”e nós somos um povo habituado a baixar a cabeça. Talvez porque preferimos a apagada e vil tristeza do faduncho e das suas divas, porque sonhamos em usar fato e gravata e ser chamados de “doutor”. Talvez porque queremos ser levados a sério, nós, portugueses, não rimos em público, não dizemos piadas, não fazemos críticas e tendemos a desprezar quem o faz.

Ricardo Araújo Pereira pertence à linha de cómicos eruditos que procura nas palavras e pelas palavras fixar o mundo de outra forma.

Somos um povo ancestralmente pobre e analfabeto, daí estarmos mais à vontade com a violência do sarcasmo, do que com as subtilezas da ironia. A ironia é uma prerrogativa dos ricos, da burguesia, dos que podem ter distanciamento suficiente dos factos para poderem fixar sobre eles uma linguagem rebuscada e complexa. O sarcasmo está mais próximo do corpo, da luta pela sobrevivência. Está mais próximo da obscenidade carnavalesca: a libertação da ansiedade, da tristeza, do medo e da morte fazem-se com as palavras obscenas. Ferenczi, discípulo de Freud, escreveu que os palavrões serviam para descarregar a violência recalcada em nós. Uma violência que sai do corpo e se faz palavra para aliviar a nossa tensão.

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A ironia foi durante séculos uma produção da burguesia. O povo, demasiado desesperado a sobreviver, tinha sobretudo o sarcasmo e as anedotas

Porque o riso é também um prazer físico, ele foi durante milénios reprimido pela igreja e por todas as ditaduras. O riso é visto como uma falta de fé, uma manifestação de dúvida que faz tremer o altar de qualquer Deus. Ou, como dizem as pessoas que se querem “de respeito”: “não se brinca com coisas sérias.”

Ricardo Araújo Pereira pertence à linha de cómicos eruditos que procura nas palavras e pelas palavras fixar o mundo de outra forma. Defende que as palavras, na sua remota origem corporal, são aquilo que faz com que o corpo ceda ao riso, à convulsão da gargalhada. As palavras são o órgão visceral do humor.

RAP sabe também que a frase “uma imagem vale mais que mil palavras” é mentira, pois cada palavra contém um universo de significados, de possibilidades, de trocadilhos, de imagens em constante metamorfose. As suas crónicas escritas têm um poder que nenhuma das suas personagens televisivas ou publicitárias tem. E reconhece que no humor que actualmente se produz em Portugal há muita falta de auto-ironia ao bom estilo de Woody Allen, Ricky Gervais, Larry David.

Porque não somos capazes de rir de nós mesmos?

Mais difícil do que rir dos outros é rir de nós mesmos, como aquela personagem de Dinis Machado no conto Reduto Quase Final, que, acabada de cair da escada abaixo, se pergunta:qual é o lado cómico disto?

Ricardo Araújo Pereira diz que em Portugal vigora “o homem sério”, aquele “a quem o mundo nunca surpreende”. Que “o poder da igreja, que ligou o riso ao mal, à loucura, ao desrespeito ainda nos fazem ver o riso como sinónimo de falta de respeito”. Somos muito defensivos e usar a “auto-ironia” é visto como um sinal de fraqueza e não de espirituosidade”, continua o humorista.

Woody Allen, o mestre da auto-ironia

Getty Images

Aprender a ironia e a auto-ironia é, pois, uma urgência neste país. As gerações dos anos 80 e 90 aprenderam a rir com Herman José, com Miguel Esteves Cardoso, com Luíz Pacheco — como as gerações do novo milénio aprenderam a rir com o Gato Fedorento, com Bruno Nogueira, com O Mundo Catita de Manuel João Vieira.

O que parece ter-se perdido entretanto foi o humor na literatura. Qual é o escritor ou poeta português que ainda nos faz rir? Ricardo Araújo Pereira lembra-se de Mário de Carvalho e dos poetas Jorge Sousa Braga, Adília Lopes e Alberto Pimenta. Depois há os mortos: Mário-Henrique Leiria, Alexandre O’Neill, Vilhena, Luiz Pacheco.

“Há falta de humor no feminino”, reconhece Ricardo Araújo Pereira. “As mulheres sempre foram obrigadas a uma seriedade impiedosa para não serem tomadas como sedutoras, pouco ajuizadas, pouco responsáveis. A sua caminhada para o riso e para fazer humor foi muito mais árdua, mas hoje já encontramos humoristas importantes como Tina Fey ou a escritora Dorothy Parker.”

RAP lembra que há autores que nos fazem rir de formas muito diferentes: uns porque são claramente cómicos, outros porque têm breves momentos de sátira, e outros ainda que nos fazem rir apenas dentro da cabeça.

Ricardo Araújo Pereira não é só um extraordinário humorista que nos põe a brincar com a língua portuguesa, é também um profundo conhecedor da literatura de humor e não só (mesmo que ele não goste de dar esta imagem de si mesmo). Dos clássicos gregos à actual literatura de humor anglo-saxónica, podemos estimar que ele já leu mais livros do que Marcelo Rebelo de Sousa, embora certamente mais devagar.

Por isso, lembra que há autores que nos fazem rir de formas muito diferentes: uns porque são claramente cómicos, outros porque têm breves momentos de sátira, e outros ainda que nos fazem rir apenas dentro da cabeça. Percorremos a literatura portuguesa, francesa e anglo-saxónica e fizemos uma lista dos 28 livros fundamentais para aprender a rir. Um deles, claro, é Oblomov, do escritor russo Ivan Goncharov, que saiu em dezembro na coleção de literatura de humor que Ricardo Araújo Pereira dirige na Tinta da China. Mas há muitos mais. Livros que vão desde o Renascimento ao século XXI. O único problema é que alguns deles só se encontram, com devoção e persistência, nos alfarrabistas.

[Veja nesta fotogaleria a lista recomendada por Ricardo Araújo Pereira]

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