Na fila para a identificação de todas as pessoas que querem entrar no edifício A do Campus da Justiça, em Lisboa, Myriam Muñoz, Melânia Celis, Maura Garcia e Liz Celis conversam descontraidamente. Liz entrega uma moeda de 50 cêntimos a Maura, que se dirige à máquina de vending e traz uma garrafa de água. A fila avança lentamente. À frente destas quatro mulheres está uma estagiária de advocacia, que quer ir assistir a uma das sessões que naquele dia decorre no Campus. Vira-se para elas e pergunta: “São advogadas?”.
Elas sorriem e dizem que não. Só não dão o resto da informação: são quatro das seis arguidas acusadas de vários furtos e burlas informáticas, que esta tarde vão ouvir a sentença do juiz. Lá em cima, no quarto andar, já estavam Charlot Celis e Sandra Celis.
Myriam é mãe de Sandra. Sandra é mãe de Maura. Maura é prima de Melânia e Charlot, portanto são as três netas de Myriam. Liz é sobrinha de Myriam e prima das restantes quatro. São todas colombianas. E carteiristas.
Durante quatro anos, estima a polícia, assaltaram dezenas de pessoas, do Porto ao Algarve. Bem vestidas, sempre maquilhadas, cuidadosamente penteadas, umas mais novas, outras mais velhas, não levantavam suspeitas quando se aproximavam das vítimas. Chegavam a manter conversas com as pessoas, já depois de lhes terem roubado as carteiras. A polícia andou quase dois anos atrás delas. Até que foram apanhadas e batizadas de “Manitas de Plata”.
Durante quatro anos, estima a polícia, assaltaram dezenas de pessoas, do Porto ao Algarve. Bem vestidas, sempre maquilhadas, cuidadosamente penteadas, umas mais novas, outras mais velhas, não levantavam suspeitas quando se aproximavam das vítimas.
Com 66 anos, aquela que é descrita pela polícia como “líder” do grupo que tinha uma “direção, disciplina, hierarquia e atribuição de direitos e deveres comuns”, Myriam Muñoz é uma senhora bem posta. Cabelo sempre arranjado, maquilhagem discreta, roupa clássica — ora veste um sobretudo bege, ora um casaco de malha comprido preto e branco, por cima de um macacão de um tecido sedoso. Por vezes usa óculos. Myriam teve a filha, Sandra Celis, com apenas 15 anos. Sandra é muito parecida com ela. A mesma altura, a mesma estrutura larga, a mesma cor no cabelo pelos ombros, sempre impecavelmente esticado. A maquilhagem é mais ousada, por vezes usa uma sombra azul nos olhos. Tem 50 anos e é viúva.
Do casamento de Sandra nasceu Maura Garcia, a mais nova do grupo, com 24 anos. Cabelo pintado de loiro, apanhado num impecável rabo de cavalo, olhos castanhos, pele morena e quase sempre um grande sorriso. Fala muito. Ora em castelhano, ora num português impecável, sem qualquer sotaque que denuncie as suas origens latino-americanas. “La periodista nos mira”, diz para as restantes arguidas já sentadas nas cadeiras do tribunal, enquanto Maura se mantém de pé, as mãos na grade que as separa dos advogados e dos juízes. “Doutor, é dos nervos”, diz para um dos advogados que a aconselha a sentar-se.
Mal chegou ao piso 4, onde decorre a audiência, foi dar um abraço à advogada que, alto, exclamou: “Então, meu amor?” Maura abraçou-a. Também foi com um sorriso que, quando a oficial de justiça abriu a porta da sala, lhe disse: “Boa tarde, Elisangela!”.
De volta à fila na entrada do Campus, Melânia, neta de Myriam, 25 anos, está bem disposta. “Estou muito feliz, ao menos isto acaba hoje, seja como for”, comenta para as restantes familiares. Tal como as outras arguidas, desde que foram detidas, em novembro de 2015, está em prisão domiciliária com pulseira eletrónica. Durante as sessões que decorreram no inverno, quase todas usavam botas forradas a pelo, largas o suficiente para esconder o aparelho que lhes envolve o tornozelo. Neste primeiro dia de primavera, com calças mais justas e sandálias ou sapatilhas, era visível o dispositivo por dentro das calças.
Melânia Celis é muito bonita. Tem um longo cabelo arruivado, traz duas tranças finas presas na parte de trás da cabeça, lábios pintados de vermelho, um piercing no meio dos dois incisivos, que se nota quando ri. E ri de vez em quando para a prima que está sentada a assistir à audiência que teima em não começar. Melânia vira-se para trás, sorri e diz-lhe: “Tequita, respira”. Virada para a avó, comenta: “Está blanca”.
Charlot Celis não se ri. Foi a primeira a chegar, subiu para o 4º andar e sentou-se numa cadeira à espera. Tem 27 anos, é uma das três netas de Myriam, e o seu ar mais pesado, neste dia em que vai conhecer a sentença, pode dever-se ao facto de saber que foi identificada em reconhecimento policial por mais do que uma vítima. Isso não faz com que não tenha vindo arranjada, como aliás em todas as sessões. Cabelo pelos ombros com madeixas loiras, hoje deixou em casa os óculos de massa pretos que costuma trazer. Maquilhada, calça uns ténis prateados e traz ao pescoço um grande cachecol aos quadrados.
E por fim, Liz. Liz Brillitte Celis, 36 anos, um ar frágil num corpo magro, pele branca, cabelo castanho sem que pareça ter passado pelo cabeleireiro, sem maquilhagem. Liz está sempre à parte. Senta-se na fila de trás, raramente fala com as familiares. E protagonizou uma cena na sessão anterior, que fez com que desta vez tivesse de haver dois polícias à porta da sala de audiências. Naquele dia 22 de fevereiro, ainda na rua, houve discussão e Liz acabou por ser dispensada da sessão, tendo saído do Campus acompanhada de dois polícias. Gritava e chorava, dizia que tinha sido ameaçada com uma tesoura, isto tudo para grande espanto dos funcionários do tribunal, que desta vez, assim que o primeiro advogado chegou, o aconselharam a ir requisitar segurança extra.
Modus operandi: “astúcia”
Durante quatro anos — conseguiu confirmar a polícia — estas seis mulheres fizeram assaltos de norte a sul do país. A lista dos locais onde roubavam carteiras é longa e estende-se no mapa: Colombo, Amoreiras, Atrium Saldanha, Pastéis de Belém, Dolce Vita Tejo, Jumbo de Cascais, Forum Sintra, Oeiras Parque, Norte Shopping, Parfois de Santa Catarina, no Porto, Modelo de Espinho, Gaia Jardim, Modelo de São Félix da Marinha, Continente de Matosinhos, Shopping de Coimbra, Continente de Alverca do Ribatejo, Aqua Portimão, Forum Algarve, Intermarché de Lagos.
Marina Graça entra no tribunal com passo decidido. O cabelo loiro pintado apanhado num coque, calças pretas rasgadas nos joelhos, diz a idade: 27 anos. Marina tinha ido ao Centro Comercial Colombo, em Lisboa, sozinha naquele dia. “Cheguei e fui logo ao cabeleireiro fazer uma limpeza de pele, era de manhã. Quando me despachei de lá passei na Zara e na Mango. A certa altura senti uma pressão na mala, olhei, mas não vi nada suspeito”, conta ao juiz. A mala de Marina era na verdade um género de saco, sem fecho. A agilidade de quem tirou a carteira de dentro do saco não denunciou o roubo. Marina ainda deu mais umas voltas pelo centro comercial lisboeta, mas não comprou mais nada. Entrou num táxi e foi para casa. “Só vi que não tinha carteira quando estava a chegar a casa e queria pagar o táxi.” Ficou sem 500 euros, ficou sem a carteira Carolina Herrera avaliada em 200 euros e perdeu todos os documentos portugueses e angolanos que transportava consigo.
Foi também no Colombo que as Manitas de Plata — assim ficaram conhecidas pela PSP — assaltaram Maria Gabriela Meira, uma senhora com cerca de 70 anos, que acabou por ser alvo da forma mais apurada de funcionamento deste grupo de mulheres colombianas, que vivem há anos na zona de Palmela. Porque o propósito não era apenas roubar as carteiras, era obter antecipadamente os códigos dos cartões multibanco para os usar logo a seguir, em compras e levantamentos.
Quando estava a fazer um pagamento na Loja do Gato Preto, Maria Gabriela apercebeu-se de que havia bastante gente junto à caixa. “A empregada até disse às pessoas para se afastarem, porque estava uma grande confusão.” Era já quase meio de dezembro de 2014 e as compras de Natal já enchiam de pessoas os centros comerciais.
“Depois fui às compras ao Continente e quando estava a tirar o carrinho senti um encontrão e ouvi alguém dizer ‘veja lá se para a próxima tem mais cuidado’. Continuei. Quando cheguei à caixa do supermercado para pagar não tinha a carteira.” Lá dentro estavam entre “400 e 500 euros” e quando conseguiu cancelar os cartões já haviam sido levantados outros 400 euros.
“Para facilitar a sua atividade e dispersão no meio da multidão, as arguidas que prestavam apoio, muitas vezes, ficavam a falar com as vítimas, enquanto as outras se colocavam em fuga com os bens que haviam retirado aos ofendidos”, lê-se no acórdão que ditou a sentença das seis mulheres.
As histórias repetem-se, umas atrás das outras. As vítimas que aparecem a depor têm sempre em comum o facto de usarem malas e carteiras de marcas caras e de trazerem consigo quantias avultadas de dinheiro vivo.
No Norte Shopping, no Porto, segundo o testemunho de Abílio Guedes, vários clientes falavam de “três senhoras” que andavam pelo centro comercial e sobre as quais já se levantavam suspeitas. De tal maneira que este “auxiliar de operações” de vigilância, 38 anos, acabou por vê-las em ação, em direto, nas câmaras espalhadas pelo shopping.
“As três senhoras andavam no Continente a suprir carteiras. Quando os clientes se deslocavam às caixas multibanco elas ladeavam-nos, as duas mais novas. A mais velha ficava a controlar. Quando as pessoas metiam os cartões nas caixas elas anotavam o código, seguiam o cliente e tiravam o porta-moedas. Logo ali, na primeira caixa, já com o cartão, faziam o levantamento máximo.”
Com os códigos e os cartões na mão, as Manitas de Plata tratavam de obter a maior quantia possível de dinheiro. Mas não faziam apenas levantamentos. Faziam compras em lojas — gastaram cerca de 900 euros na loja do FC Porto, no Norte Shopping — ou usavam casas de câmbio e casinos para obter mais dinheiro.
No Arrábida Shopping, em junho de 2014, usando um cartão multibanco em nome de Aida Correia, Sandra Celis foi identificada a comprar 2 mil dólares numa casa de câmbio. Nesse mesmo mês, ter-se-ão dirigido ao Casino de Espinho onde conseguiram, com um único cartão, “levantar” 1250 euros, através da troca de fichas de jogo. Tudo sem que tivessem de mostrar identificação que correspondesse ao nome do cartão que estavam a utilizar.
A investigação: os vídeos dos disfarces
O primeiro crime (cronologicamente falando) registado no processo judicial data de 20 de julho de 2012, no Centro Comercial Aqua Portimão. Foram precisos mais de dois anos para que a polícia conseguisse perceber que se tratava de um grupo de mulheres, organizado, que fazia assaltos em vários pontos do país. Em setembro de 2014, a PSP referia que as mulheres “fazem parte do chamado Grupo de Colombianas, modificam a sua aparência física com bastante frequência” e “também mudam constantemente de residência”.
Em fotogramas retirados das câmaras de vigilância do Forum Sintra, vê-se Charlot com um lenço preto a cobrir-lhe a cabeça. Em Faro, há uma “reportagem fotográfica” em várias lojas do Forum Algarve.
Em novembro de 2014, exatamente um ano antes de terem sido detidas, a PSP fazia uma descrição pormenorizada do modo de atuar das colombianas: “A sua ação é tão disciplinada, regrada, complexa e meticulosa, que se deslocam em viaturas próprias, cujas matrículas são ainda desconhecidas, para diversos pontos do território”. Nesta altura, a polícia admitia que era difícil “estabelecer fio condutor na investigação”, uma vez que os crimes eram investigados autonomamente, nos vários pontos do país onde iam ocorrendo os assaltos.
Mas com o decorrer do tempo — e da atividade criminosa — foi proposto pela investigação ao Ministério Público que os crimes fossem investigados em conjunto. Não é que isso tivesse facilitado assim tanto a vida à polícia, que se deparava com uma “organização familiar, o que facilitava quer as comunicações, quer as relações entre os elementos do bando/família, o qual era dirigido pela matriarca”.
E apesar de muitas vezes os carteiristas atuarem em bando, estas tinham uma particularidade, ou melhor, várias, que ajudaram a que tivessem praticado tantos crimes, durante tanto tempo, sem terem sido apanhadas: “Primeiro, o aspeto familiar, sendo primas umas das outras, sobrinhas das mais velhas e netas e filha da matriarca, atuavam de uma forma mais cuidada, pois era o valor e a segurança da família que estava em jogo”, explica a PSP ao Observador. “Outro ponto que as caracterizava era a forma como vestiam e o cuidado na forma como se apresentavam, sempre bem vestidas, arranjadas com os visuais cuidados. Claro que, perante senhoras bem vestidas, de aspeto cuidado, as vítimas não se apercebiam que podiam estar a ser furtadas pelo bando.”
Os roubos: malas, joias e muito dinheiro
A leitura da sentença está marcada para as 14h00, mas já lá vai meia hora e a porta por onde entram na sala os juízes e o procurador não há meio de abrir. As cinco arguidas que se sentam na fila da frente vão conversando baixinho, Liz, no banco de trás, aperta as mãos em sinal de nervoso miudinho. Dois dos advogados partilham as fotografias dos filhos que trazem guardadas nos telemóveis. De repente uma porta abre. Todas se levantam como se tivessem uma mola na cadeira. Mas quem entra é a oficial de justiça e na sala ouve-se um grande “Ohhhhhh”. Só Liz não se mexe.
Durante todo o julgamento as seis mulheres não prestaram depoimento. Nunca quiseram falar e quem falou sobre elas foram algumas testemunhas abonatórias. Um homem de 76 anos que dizia conhecer Myriam e o marido, de Palmela, e que contou que os dois tiveram uma lavandaria e depois um restaurante. Mas há dois anos que lá não ia, por isso nem sabia se estava a funcionar. Rui Carvalho conhecia “a dona Myriam, as filhas e as netas”, só não conseguia lembrar-se do nome do marido da matriarca. “Diogo!”, lá acabou por exclamar.
“Não sei se ainda tem o restaurante, a filha pelo menos e a neta trabalhavam lá. A dona Myriam cozinhava e servia. Ela é doente, doía-lhe muito as costas, ‘espondilose’…”
Punk&love. Era o que estava escrito no blusão de Ana Reis, cabeleireira, uns grandes brincos e cabelo cor-de-rosa, quando entrou na sala de audiências. O testemunho foi rápido. Conhecia Maura do curso de cabeleireiro, Melânia apenas de ter ido arranjar o cabelo. A ideia era que Ana Reis confirmasse que Maura tinha um emprego. O procurador e o juiz insistiram e insistiram e a cabeleireira lá disse que nunca tinha visto Maura na loja onde ela disse que trabalhava, mas apenas porque nunca lá tinha ido.
Já Maria Henriqueta confirmou que Melânia trabalhava numa loja num centro comercial do Fogueteiro. A manicure de 35 anos disse que chegou a ir ter com ela ao trabalho.
Elvis Moreno entra na sala. É um homem grande, musculado, de ascendência africana, 27 anos, militar. É o companheiro de Maura, vivia com ela e com Melânia na mesma casa. As perguntas do Procurador tornam-se, a certa altura, estranhas:
— Nunca foi ao quarto da Melânia?
— Não.
— A sua companheira usava muitas malas e carteiras?
— Não muito. Eu não reparo muito nas malas.
Elvis não estava em casa no dia em que a polícia entrou pelo apartamento no dia 24 de novembro de 2015. No quarto de Maura foram encontradas 6 malas Prada e DKNY e 8 carteiras, um tablet e um iPhone; no quarto de Melânia estavam 16 malas, 8 porta-moedas e 9 bolsas.
Em casa de Sandra havia mais, muito mais: 40 malas de marcas como Louis Vuitton, Armani, Gucci; 21 carteiras, sacos, bolsas, porta documentos.
E em casa de Myriam? Apenas um tablet e um smartphone. Mas Myriam, a matriarca, tinha um cofre num banco. Lá a polícia encontrou 19 anéis, cerca de 40 brincos, 6 relógios de ouro, 34 colares, uma gargantilha de ouro branco e diamantes, 4 broches de ouro e diamantes, 7 escravas e 18 pulseiras de ouro e diamantes.
No comunicado da PSP, resume-se assim o que aconteceu naquele dia de novembro: “Foram efetuadas 4 buscas domiciliárias em residências situadas em Almada, Palmela e Fernão Ferro e ainda 2 buscas a cofres individuais em instituição bancária; do resultado destas diligências foi possível apreender diversos recibos de transferências internacionais monetárias, depósitos e levantamentos de dinheiro, destacando-se a apreensão dos seguintes itens, estimando-se que o valor total do material apreendido ronde os € 100 mil: 2.080,14€ do BCE; 1596 YUAN (Banco da China); 210 Peças em ouro/prata e/ou com diamantes, avaliadas em cerca de €50 mil; 163 Artigos e adereços diversos (malas, carteiras, óculos); 27 Aparelhos elétricos e eletrónicos diversos (tablet’s, telemóveis, computadores portáteis e outros).
Nesse mesmo dia as seis mulheres foram detidas. Dois dias depois, o juiz decretava a prisão preventiva, em regime domiciliário com recurso a vigilância eletrónica.
A proposta: devolver o dinheiro às vítimas… mas com algo em troca
No dia das buscas, a polícia encontrou no anexo da casa de Sandra Celis uma “Folha de papel tamanho A4 com manuscritos indicando NUIPC’s (Número Único de Identificação do Processo Crime) em investigação nos presentes Autos e respetivos nomes e contactos dos lesados”. Poderá ter sido a partir desta informação que Sandra guardava em casa que muitas das vítimas começaram a ser contactadas. A ideia: devolver-lhes o dinheiro roubado para que elas desistissem das queixas.
“Fui chamada a Coimbra e fui contactada por uma advogada, perguntou-me se não queria retirar a queixa e mandaram-me esse dinheiro. Eu fiquei muito surpresa e fui ter com a minha advogada para retirar a queixa. Pagaram dois mil duzentos e qualquer coisa”
Maria de Lurdes Gouveia recebeu um desses telefonemas. Tinha sido assaltada na Rua de Santa Catarina, no Porto, e ficou sem 2.500 euros durante o tempo em que não avisou o banco do desaparecimento dos cartões. “Fui chamada a Coimbra e fui contactada por uma advogada, perguntou-me se não queria retirar a queixa e mandaram-me esse dinheiro. Eu fiquei muito surpresa e fui ter com a minha advogada para retirar a queixa. Pagaram dois mil duzentos e qualquer coisa”, explicou, relatando a seguir o seu contentamento: “Tudo quanto vier é ótimo, pensei eu. Já tinha sido há tanto tempo, que isto foi uma beleza!”.
O que aconteceu a Maria de Lurdes replicou-se por várias vítimas a quem foi devolvido dinheiro, mas nesta altura já era tarde de mais para as seis colombianas. O caso já ultrapassava as simples denúncias de particulares e a forma organizada como as Manitas de Plata planeavam e executavam os assaltos levaram o Ministério Público a avançar com acusações de associação criminosa.
A pena: da prisão, à pulseira e à liberdade
São 14h53. Finalmente abre-se a porta e entra o juiz e o procurador do Ministério Público. O juiz começa por explicar que vai ler resumidamente o acórdão. Está mal da garganta e não é sequer fácil ouvi-lo no fundo da sala.
Melânia está de mão dada com Charlot. Liz tem as mãos na cara. O juiz pede para que as seis arguidas se levantem e começa por Myriam.
Três anos e seis meses de pena suspensa, sendo que a matriarca fica obrigada, durante este tempo, a entregar 150 euros por mês a uma instituição de solidariedade social. Maura ri-se para a avó, o alívio é evidente e nas caras delas há uma esperança de que nenhuma tenha de ir para a prisão.
Mas logo a seguir essa esperança cai por terra. É a vez de Melânia. Seis anos e nove meses de prisão efetiva. O alívio passou a choro e Melânia não consegue controlar as lágrimas. Maura já mudou de cara, Liz fica cada vez mais nervosa. Segue-se Charlot: seis anos e seis meses de prisão efetiva.
É a vez de Liz. Três anos de pena suspensa. Ela ri e chora ao mesmo tempo, ali longe das outras. Segue-se Sandra, filha de Myriam, mãe de Maura. Na assistência está a sua outra filha, que espera. Seis anos de prisão efetiva. Sandra aguenta as lágrimas quase até ao fim, a filha não.
Maura é a última. Nove meses de pena, suspensa durante um ano. O juiz fala de improviso: “Que tomem de uma vez por todas juízo as que ficam em liberdade”, diz, depois de ressalvar que “se calhar deviam ter todas penas efetivas”, mas o Processo Penal assim não o permitiu.
Acaba a sessão e todas se agarram a chorar. Os advogados pedem-lhes calma, os recursos vão entrar, fica tudo como dantes, vão para casa com pulseira eletrónica as três com penas efetivas de prisão, saem em liberdade as outras três.
Liz sai da sala com o papel que lhe assegura a liberdade na mão. Agarra-o com força e abana-o como se fosse um troféu. De frente para a advogada, faz-lhe um sinal da cruz antes de a abraçar.
Chegadas à rua, por ali ficam a conversar, juntam-se dois homens que parecem da família mas que não assistiram à sessão. Estão todas juntas à exceção de Melânia, agarrada ao telemóvel, sentada no muro, sozinha.
Maura fala muito alto, gesticula. Desta vez, porém, não pega no telemóvel para tirar uma selfie, de óculos escuros, à porta do tribunal, como fez na última sessão. Mas podia. Porque agora está mesmo livre e no dia seguinte tem uma entrevista de emprego.