A Academia Real das Ciências da Suécia entrega todos os anos um prémio Nobel a economistas que se distinguem pelas suas teorias académicas, frequentemente revolucionárias. Esta segunda-feira, na entrega do Nobel da Economia de 2017, a instituição decidiu premiar Richard Thaler, um economista cuja maior contribuição foi demonstrar como muitas vezes, tantas vezes, essas teorias falham em algo essencial: ignoram que na base de tudo estão seres humanos imprevisíveis, por vezes irracionais e em algumas ocasiões simplesmente errados nas decisões que tomam.
Thaler, hoje com 72 anos, é tudo menos um académico obscuro e discreto, como aqueles que muitas vezes são premiados pela academia sueca. Se não se recorda do filme, rebobine a película The Big Short (A Grande Aposta), de 2015, até à cena em que a cantora e atriz Selena Gomez aparece num pretenso casino, sentada numa mesa de blackjack, a explicar o que são e como funcionam os CDO, os instrumentos complexos que actuaram como pólvora antes do estoiro que foi a crise financeira de 2008.
Ao lado de Selena Gomez, lá está, Richard Thaler, PhD, numa aparição cameo devidamente identificada em que o professor surge a explicar o “erro clássico” de Selena Gomez, que se sente numa “maré de sorte” e, portanto, vai continuar a apostar, de forma irracional, quando as probabilidades garantem que ela não poderá continuar a ganhar para sempre. No fundo, é o mesmo que quem apostou nos derivados de crédito nos EUA achar que o mercado imobiliário irá sempre valorizar-se. É a “falácia da mão quente“.
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Richard Thaler é descrito como “o pai da economia comportamental“, uma disciplina que era vista, no passado, como uma espécie de filho bastardo em relação à verdadeira ciência económica.
Muitos economistas ortodoxos consideravam — alguns ainda considerarão — que a economia comportamental é pouco mais do que o estudo de fenómenos avulsos que não têm qualquer relevância para os grandes resultados económicos e sociais, sejam os modelos políticos adotados num dado país ou, por exemplo, o sucesso ou insucesso de um qualquer produto ou empresa. As pequenas decisões (muitas vezes, irracionais) não importam — pelo menos era nisso que os teóricos convencionais acreditam (ou é isso que desejam, para não verem questionada a validade das suas teorias).
“Durante muito tempo, os economistas viveram no conforto de pensar que algumas partes das suas teorias eram impossíveis de testar. E sabemos que, no que diz respeito às teorias, uma das melhores coisas que elas podem ter é ser impossível serem testadas. É claro que, mais tarde ou mais cedo, tudo acaba por ser possível de testar”, afirmou Thaler numa conversa promovida pela Google.
Foi o trabalho de académicos como Thaler que lançou as bases para que a chamada economia comportamental tenha não só ganho maior respeito mas, também, para que seja uma área de pesquisa “em rápida expansão” que está a ter um “impacto profundo em várias áreas da pesquisa e da política económica”, reconheceu a Academia Real das Ciências da Suécia.
Basta um “empurrãozinho”
“Impacto profundo em várias áreas”. Estas são mais do que palavras de circunstância — basta lembrar que Thaler é profundamente admirado por Barack Obama e, durante uma visita ao Reino Unido, o ex-chefe do governo britânico David Cameron ficou de tal modo impressionado com Thaler que o convidou para liderar uma equipa de peritos económicos. A sua missão principal? Aplicar as teorias comportamentais na criação de recomendações de política que levassem os cidadãos a agir de formas recomendáveis não por via das leis e da regulação, mas sim por intermédio de incentivos naturais.
Thaler é um forte defensor da ideia de que a pior forma de induzir um comportamento, individual ou coletivo, é criar uma lei ou uma regra. Mas os seres humanos podem ser conduzidos a agir de uma determinada forma, quase inconscientemente, bastando para isso um pequeno “empurrãozinho” — em inglês, um pequeno “nudge”. “Nudge” é o título do livro mais marcante que Thaler escreveu, em conjunto com o co-autor Cass Sunstein (que fez parte da Administração Obama).
Mas o que têm a ver a frequente irracionalidade das pessoas e esta ideia do empurrãozinho, ou do “nudge“? Tudo. No livro “Misbehaving“, editado em Portugal pela Actual — “Comportamento Inadequado” — Richard Thaler conta como encontrou uma forma engenhosa de ser exigente nos exames que fazia aos seus alunos e, ao mesmo tempo, evitar tornar-se o professor mais odiado da faculdade.
Na maioria dos casos, a notas não iam além dos 70%, dada a exigência de Thaler. Para atenuar o impacto, o professor começou a atribuir notas que iam até 137 pontos, abandonando o sistema percentual. No fundo, era a mesma coisa — os exames não passaram a ser mais fáceis — mas os alunos médios começaram a ter notas na ordem dos 80 ou 90 pontos, o que parecia ser mais positivo do que os 60% ou 70%. Os melhores alunos tinham pontuações acima de 100 pontos, o que os colocava num estado de quase-êxtase.
Quando constatou que a técnica parecia resultar bem, o professor passou a fazer sempre assim. E fê-lo com transparência. No rodapé de cada folha de enunciado, lia-se: “Os exames vão ter uma nota máxima de 137 pontos, em vez dos habituais 100. Este sistema de notas não fará qualquer diferença na nota final da cadeira, mas parece fazer-vos mais felizes“.
Este é um exemplo de como nem sempre as nossas decisões, neste caso as nossas emoções, se baseiam em factos concretos. Através de pequenas inovações (como a caricata pontuação até 137), é possível orientar o comportamento das pessoas no sentido daquilo que é melhor para elas, defende Thaler — basta para isso um “empurrãozinho”.
Como levar as pessoas a fazer o que é bom para elas (e para todos)
Quando Thaler trabalhou com o governo britânico, David Cameron tinha uma coligação com os Liberais Democratas, então liderados por Nick Clegg. Considerando-se um liberal, Clegg via com excelentes olhos que os políticos procurassem formas de orientar o comportamento das pessoas. Em parte, isso passa por levar as pessoas a olharem mais vezes para o longo prazo e menos para o futuro imediato, ou para o presente.
“As pessoas comem demasiados doces, decidem não ir fazer um pouco de exercício físico, e adiam o momento em que começam a pensar em colocar dinheiro de parte numa poupança-reforma. Os economistas dizem que isto são casos de um “desconto irracional do tempo” [por esquecermos, por exemplo, que quanto mais cedo começarmos a poupar, menos teremos de poupar e mais teremos no momento da reforma]. Quem não é economista diz que isso é, no fundo, ser humano”, disse Nick Clegg, acrescentando que “o desafio é encontrar formas de encorajar as pessoas a agir, individualmente, de acordo com os melhores interesses da sociedade, respeitando a liberdade pessoal”.
As implicações ideológicas e políticas desta discussão são imensas. Numa possível definição do que pode ser um governo Conservador, há uma tendência para preferir um Estado pequeno, pouca intervenção pública e impostos baixos. Isso significará que os Conservadores devem ignorar por completo os nossos hábitos de saúde, de poupança? Ou pode enquadrar-se nessa visão ideológica alguns “empurrõezinhos”?
O trabalho de Thaler, ao serviço do governo de Cameron, não foi suficiente, porém, para conduzir a maioria dos cidadãos britânicos a votar pela permanência na União Europeia — no referendo que foi lançado pelo ex-primeiro-ministro britânico, que estava seguro de que iria vencer. Mas o Brexit foi aprovado em referendo em junho de 2016, numa decisão que para alguns economistas foi o símbolo perfeito de como, por vezes, as pessoas podem agir de uma determinada forma mesmo perante avisos de que isso levará ao “suicídio económico”.
O crédito caro e a poupança pouco rentável. Como perder dinheiro todos os dias
A forma como gerimos as nossas finanças pessoais ou familiares pode ser um exemplo perfeito de como comportamentos irracionais, por vezes aritmeticamente errados, podem levar-nos a perder dinheiro todos os dias. Muita gente tem uma conta-poupança e, ao mesmo tempo, um cartão de crédito cujos gastos a maioria de nós procura manter controlados.
A questão é que, quase invariavelmente, aquilo que pagamos em juros do cartão de crédito é mais oneroso do que os frutos do rendimento da conta-poupança. Então, se assim é, faria todo o sentido, do ponto de vista puramente financeiro, retirar dinheiro da poupança para amortizar a dívida do cartão de crédito. Mas é aí que entram os comportamentos erróneos, neste caso associados a outros impulsos como o medo de, depois, não conseguir voltar a repor essa poupança.
Mesmo sabendo que poderiam ter acesso a mais novo crédito, em caso de emergência, muitas pessoas optam por não usar a poupança para abater no crédito. O que a economia comportamental defende, em contraste com a teoria mais ortodoxa, é que estas não são práticas meramente desviantes, insignificantes — são impulsos relevantes e que produzem um efeito, por exemplo, aqui, na quantidade de poupança e de crédito que existe num dado país.
Mais um americano Nobel da Economia
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A distinção de Richard Thaler significa que continua o domínio dos académicos norte-americanos no Prémio Nobel da Economia. Entre 2000 e 2013, economistas norte-americanos ganharam todos os anos este prémio (sozinhos ou em prémio partilhado), exceção apenas para o ano de 2014 — atribuído ao francês Jean Tirole. Na História do Nobel da Economia, norte-americanos receberam cerca de metade dos prémios.
No livro Comportamento Inadequado, o Nobel da Economia sublinha que o mundo é feito de humanos e o problema da ciência económica convencional é que prefere tratar as pessoas como pequenos “Spocks” a andarem de um lado para o outro. Thaler refere-se a estes indivíduos imaginados pela ciência económica como Econs. É certo que a teoria convencional admite desvios face aos padrões, mas trata-os sempre como isso mesmo: desvios irrelevantes. A tese de Thaler é que os desvios são tudo menos irrelevantes.
“Eu sei, e você também sabe, que não vivemos num mundo de Econs. Vivemos num mundo de humanos. E tendo em conta que a maior parte dos economistas também são humanos, também eles sabem que não vivem num mundo de Econs. Adam Smith, o pai da economia moderna, reconheceu isto quando, antes de escrever A Riqueza das Nações, escreveu um livro a falar sobre o conceito das “paixões”, um conceito que não aparece em quaisquer manuais de economia. Os Econs não têm paixões, são otimizadores de sangue-frio”.
O Nobel da Economia de 2017 defende que não é caso para deitar fora toda a pesquisa económica convencional, mas esta deve servir de base para a criação de “modelos mais realistas”, em que se deixa de “arranjar desculpas” para os “embaraçosos desvios empíricos” que teimam, por vezes, em colocar em causa teorias que se querem inatacáveis.
Richard Thaler é um apaixonado por golfe. Joga uma ou duas vezes por semana, com a companhia de economistas de renome como Eugene Fama ou Steven Levitt, co-autor da saga de livros Freakonomics, que se dedicam precisamente a explicar, em linguagem acessível, as razões económicas que estão por detrás de variadíssimos aspetos do nosso quotidiano.
Apesar da companhia, em entrevista ao Financial Times, Thaler garante que a última coisa que acontece no campo de golfe é falar-se de economia — pelo menos de teoria económica: “Não, não debato a hipótese dos mercados eficientes com o Professor Fama”. Além dos quilómetros que se caminham, ótimos para a saúde, “o que me atrai no golfe é que é necessária muita concentração, portanto obriga-nos a parar de pensar em todas as outras coisas”.
Richard Thaler vai receber mais de um milhão de dólares pelo prémio. A propósito, alguém lhe perguntou durante a conferência de imprensa do Nobel, esta segunda-feira, como é que iria gastar o dinheiro. A resposta: “Vou gastá-lo da forma mais irracional que puder”.