Ir para o trabalho ou para a escola a andar ou de bicicleta. Fazer reuniões em pé. Dançar. Em entrevista ao Observador, o diretor do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física da Direção-Geral da Saúde (DGS), Pedro Teixeira, insiste que há “dezenas de maneiras de praticar exercício físico” e que “não há razão para não termos formas de estar no dia a dia mais ativas”.
Para enumerar os benefícios do exercício físico, duas mãos não chegam. Do sistema cardiovascular e circulatório ao sistema endócrino, da prevenção de osteoporose à regulação do humor, com influência positiva sobre a memória. E até o sistema digestivo das pessoas mais ativas funciona melhor. “O exercício serve para gerir, prevenir ou tratar 25 doenças diferentes”, resume o especialista da DGS.
Os portugueses começam a estar conscientes dos benefícios do exercício. Ainda assim são pouco ativos: mais de dois terços fazem pouca ou nenhuma atividade. Escolher um parceiro pode ser um bom truque para começar a fazer exercício, mas devem ser criadas “oportunidades acessíveis para que seja mais fácil as pessoas terem vidas mais ativas”.
Muita coisa pode ainda ser feita para que a atividade física seja “mais fácil, acessível e divertida” — passando pela formação dos médicos e pela criação de consultas específicas nos centros de saúde — e é nisso que a Comissão Intersetorial para a Promoção da Atividade Física está a trabalhar. O plano de ação nacional para a atividade física, com medidas concretas, será apresentado até ao final do ano e Pedro Teixeira fala ao Observador sobre algumas delas.
Estava a vir para cá e vi imensas pessoas a correr no Centro Desportivo do Jamor. É notório este aumento da adesão à prática de exercício na rua. Os portugueses estão mais ativos? Os últimos números não eram bons.
Infelizmente, do ponto de vista científico, não sabemos como é que tem evoluído a prática de atividade física. Temos alguns indicadores mais empíricos e notamos, de facto, que a prática de marcha, de corrida, a bicicleta, a afluência aos ginásios tem aumentado nos últimos cinco, seis anos. Há práticas formais de exercício físico que certamente estarão a aumentar. Mas, por outro lado, temos outra tendência que é a atividade física que estamos a deixar de fazer no dia a dia. Estamos mais tempo sentados a trabalhar em frente aos ecrãs, mais tempo sentados nos transportes, usamos muito o carro.
Muitos apontam dificuldades em circular de transportes e outros meios de transportes alternativos ao carro, nomeadamente em Lisboa.
Sim, mas é cada vez mais fácil. Temos de perceber que há dificuldades objetivas, que há zonas que não estão bem ligadas em termos de transportes públicos nem de vias cicláveis, como a linha de Sintra. Mas temos quase todos os municípios muito empenhados em criar vias cicláveis e pedonais. E há uma tendência para que as pessoas percebam que o carro tem um custo social muito grande. As grandes cidades vão ser cada vez mais inimigas dos automóveis.
Mas voltando à prática de atividade física. Não há então números que permitam confirmar o aumento?
Os números mais atuais resultam de um inquérito nacional alimentar e da atividade física e dizem-nos o seguinte: temos cerca de um quarto da população que cumpre as recomendações, que são cerca de 150 minutos, de atividade física moderada ou vigorosa por semana. Atividades moderadas incluem tanto o exercício físico no ginásio, como corrida, mas também caminhadas em ritmo rápido. Depois temos cerca de 35% a 40% da população que faz alguma atividade física mas não cumpre as recomendações, sendo insuficientemente ativa. Uma pessoa que joga futebol uma vez por semana, por exemplo. E depois cerca de um terço que é muito sedentário, que faz pouca ou nenhuma atividade. A inatividade física está mais presente nos idosos, nas pessoas de menor nível socioeconómico, e também nas mulheres face aos homens.
Que objetivo devem os portugueses ter em mente para bem da sua saúde?
Temos posto o ênfase no indivíduo e na responsabilidade individual em demasia. A população já está razoavelmente desperta para as vantagens da atividade física. Se continuamos a insistir que os portugueses têm de se convencer e disciplinar o tiro pode-nos sair pela culatra. E pensam: ‘Lá vem a polícia do fitness, lá vem a polícia da saúde. Tenho uma vida para viver’. E a verdade é que muitas pessoas têm vidas complicadas.
E, muitas vezes, para praticar exercício físico é preciso fazer sacrifícios.
Sim. E como é que se consegue que seja mais prevalente? Através da organização da sociedade. É preciso criar oportunidades acessíveis para que seja mais fácil as pessoas terem vidas mais ativas. Claro que uma pessoa muito motivada faz exercício no Polo Norte, mas a vida dos milhares de cidadãos portugueses é mais complexa que isso. Têm outras prioridades de vida que competem até com as prioridades de saúde. Para uma pessoa até aos 40 ou 45 anos os problemas de saúde têm uma importância relativa. Com exceções, a saúde não é ainda algo que sinta na pele.Disse que é preciso tornar a prática mais acessível. Como?
Muita coisa pode ser feita para que a atividade física seja mais fácil, acessível e divertida. Não queremos que as pessoas entendam que a mensagem de atividade física é uma mensagem de mais uma chatice que devem suportar. Temos de começar por facilitar a prática do exercício nos recreios das escolas e nas salas de aula. E quem fala de uma sala de aula fala de uma sala de reuniões numa empresa. Passamos muito tempo sentados. Não há razão para não termos formas de estar no dia a dia mais ativas.
Mas isso quebra a concentração, ou não?
Pelo contrário. Sabemos que ajuda à concentração e ao trabalho intelectual. O nosso corpo não está preparado para estarmos sentados tantas horas. Funciona melhor se se mexer com regularidade. E a mente, que não é separada do corpo, agradece.
A Direção Geral de Saúde (DGS), em colaboração com o Ministério da Educação, já tomou alguma iniciativa no sentido de aumentar a atividade nas escolas?
O número de horas de educação física está adequado à média internacional. O que me preocupa no primeiro ciclo é que não tenhamos professores de educação física. É o professor do 1.º ciclo o responsável por lecionar esse conteúdo formativo tão importante, mas esse professor não tem formação suficiente e muitas vezes acaba por não o fazer. Mas é depois das aulas, fora das aulas, na própria escola e no ambiente à volta da escola que precisamos de ter as crianças mais ativas. Hoje já existem formas dos bairros se organizarem para as crianças irem, em grupos, a pé para a escola, em que os pais se revezam para garantir a segurança e até a polícia já está sensibilizada. Estamos a trabalhar num conjunto de indicadores de uma ‘escola ativa’, para podermos incentivar as escolas a promoverem a atividade física de forma integrada.
Está prevista alguma medida para aumentar a oferta de espaços fechados para a prática de exercício?
Temos de distinguir entre serviços públicos e privados. Em relação aos públicos, uma das coisas que valia a pena pensar a sério é como é que as escolas podiam ser usadas pela população fora do horário escolar. Aí tem um exemplo de como um espaço público pode ser usado pela população. É uma das medidas que está previsto ser discutida pela Comissão Intersetorial para a Promoção da Atividade Física, que foi criada em abril e iniciou trabalhos em julho e vai apresentar à tutela um plano de ação de promoção da atividade física, com medidas concretas intersetoriais, até ao final do ano.
E ao nível dos serviços privados?
As empresas muitas vezes têm espaços que podem ser adaptados à prática de atividade física. Há todo o interesse em terem nas suas instalações programas de atividade física ou fazerem acordos com ginásios ou universidades. Todos ficam a ganhar, porque as pessoas têm melhores índices de produtividade e de satisfação e menores índices de absentismo e menos custos de saúde.
Já que fala nisso. Quais são os principais benefícios da prática de atividade física?
São tantos. O exercício tem uma função reguladora dos vários sistemas fisiológicos do nosso corpo: do sistema cardiovascular e circulatório, do sistema endócrino, do sistema músculo-esquelético (prevenção de lesões e dores nas costas, prevenção de osteoporose), do sistema neurocerebral que regula o nosso humor, os nossos estados de ansiedade e as nossas capacidades cognitivas, memória, vitalidade e energia. Até o nosso sistema digestivo. O exercício serve para gerir, prevenir ou tratar 25 doenças diferentes. Só mais um exemplo: saiu um estudo recente que mostra o papel do exercício físico na prevenção das doenças neurodegenerativas (demência, Parkinson, Alzheimer). O exercício faz parte da primeira linha de gestão das pessoas que já têm sinais. Outro exemplo: investigação portuguesa mostra que crianças ativas têm melhores notas. Outro mostra que os adolescentes que praticam mais atividade física têm menor tendência a consumir substâncias ilícitas e uma maior auto-estima. Adolescentes ativos alimentam-se melhor e fumam menos.
E riscos? Há? Quais são e que cautelas é preciso ter?
Um dos pontos essenciais neste setor de atividade, como noutro qualquer, é que haja uma rede profissional capacitada para acompanhar os programas de exercício. Por exemplo, seria impensável uma pessoa ir a um centro de saúde e ter lá um profissional de saúde sem a formação adequada. Da mesma maneira na área do exercício físico temos de criar um sistema — e estão a ser dados passos nesse sentido — para que exista uma maior regulação profissional. Uma licenciatura em desporto é um requisito mínimo. Mas a legislação não dá essa garantia, de forma inquestionável. Está a ser criada uma Associação Profissional de Fisiologistas do Exercício que tem como missão contribuir para essa regulação profissional.
Mas os profissionais que trabalham nos ginásios têm cédulas profissionais e os ginásios são fiscalizados. Certo?
Mas as cédulas estão vocacionadas para uma intervenção muito elementar, generalizada e que não exige uma especialização muito grande, está dirigida sobretudo para grupos da população saudáveis. E atualmente não é preciso uma licenciatura para ter uma cédula de técnico de exercício físico. Com essa cédula, o técnico pode fazer o que quiser.
Nos ginásios também há profissionais com licenciatura.
Felizmente são ainda a maioria, mas estão agora a chegar ao mercado dezenas de não-licenciados, fruto de uma legislação que é inadequada. Formalmente, os ginásios precisam apenas de ter um diretor técnico com licenciatura. Imagine o que seria num centro de saúde ou num serviço de um hospital ser apenas necessário um médico a trabalhar com um conjunto de técnicos, alguns sem licenciatura. Temos conversado bastante com a Associação de Ginásios e Academias de Portugal, que percebe perfeitamente que esta situação não é ideal e não promove o setor. O Instituto Português do Desporto e da Juventude tem um conjunto de critérios mínimos para atribuir créditos aos cursos, que contribuem para se ter a cédula. Mas existe uma grande diversidade de cursos e nenhum substitui a formação universitária.
Mas quando lhe perguntava por cautelas era mais no sentido de que cuidados têm que ter as pessoas antes de iniciar uma prática desportiva mais intensa?
Hoje em dia existem protocolos definidos para se fazer a avaliação do risco inicial para a prática do exercício físico. De uma maneira geral, a menos que a pessoa apresente já sinais e sintomas claros de algumas doenças cardiovasculares ou doença metabólica, a maior parte das pessoas está preparada para iniciar um programa de exercício físico moderado progredindo para vigoroso. Podemos dar o exemplo da corrida. Para a maior parte das pessoas é uma atividade moderada ou vigorosa. Se houvesse um risco muito elevado de acidentes cardiovasculares e morte súbita, estas teriam aumentado significativamente em Portugal dada a popularidade atual da corrida. Não é o caso. Os riscos do exercício são baixíssimos quando comparados a outros e o risco de não fazer atividade física é enorme. Claro que quando fazemos exercício vigoroso uma hora, por exemplo, o risco aumenta um pouco durante essa hora, mas o risco que se corre nas outras 23 horas, diminui imenso precisamente por termos feito exercício. Praticar atividade física é incomparavelmente benéfico.
E ao nível das lesões?
Obviamente que a prática de atividade física aumenta o risco de lesões articulares, principalmente quando envolve corrida e atividades em terrenos mais irregulares, nomeadamente entorses e lesões dos joelhos. Sabemos que sim. Mas sabemos que de uma forma geral são situações reversíveis e existem protocolos que permitem prevenir: o aquecimento é importante, bem como aumentar o exercício físico progressivamente. Por exemplo, vemos hoje corredores que aumentam a duração do treino de forma muito rápida em poucas semanas. Isto aumenta o risco de lesões.
É habitual os médicos recomendarem apenas natação ou pilates aos doentes com alguma lesão ou problema de saúde.
Sim, são conservadores, em grande parte por falta de conhecimento e correspondente falta de confiança. O protocolo que está a ser instituído é um guia de aconselhamento breve. O sistema informático vai ter um novo módulo para que o médico possa fazer uma avaliação do nível de atividade física do utente, fazendo três perguntas: que atividades faz regularmente, quantos minutos e quantas horas passa sentado, nomeadamente a ver televisão. Queremos avaliar se a pessoa cumpre ou não com os 150 minutos recomendados por semana.
E se a pessoa não cumprir? Daí o que resulta?
Se não cumprir, que é a maioria infelizmente, o médico tem opção de emitir um guia de aconselhamento para a prática de atividade física onde estará uma recomendação genérica com os benefícios da atividade física, sugestões, locais próximos para atividade física e este será o início de um discussão com o utente sobre quais as atividades preferenciais do utente, o que pode começar já, ou mais tarde. A atividade física vai passar a ser considerada como um sinal vital. O médico vai passar a estar mais capacitado e vai ter também formação para isso. E isto é inovador, nunca vi nada igual no mundo. Pode até existir, mas não conheço nenhum sistema público de saúde que tenha uma ferramenta tecnológica que ajude o médico a aconselhar o utente para a atividade física. E a ideia é também que a pessoa através da aplicação do MySNS possa comunicar com o seu médico em relação à sua atividade, como por exemplo o número de passos que dá por dia.
Em relação aos médicos especialistas também estão a ser pensadas medidas?
No futuro vão ser cada vez mais as pessoas com condições pré-existentes e doenças crónicas, por isso queremos que exista uma rede de especialistas médicos e fisiologistas do exercício para os quais o médico de família possa encaminhar o utente.
Já existem estes fisiologistas?
Já. No fundo são os profissionais do exercício com formação universitária em Desporto, Exercício e Saúde, que são quem tem mais habilitações e formação para lidar com pessoas com condições pré-existentes.
Mas não estão no Serviço Nacional de Saúde.
Não, porque não são profissionais de saúde. Mas vamos testar, em unidades piloto, consultas de prescrição de exercício físico com equipas que envolvam os médicos de medicina desportiva, outros profissionais de saúde e em colaboração com profissionais do exercício físico que trabalhem em câmaras municipais próximas, sempre que possível. A ideia é avançar em alguns agrupamentos de centros de saúde já em 2018.
Há uns meses disse em entrevista ao Observador que a DGS e as escolas de medicina estavam a trabalhar para perceber se era possível introduzir uma disciplina de fisiologia do exercício nos cursos de Medicina. Em que ponto está a discussão?
A DGS está a trabalhar com o conselho das escolas médicas e a associação nacional de estudantes de medicina para avaliar a realidade no terreno, e aferir quais as situações ideais de futuro. Por exemplo na Universidade da Beira Interior existe a primeira disciplina obrigatória de 3.º ano de promoção de atividade física e alimentação saudável. A Faculdade de Ciências Médicas da Nova e a Universidade de Lisboa também já têm módulos em algumas disciplinas, mas é claramente insuficiente.
Há alguma meta para anunciar e aplicar alguma destas medidas?
Muitas destas novidades vão ser objeto de um despacho que está a ser ultimado e vai ser assinado pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde muito em breve.
E em que faixa etária urge resolver o problema da inatividade?
É muito difícil não responder dizendo todas, porque há preocupações diferentes em grupos diferentes.
Será mais urgente começar pelas crianças?
Não. É mais urgente, embora não necessariamente mais importante, nas pessoas que já começam a manifestar sintomas relacionados com fatores de risco cardiovascular — obesidade, diabetes, hipertensão. Estamos a falar de adultos a partir dos 40 anos. Porque são aqueles que vão implicar custos de saúde já nas próximas décadas, porque vão ser os idosos com mais problemas de saúde, são aqueles para a qual uma intervenção imediata através de programas de exercício físico tem maiores efeitos pois podemos já baixar o risco destas pessoas. A diabetes por exemplo. Além disso, há outra questão que nos esquecemos. É que estes adultos entre os 40 e os 55 são os adultos ativos, são os adultos que tomam decisões em família, fazem compras em casa, são os adultos que decidem se as crianças fazem ou não desporto, que decidem se vão para o parque ao fim de semana caminhar ou ficam em casa. Mais, são estes adultos que decidem se os idosos que têm ao seu cuidado têm os hábitos de vida y, x ou z. São uma espécie de “distribuidores de jogo” usando uma analogia futebolística.
Os números da obesidade em Portugal são assustadores. Somos o 5.º país da Europa com mais crianças obesas e mais de metade da população tem excesso de peso. A minha questão é: uma pessoa que esteja com excesso de peso e não consiga fazer uma alteração radical do estilo de vida deve começar a fazer exercício ou dieta?
A curto prazo deve fazer alterações alimentares. A médio-longo prazo é imprescindível que inicie atividade física. As duas complementam-se. A curto prazo é muito difícil perder peso só com exercício, porque a maior parte das pessoas não consegue fazer logo o nível de exercício necessário. Se fosse para o Peso Pesado conseguiria, assim não. Mas tal como é muito difícil perder peso sem fazer alterações alimentares, é igualmente muito difícil manter o peso perdido sem alterações na atividade física. Temos um estudo em Portugal que acompanha pessoas que já perderam peso e conseguiram mantê-lo e temos apenas 1% que conseguiu fazê-lo sem recurso a atividade física. Temos estudos que mostram que quem pratica exercício consegue mais facilmente controlar a sua alimentação, através de alterações nos mecanismos neuro-endócrinos de regulação do apetite, na ansiedade, nos sintomas de depressão e em diversas outras alterações fisiológicas.
Já que fala na relação entre exercício e alimentação, parece estar cada vez mais associado à prática desportiva o consumo de suplementos e a adoção de dietas restritivas. Multiplicam-se na Internet dietas e receitas. Não é a sua área, mas como olha para esta realidade e que conselhos deixa?
Podemos ver o lado positivo das pessoas estarem mais preocupadas com a sua alimentação. Mas sempre que for possível a consulta com um nutricionista oferece uma garantia que nenhum outro profissional pode garantir.
E para quem não vai ao nutricionista, que dicas deixa?
A nutrição é uma área sujeita a muita pressão da indústria e a desinformação abunda. É também uma área sujeita a muitas modas e pseudo-especialistas. De uma maneira geral, para toda a população, quer para a perda de peso, quer para o aumento de massa muscular, quer para a promoção da saúde, as orientações alimentares mais simples são as mais bem comprovadas e mais seguras para todos. Quero dizer que se deve recorrer aos constituintes dos alimentos naturais e não a formas muito processadas ou condensadas em suplementos. Fazer uma alimentação com base em alimentos o menos processados e o mais diversificados possível garante as necessidades para a grande maioria das pessoas, mesmo quem quer perder peso ou aumentar de massa muscular. Neste último caso, existe proteína espalhada em muitos alimentos e não são necessários suplementos, exceto para alguns atletas. Os nutrientes que as pessoas precisam para atingir os seus objetivos estão lá e por vezes uma alimentação mais descomplicada é a melhor.
Pode dar alguns exemplos de alimentos que garantem essas necessidades?
Estamos a falar de privilegiar os grupos dos cereais, leguminosas, frutos e hortícolas, bem como os lácteos que são muito nutritivos. As leguminosas são riquíssimas em fibra e proteína. São uma bomba nutricional, que as pessoas se esquecem que têm à mão. Os ovos são também uma ótima fonte, tanto de proteína, como de alguns ácidos gordos essenciais. Podemos comer um por dia sem qualquer problema. O colesterol que a gema tem não é o que aumenta o colesterol sanguíneo. E depois as frutas e as hortícolas: sopa e saladas em abundância.
No fundo é o que está definido na roda dos alimentos.
Claro que sim.
Então porque é que as pessoas abandonaram a roda?
Porque há uma grande pressão comercial para oferecer às pessoas soluções fáceis.
E supostamente boas. Porque dizem que não têm açúcar adicionado…
Mas têm gordura. E as que não têm gordura têm açúcar. Outros aspeto: podemos, por exemplo, esperar o aumento de oferta de fast food de boa qualidade no futuro. Não há razão para isso não ser possível.
Voltando ao exercício. Quando se fala em aumentar a atividade quer dizer que todos devíamos, de repente, começar a frequentar ginásios? Ou não? O que é que as pessoas podem fazer para se tornarem mais ativas?
Quando se fala em atividade física tem de se ter uma perspetiva abrangente: aquilo que estamos a falar aqui, o fitness ou desporto é apenas uma de várias formas. É curioso como, por exemplo, a dança aparece à cabeça dos exemplos de atividade física incluídos no Plano de Ação Global para a Atividade Física da OMS em fase de consulta pública. Uma pessoa que tenha duas vezes por semana 1h30 de sevilhanas ou de danças de salão, ou de salsa, ou zumba, cumpre de certeza as recomendações para atividade física! E qualquer profissional de saúde tem de ter de imediato na cabeça que há dezenas de maneiras de praticar atividade física.
Mas para quem já tem excesso de peso não chega.
Depende do objetivo. Se quiser perder peso mais depressa, pode ter necessidade de mais volume ou intensidade. Mas, repare, temos neste momento 73% das pessoas em Portugal que não cumprem as recomendações ou não fazem nenhuma atividade física.
Como convencer alguém sedentário a aderir ao exercício?
Esse é outro aspeto muito importante. Prende-se com a motivação para o exercício, área em que tenho trabalhado nos últimos 15 anos. Mesmo para o médico e para o profissional de exercício há regras na comunicação e no aconselhamento e prescrição que potenciam a mudança comportamental, a adesão à prática. Ajudam a deixar a pessoa mais e melhor motivada. Modificação comportamental em saúde é uma área muito importante e na qual os médicos não têm formação. Quando queremos introduzir nas pessoas a possibilidade de um comportamento novo não se pode fazer apenas com base em bom senso.
Pode dar um exemplo de algo que se deve e que não se deve dizer?
É muito importante que a pessoa tenha a perceção de liberdade de escolha na decisão de fazer atividade física. A maneira como se questiona e discute com o utente pode ir na direção de: diga-me o que é que já fez, o que é que gosta de fazer, o que é que fazia na infância? Qual é aquela atividade em que acha que teria mais capacidades e em que se integraria melhor? Esta é uma forma promotora de autonomia. Quanto mais refletida e consciente for a escolha, mais probabilidade existe de correr bem a longo prazo. Isto é diferente de dizer: como é que não começou a caminhar ainda depois do que falámos da última vez? A pressão é inimiga da motivação.
Que conselho deixa para quem está a adiar há muito tempo?
Se tivesse de dar apenas um conselho diria para encontrarem um parceiro. Um familiar, um amigo, um colega de trabalho que quer também começar a praticar alguma atividade física e está vai não vai, ou um que já pratique. Assim partilham as dificuldades e expectativas, um puxa pelo outro, e é muito mais agradável fazer exercício acompanhado, tirar dúvidas com o outro, partilhar as inquietações e cria compromisso. Ou no trabalho começarem a fazer reuniões em pé. Mas há outros conselhos: um que é menosprezado que é o contacto com a natureza. Os seres humanos precisam de natureza e nós vivemos de formas que nos afastam disso. A atividade física é das poucas atividades do nosso dia a dia em que podemos ter essa opção.
Temos falado das pessoas inativas mas e quem vai todos os dias treinar e fica viciado no exercício? Também é preocupante?
Sim, é uma preocupação a considerar. O exercício faz-nos sentir bem a vários níveis e a pessoa pode-se habituar e isso vir a interferir demasiado com outras áreas da vida. Há casos pontuais de pessoas que, normalmente, já têm predisposição para distúrbios de natureza alimentar ou relacionados com a imagem corporal, e em que podemos identificar a dependência do exercício, que é uma patologia. Mas é ainda uma parcela muito pequena da população, felizmente. São pessoas que alteram muito a sua vida, que não deixam de fazer exercício quando têm uma lesão ou doença, que ficam deprimidas ou ansiosas quando não podem fazer exercício. Mas este número tem tendência a aumentar e temos de ter atenção a esses casos.
Disse há pouco que as pessoas já estão mais conscientes sobre a importância do exercício, ainda assim praticam pouco. O que falta?
Falta muita coisa. O Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física, por exemplo, começou há pouco mais de um ano. Falta por exemplo uma campanha de comunicação à escala nacional que inspire, que dê exemplos, que mostre às pessoas que a atividade física não é uma, são muitas: que o político muito ocupado faz atividade física, que o artista ou o intelectual também faz, que o médico faz, e o operador de caixa também. Assim como a criança, a mulher, os idosos.
E essa campanha avança quando?
Estamos a trabalhá-la agora e a nossa aposta é que a 8 de abril de 2018, no dia mundial da atividade física, possa ser lançada.