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Foi ainda nos antigos estúdios da RTP, no Lumiar, em Lisboa, que Pedro Palma começou, em 1982, a fazer os cartoons que projetariam a sua carreira. Tudo começou com um convite da parte de Pedro Luiz de Castro, então jornalista e apresentador do último noticiário da RTP, o ’24 horas’. Imberbe e acabado de chegar a Lisboa vindo de Serpa, onde nasceu em 1959, Pedro Palma deu os primeiros passos a desenhar cartoons para o final do noticiário da meia-noite do canal público.
Foi na RTP que começou a desenvolver o seu traço, mas também o seu feitio intempestivo, explodindo aos berros nas reuniões editoriais e discordando de toda a gente, recorda o ex-jornalista ao Observador. Ao mesmo tempo, tornou-se um bon vivant e passou a apreciar os prazeres requintados da vida: álcool, charutos, relógios, Ferraris e, claro, mulheres. Casou duas vezes e teve inúmeras aventuras amorosas. Nos últimos anos de vida, passava grande parte do tempo com a antiga apresentadora de televisão Cristina Caras Lindas, sua “eterna namorada”.
Contudo, quem conhecia Pedro Palma há anos já o via assim: “desencantado com a profissão” — ou profissões — que exerceu durante mais de 30 anos. Palma começou como cartoonista, foi jornalista e fotógrafo, e hoje dedicava-se sobretudo ao design e à fotografia artística. Pelo meio, foi preso em Angola — valeu-lhe a intervenção de Mário Soares para o libertar –, foi correspondente de guerra e ainda produziu a sua obra mais marcante e polémica: os retratos da sua então mulher, Clara Pinto Correia, enquanto tinha um orgasmo.
A cirurgia a um aneurisma da aorta, em 2013, resultou numa infeção que lhe tirou a energia e lhe trouxe a revolta com a vida e com a equipa de médicos que o operou. Nos últimos anos, dependia permanentemente de medicamentos e estava “desiludido com a vida”, contou ao Observador o jornalista Fernando Correia de Oliveira, amigo que o estava a ajudar no último projeto, que acabou por ficar a meio: uma coleção de relógios originais da marca DePalma.
Esta terça-feira, Pedro Palma foi encontrado morto, na mala do seu carro, depois de ter estado cinco dias misteriosamente desaparecido: saiu de casa na quinta-feira anterior depois de publicar no Facebook um vídeo enigmático — 10 segundos de ruído branco e estática –, dizendo à irmã que voltaria mais tarde do que o normal, talvez só de manhã. Nunca mais voltou.
Corpo do fotógrafo Pedro Palma encontrado na mala do carro. Autoridades admitem suicídio
O “jovenzinho” que começou a fazer cartoons na RTP
Quando, aos 23 anos, Pedro Palma entrou pela primeira vez nos estúdios da RTP, tinha publicado o seu primeiro cartoon político apenas dois anos antes, no semanário Tempo. Mudara-se para Lisboa havia três anos e, enquanto estudava Belas Artes e trabalhava em agências de publicidade, ia dando os primeiros passos na carreira de cartoonista. Foi na estação pública que encontrou a oportunidade que o lançou numa carreira que viria a passar por quase toda a imprensa portuguesa.
“Naquela altura, a RTP fechava a emissão com um telejornal chamado ‘24 horas’, que passava por volta da meia-noite, e que eu apresentava com o Carlos Fino”, recorda ao Observador o ex-jornalista Pedro Luiz de Castro, responsável pelo convite que mudaria a vida de Pedro Palma. “Era eu quem estava a coordenar editorialmente o noticiário e ocorreu-me uma ideia: todos os dias apresentar a notícia do dia com um cartoon, no fim do jornal. Se o DN tinha um cartoon todos os dias, se o Expresso tinha o cartoon do António, porque é que a televisão não podia também ter este género jornalístico?”
A equipa que preparava o programa começou à procura de um cartoonista que pudesse fazer os desenhos e “o nome do Pedro Palma foi recomendado por um outro cartoonista a quem pedimos ajuda”, lembra Pedro Luiz de Castro. “O Pedro chegou à RTP, ainda no tempo do Lumiar, muito jovenzinho, com 20 e poucos anos, mas desde logo fascinou-nos pela facilidade que tinha em perceber o que estava em jogo. Nas reuniões editoriais, discutíamos qual seria a notícia do dia a ser transposta para o cartoon e ele começava logo a desenhar. Em hora e meia tinha o cartoon pronto”.
No entanto, o génio artístico, como em tantos casos, vinha acompanhado de um feitio complicado, que se começou a revelar cedo. “Ele era permanentemente um resmungão e vociferava contra tudo e contra todos. No fundo, era um desalinhado, não pensava da mesma forma que toda a gente”, recorda o antigo apresentador da RTP, que bebeu muitos copos com Palma. “Não raras vezes o ‘24 horas’ acabava e nós íamos beber uns copos a um bar qualquer de Lisboa. Na altura ainda se vivia o fervor político revolucionário e as conversas viravam muitas vezes discussões”, lembra Pedro Luiz de Castro.
“Por isso ele era sempre o centro das atenções, com as tiradas com que se saía”, como no caso da discussão sobre as alterações climáticas, que o antigo apresentador ainda recorda bem. “Uma vez tivemos uma discussão forte, muito dura, sobre isto das alterações climáticas. Nós todos dizíamos que isto era um problema, que devíamos reverter, e ele começa a dizer que não há alterações climáticas nenhumas, que isto são ciclos normais da Terra. Ficou tudo a olhar para ele.”
Nas próprias reuniões editoriais, nem sempre havia consenso no que tocava à notícia a satirizar naquele dia. “Nós lá achávamos que a notícia do dia era qualquer coisa de política nacional, mas ele insistia que a grande notícia era qualquer coisa do Gorbatchov. Provavelmente, porque o cartoon dele iria brilhar mais com esse assunto. E a verdade é que depois, quando saía o cartoon, percebíamos que o faro dele para detetar os assuntos que melhor resultavam no cartoon, para aquele cinismo necessário para a sátira, era mesmo muito apurado”, explica o jornalista.
Apesar de ser ainda jovem, a ambição de Pedro Palma levou-o a fazer, passados poucos meses, uma proposta mais ousada à RTP: em vez de o cartoon ser apenas mostrado no final do noticiário, um operador de câmara passaria a filmar o processo de criação do desenho desde o princípio — a reunião editorial era às 20h00, Palma começava a desenhar às 21h00 e no máximo às 22h30 o cartoon estava feito. Assim, “no início do noticiário, à meia-noite, mostrávamos a filmagem do início do desenho, lá com o Pedro a começar a desenhar na folha em branco, e no fim mostrávamos o resultado final”.
Jornalista, cartoonista, designer, fotógrafo e correspondente de guerra
A curta passagem pela RTP (menos de um ano depois da entrada de Pedro Palma, a programação do canal foi reestruturada, o ‘24 horas’ mudou de apresentadores e o cartoonista foi dispensado) foi suficiente para lhe dar o reconhecimento necessário para, no ano seguinte, começar a colaborar com o Diário de Notícias e com o jornal humorístico O Bisnau. Mas não ficou em Portugal por muito tempo: em 1984 casou com a indiana Karima Sandrudi Manji e mudou-se para Paris, onde passou a colaborar com o Jeune Afrique e com o Le Figaro Magazine.
Do casamento com Karima nasceram os dois únicos filhos de Pedro Palma — Ayaz, de 27 anos, que vive em Nova Iorque e também se dedicou à fotografia, e Noor, de 26 anos –, mas a união não duraria muito. Pedro Luiz de Castro, que desde os tempos dos cartoons na RTP não perdeu contacto com o fotógrafo e cartoonista, recorda que aquele foi “um casamento infeliz”, que acabaria por resultar em divórcio já na década de 1990.
Depois de um ano na capital francesa, regressou a Portugal para trabalhar no Expresso como cartoonista, onde ficou durante sete anos, entre 1985 e 1992. No semanário, trabalhou com o icónico cartoonista António — os dois viriam a ganhar em conjunto o Prémio do Salão Nacional de Caricatura em 1988. Contudo, António recorda mais os cartoons de Pedro Palma do que propriamente o autor. “Cruzávamo-nos muito esporadicamente. Eu trabalhava na parte da política e ele no segundo caderno, e como eu nunca trabalhei mesmo na redação nunca estávamos muito tempo juntos”, lembra António ao Observador.
“Fui conhecendo o trabalho dele à medida que ele o foi publicando no Expresso. Notava-se muito, nos cartoons dele, a influência do Ronan Lurie, um cartoonista americano. E não digo isto com sentido crítico: todos nós temos os nossos heróis, eu tenho os meus também. E o Ronan Lurie era uma das grandes influências do estilo dele”, conta António, destacando que Pedro Palma acabaria por “fugir” do cartoon — em 2005, decidiu pôr fim à sua carreira de cartoonista — e que por isso “hoje já não era tanto recordado como cartoonista, mas sim como artista noutras áreas, como a fotografia”.
Depois de deixar o Expresso, já no início da década de 1990, Pedro Palma voltou a colaborar, ainda que esporadicamente, com o Diário de Notícias. Ao mesmo tempo, deu o salto que o projetou para todo o mundo, ao assinar com o Cartoonists and Writers Syndicate, que passou a distribuir os seus desenhos para mais de 40 países do mundo. Ainda hoje os seus cartoons constam do extenso portefólio de desenhos históricos do The New York Times Syndicate, de que era membro até hoje.
Enquanto publicava cartoons satíricos em vários jornais, Palma nunca deixou de ser jornalista e fotógrafo, e chegou a estar preso em Angola. Em 1994, altura em que o conflito armado em Angola passava por um período particularmente conturbado, esteve no país a fazer um conjunto de reportagens. Foi confundido com um agente estrangeiro, acusado de espionagem e detido na Guarnição Militar de Luanda. “Nunca vi tantos presos juntos num espaço tão pequeno. Dois ou três prisioneiros agarravam-se, com unhas e dentes, às grades da única janela para apanharem um pouco de sol”, diria depois sobre essa experiência. A máquina fotográfica foi confiscada e só depois de negociações diplomáticas e da intervenção de Mário Soares é que foi libertado, recorda Pedro Luiz de Castro.
Em 2003 voltou a cobrir um conflito armado, indo para a fronteira entre Iraque e Turquia como enviado especial à Guerra do Iraque. Além das reportagens que escreveu a partir do Iraque, Pedro Palma fez ainda uma série de retratos de curdos e iraquianos que incluiu no seu livro Retratos, uma das suas obras mais relevantes.
Mas a arte que o tornaria mais conhecido, pelo menos aos olhos do grande público, seria a fotografia. Não só na dimensão jornalística — durante as colaborações com diversos títulos da imprensa portuguesa produziu centenas de reportagens fotográficas — mas também na dimensão artística, sobretudo já depois de ter deixado a carreira como cartoonista. Do seu portefólio fotográfico, há uma coleção que se destaca e que hoje aparece como a sua mais conhecida obra: Sexpressions, a coleção de retratos da escritora Clara Pinto Correia, com quem então era casado, enquanto tinha um orgasmo.
As dez fotografias — escolhidas entre mais de seis mil feitas em três sessões — foram expostas em 2010 no Centro Cultural de Cascais e abriram a polémica. Pedro Palma contava na altura ao Diário de Notícias que queria “perceber a evolução das expressões da mulher durante o orgasmo até à do sofrimento final, em que parece estar a ser torturada”. Acabou por ser acusado de tentar expor a mulher, mas recusou a ideia. “Nunca foi para expor a Clara. Este foi um projeto para uma exposição, as fotos nem sequer estão à venda”, argumentou.
A exposição foi de tal maneira polémica que acabaria por ofuscar grande parte da obra de Pedro Palma. “Choca-me um pouco que apenas se fale daquela exposição. Ele tem uma obra de 30 e tal anos a caracterizar de forma humorística, irónica e sagaz a sociedade portuguesa e só se fala daquela exposição”, lamenta Luís Humberto Marcos, diretor do Museu Nacional da Imprensa e amigo de Pedro Palma. Em 2015, o fotógrafo e cartoonista assinou um protocolo com aquele museu e doou todo o seu espólio — cerca de 1.200 desenhos — ao MNI. “É verdade que a exposição foi um apontamento artístico muito importante na carreira dele. Era um homem de rutura e isso viu-se bem quando ele assumiu e apareceu em público com a exposição. Mas não esgota de todo aquilo que foi o percurso dele”, sublinha.
Mais recentemente, com uma carreira no cartoon e na fotografia já consolidada, Palma voltou-se para o design e conciliou duas das suas grandes paixões: os relógios e a Ferrari. Tornou-se amigo próximo do ex-jornalista Fernando Correia de Oliveira, um apaixonado por relojoaria, que o recorda como “um excêntrico” que “sonhava vir um dia a ter um Ferrari”. “Um dia ele achou que os relógios que estavam a ser feitos para a Ferrari não tinham aquele espírito da marca, e decidiu desenhar uma nova coleção para eles. Eu ainda tentei ajudar a que alguém pegasse naquilo, mas foi muito difícil”, recorda ao Observador.
Depois de tentar desenhar os relógios para a Ferrari, Pedro Palma embarcou naquele que viria a ser o seu último projeto: uma marca de relógios, a DePalma, no qual ainda se encontrava a trabalhar. “Ele há um mês apareceu-me com uma ideia nova. Diz que tinha feito o conceito total para uma marca de relógios e queria ajuda para ver se alguém estava interessado em produzir. Eu ainda lhe abri umas portas, dei-lhe uns contactos, e poucos dias antes do desaparecimento dele tínhamos falado sobre isto. Ele estava completamente entusiasmado com o projeto”, lembra.
Fernando Correia de Oliveira está determinado a não deixar que este último projeto de Pedro Palma caia no esquecimento. “Acho que o projeto tinha tudo para ter sucesso, tem pernas para andar, e ainda vou tentar insistir com alguns designers em Portugal. Eventualmente até avançar para uma linha de relógios em homenagem ao Pedro.”
O bon vivant mulherengo que gostava de relógios e tinha um fornecedor privado de charutos
O gosto de Pedro Palma por relógios e por Ferraris não era estranho para Fernando Correia de Oliveira. “Ele era um bon vivant. Gostava de bons carros, de charutos, de um bom gin tónico e de bons relógios. Tudo o que fosse de um certo requinte, que lhe desse estatuto, ele gostava. Até tinha um abastecedor de charutos especial e tudo”, lembra o jornalista. Ao mesmo tempo, tinha um grande sonho de vida: “Ir para Nova Iorque. Era o que ele queria mesmo fazer. Aliás, ele de vez em quando, sem dizer nada a ninguém, metia-se num avião e ia para Nova Iorque. Por isso é que quando ele desapareceu há uns dias, inicialmente achei que fosse mais uma das extravagâncias dele.”
Pedro Luiz de Castro também recorda esta faceta do artista: “Tinha um grande amor por Nova Iorque. Buscava um certo glamour e por isso viver lá era o grande sonho dele”. Mas com a busca pelo glamour veio também o lado negro, sobretudo nos últimos anos, já doente, com “algumas incursões pelo mundo das drogas”.
Mas Pedro Palma era, sobretudo, “um mulherengo com muito orgulho”, recorda o ex-jornalista. “Há que admitir que ele era um homem muito interessante, bonito, e por isso sempre foi um Don Juan, um arrebatador”, conta Pedro Luiz de Castro, que lembra “os muitos namoros de circunstância do Pedro”. “Ele até costumava dizer que tinha sido o responsável pelo divórcio da Cristina Caras Lindas, uma daquelas eternas namoradas. Ele dizia que ‘ela está onde está, eu estou onde estou e de vez em quando encontramo-nos’.”
“Um belo dia, mais de uma década depois do casamento com a senhora indiana, acabou por cair nas garras da Clara Pinto Correira e ainda recordo com inegável saudade quando ele me ligou a dizer: ‘Quero ir almoçar a tua casa para te apresentar a Clara’. E nesse almoço vi-os muito apaixonados, muito ternos um com o outro”, lembra Pedro Luiz de Castro. O casamento com a escritora duraria pouco — apenas dois anos — e Pedro Palma retomaria os “namoricos” que viveu nos últimos anos.
“Desencantado com a profissão” e “desiludido com a vida”
Depois de mais de 30 anos a desenhar, escrever e fotografar, Pedro Palma sofreu em 2013 um aneurisma da aorta que lhe condicionaria os últimos quatro anos de vida. A cirurgia complicou-se e deixou-lhe marcas profundas, tendo inclusivamente sido infetado com uma bactéria hospitalar, perdido um rim e ficado dependente de medicamentos diários. “Ele chamou uma série de nomes à equipa de médicos que o operou, porque apanhou uma bactéria no hospital. Chamou-lhes todos os nomes possíveis e imaginários, ficou muito abalado com a questão”, explica Pedro Luiz de Castro, recordando até que o fotógrafo “costumava muitas vezes mostrar a ferida no peito e lembrar a operação”.
Também Fernando Correia de Oliveira recorda de Pedro Palma “alguma desilusão em relação à vida depois daqueles problemas de saúde”, destacando que o fotógrafo acabou por se virar para a Internet. “Ele expunha muito, talvez demasiado, a vida dele no Facebook”, lembra.
O último episódio aconteceu há cerca de dois meses, na propriedade de Pedro Luiz de Castro no Alentejo, onde o fotógrafo foi passar um fim de semana. Quando acordou, no domingo de manhã, “disse que tinha passado muito mal a noite, mas que ia na mesma regressar a Lisboa, passando primeiro por Cuba para fotografar a igreja de lá”. À noite, o ex-jornalista recebeu um telefonema de Rosário Palma, a irmã de Pedro Palma. “Sabe do Pedro? É que o carro dele foi abandonado em Alcácer do Sal e acho que ele chamou uma ambulância e foi para Beja”, perguntou-lhe Rosário. Pedro Luiz de Castro acabou por ir ao hospital de Beja e encontrou Pedro Palma sem comer desde a manhã. “Falei com a médica e ela disse-me que ele estava mesmo muito mal”, recorda. O fotógrafo acabou por ter de regressar a Lisboa de ambulância e, desde então, os problemas de saúde agravaram-se. “Ele tinha 58 anos mas parecia muito mais velho, o aspeto físico dele degradou-se substancialmente depois da operação”, recorda.
Também o diretor do Museu Nacional da Imprensa, Luís Humberto Marcos, que conheceu Pedro Palma na década de 90, a propósito da participação do cartoonista em iniciativas do museu — que organiza, entre outras iniciativas, o PortoCartoon –, recorda Palma como “um jornalista inquieto e apaixonado, que nos últimos anos estava bastante desencantado com a profissão”. Ao mesmo tempo era “um homem extremamente generoso, algo que o levou a doar ao museu aquele espólio enorme, muito valioso, e que ajuda a ler as décadas de 80 e 90 em termos da esfera política nacional”.
Em 2009, o museu organizou uma exposição com cerca de 80 cartoons para assinalar os 30 anos do primeiro desenho de Pedro Palma. Para 2019, ainda sem certezas, poderá ser programada uma exposição de homenagem “sobre toda a obra dele”, contando com o espólio que o artista ofereceu, em 2015, ao museu. Foi precisamente nesse ano que Luís Humberto Marcos esteve pela última vez com Palma. “Antes de assinarmos o protocolo, encontrámo-nos no Hotel Baía Cascais e tivemos uma longuíssima conversa. Pelo meio, ele ia tirando fotografias e mostrando novas máquinas e novas técnicas. Como ele ia muitas vezes aos Estados Unidos, trazia muitas novidades de lá”, recorda.
Nesse encontro, Luís Humberto Marcos encontrou Pedro Palma “muito doente e muito abatido”, com “uma grande dependência de medicamentos”. “Fui notando isso ao longo da conversa, mas ao mesmo tempo ele apresentava uma certa tranquilidade”, lembra. O fotógrafo e cartoonista acabaria por assinar o protocolo com o museu cedendo todo o seu espólio de cartoons. “É uma oferta que nos responsabiliza muito. Deu-nos 30 anos de trabalho da vida dele, por isso temos a responsabilidade de cuidar do espólio e de o homenagear”, garante. “Tinha um olhar sagaz e irónico, de alguém muito inquieto, que procura descobrir o que está para além do olhar comum na cena política.” Com o desaparecimento de Pedro Palma, remata Luís Humberto Marcos, “fica a obra de uma vida inteira que documenta uma época de Portugal”.