Donald Trump, o magnata que resistiu a uma sucessão de escândalos e perdeu os debates televisivos, venceu as eleições de 8 de novembro e tornou-se o 45º Presidente dos Estados Unidos da América. Numa votação (mais uma) que passou uma rasteira à maioria das sondagens, o candidato republicano obteve uma vitória total — venceu a corrida para o número mágico do colégio eleitoral de 270 votos, caminhava para ganhar o voto popular e, por outro lado, garantiu que o partido continua a controlar o Senado e a Câmara dos Representantes. Donald Trump é o novo líder do mundo livre.

A vitória surpreendente de Donald Trump não foi uma vitória, foi muitas vitórias. Quem diria que Trump iria conseguir vencer na Florida, onde as sondagens indicavam que os hispânicos iam dar uma vitória à democrata naquele estado e ajudá-la a dar um salto de gigante na corrida para a Casa Branca? Ao início da madrugada em Lisboa, Trump foi declarado vencedor naquele estado crucial e, a partir daí, o cenário de uma vitória do magnata anti-establishment tornou-se bem real.

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Trump viria a ganhar, também, o Ohio e a Pensilvânia, apoiado no voto branco, da classe trabalhadora. Na Florida, o partido republicano conquistou, não só, os 29 votos de “grandes eleitores” do colégio eleitoral, mas também Marco Rubio, que tentou desafiar Trump nas primárias do partido, conseguiu uma vitória importante que ajudou a garantir a vitória do republicanos no Senado.

Donald Trump campaign event in Miami

Trump venceu na Pensilvânia, onde desde 1988 os republicanos não ganhavam. A partir daí, o resultado tornou-se claro.

A vitória tornou-se quase certa após a vitória no estado da Pensilvânia, conhecida pelas 6h30 (hora de Lisboa). Foi a primeira vez desde 1988 que os republicanos ganharam na Pensilvânia. No Ohio, onde há mais de 70 anos ganha sempre o candidato que acaba por perder as eleições, também votou Trump, num reflexo das dificuldades sentidas na indústria manufatureira naquele estado (e em tantos outros).

A Carolina do Norte, um dos estados mais renhidos, também foi para Trump. Mais 15 votos para o Colégio Eleitoral, um estado em que os democratas deram tudo por tudo para recuperar, pedindo aos eleitores democratas que não ficassem em casa. O esforço acabou por revelar-se infrutífero, já que os democratas também perderam na Carolina do Norte.

A estocada final veio com a vitória no Wisconsin, onde Trump também ganhou.

Hillary Clinton levou estados como a Califórnia, o Nevada e Nova Iorque. Mas a campanha de Clinton não quis reconhecer, para já, a derrota, dizendo que ainda se estão a contar os votos — e “todos os votos contam”, lembrou o diretor de campanha de Hillary Clinton. Trump estava a vencer o voto a nível nacional, com mais de um milhão de votos de diferença.

Os mercados voltaram a ser apanhados em contrapé. Os chamados futuros da bolsa de Nova Iorque derraparam, apontando para uma queda maior do que no 11 de setembro. Os investidores refugiaram-se no ouro, o clássico investimento de refúgio que está em alta. Um risco enorme para os mercados financeiros é que Donald Trump já manifestou o seu desagrado com as políticas de juros baixos da Reserva Federal e quer substituir Janet Yellen na presidência do organismo, o que pode colocar em causa as injeções de liquidez que têm mantido os mercados em alta nos últimos.

Afinal, precisávamos (mesmo) de falar sobre Donald Trump

No seu discurso de vitória, que começou pouco antes das 8h da manhã em Lisboa, Trump garantiu que será o “Presidente de todos os americanos“.

“Temos um grande plano económico, vamos duplicar o crescimento e ter a economia mais forte do mundo. E vamos dar-nos bem com todas as nações, vamos ter ótimas relações com os outros países. Nada que quisermos para o nosso futuro está fora do nosso alcance”, afirmou o 45º Presidente dos EUA.

No último fim de semana, no texto Precisamos de falar sobre Donald Trump, onde tentámos antecipar o que poderia ser uma presidência de Trump.

Para o politólogo Carlos Jalali, “não temos uma ideia muito clara do que pode vir a ser ação política de Trump, porque ele nunca exerceu um cargo político”. Além disso, acrescenta o diretor do Mestrado em Ciência Política da Universidade de Aveiro, “as posições assumidas ao longo da campanha nunca foram explicadas, com detalhe, e, por outro lado, houve alguma volatilidade nas opiniões manifestadas” pelo magnata.

Isso faz com que “a verdade irá, provavelmente, estar algures no meio de três narrativas: a que apresenta Trump como um empresário hábil nas negociações, a narrativa que o apresenta como um homem errático e perigoso e, finalmente, uma narrativa que reconhece que o sistema político norte-americano tem mecanismos de freios e contrapesos (os chamados checks and balances) que impedem que Trump possa fazer o que quer”, afirmou o politólogo, em conversa telefónica com o Observador.

Um desses mecanismos de controlo é o Senado, onde as sondagens também davam uma vitória dos democratas. Mas a eleição manteve o organismo na mão dos republicanos. E o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, dizia que “a Constituição e as tradições neste país são uma limitação para todos nós — aqueles que estão no Congresso e aqueles que estão na Casa Branca — protegendo-nos de alguns dos nossos, digamos, impulsos a que gostaríamos de dar sequência”. O responsável acrescentava que Trump “não vai mudar a plataforma do Partido Republicano nem as posições do Partido Republicano. Julgo que mais cedo nós os mudamos a ele do que ele nos muda a nós. Se ele for votado presidente, terá de lidar com um mundo de centro-direita, que é onde a maioria de nós vive”.

Supporters of US presidential canditate Donald Trump celebrates his seats at the United States Studies Center at the University of Sydney on November 9, 2016. Australian stocks climbed 0.80 percent at the open in anticipation of a victory for Hillary Clinton in the US presidential election. / AFP / SAEED KHAN (Photo credit should read SAEED KHAN/AFP/Getty Images)

Uma presidência Trump trará sempre “uma grande incerteza”, diz o politólogo António Costa Pinto. (Foto: SAEED KHAN/AFP/Getty Images)

António Costa Pinto, politólogo e Professor da Universidade de Lisboa, diz ao Observador que uma presidência Trump trará sempre “uma grande incerteza” — e muito depende da forma como os Democratas reagissem à perda de poder, se ficam irados ou se manifestam interesse em fazer pontes. De qualquer forma, António Costa Pinto sublinha que Trump, nas circunstâncias certas, pode acabar por ser mais moderado do que se acredita.

“Os outsiders que chegam em conjunturas de crise ao poder ensaiam um tipo de discurso político diferente ao mesmo tempo que se vão conformando com as instituições existentes”, lembrou o politólogo. Mesmo na questão imigração, Trump não deverá ir tão longe quanto pode querer fazer parecer. “É provável que vejamos um aumento do número de deportações, em especial entre aqueles com algum tipo de cadastro criminal, mas não acredito numa mega-operação de deportações de todos aqueles que estão ilegalmente no país”, antecipou Kathryn Rooney Vera, economista da Bulltick Capital Markets.

E que mais pode Trump fazer?

A proibição de entrada de muçulmanos no país, várias vezes defendida por Donald Trump, é um exemplo de uma iniciativa que o Supremo Tribunal poderia barrar — isto porque a Constituição prevê liberdade religiosa. Contudo, há uma ressalva prevista na lei atual: é possível que Trump consiga algo parecido com um muslim ban se decidir classificar essas pessoas como um grupo cuja entrada “seria prejudicial para os interesses dos Estados Unidos da América”. O mesmo expediente legal foi usado por Ronald Reagan para conter um fluxo muito grande de cidadãos do Haiti que tentavam emigrar para os EUA, no início da década de 80.

A principal bandeira de campanha de Trump é, talvez, a construção de um muro na fronteira com o México. Aí, os enormes custos levariam, muito provavelmente, a que o Congresso tivesse de aprovar a iniciativa. Trump tem dito, contudo, que vai encontrar uma forma de fazer com que fosse o México a pagar, ameaçando o país com tarifas e com a limitação do envio de remessas por parte de mexicanos nos EUA. A resposta do Presidente Enrique Nieto foi, sempre, a recusar a ideia. Um ex-presidente mexicano, Vicente Fox, foi mais longe e garantiu que “o México não vai pagar essa m….. desse muro”.

E há, também, a China, outro alvo preferencial das críticas de Trump ao longo desta campanha. É provável que, para Trump, na first order of business esteja a aplicação de taxas alfandegárias para desincentivar as importações chinesas. E poderia consegui-lo: o Congresso delegou no Presidente o poder de retaliar contra outros países que recorram a práticas comerciais desleais, como o dumping, por exemplo. Caberia ao Presidente determinar se isso estaria ou não a acontecer, já que a definição e a forma de demonstração é tudo menos simples.

NORTH CHARLESTON, SC - FEBRUARY 15: Former President George W. Bush speaks in support of his brother, Republican presidential candidate Jeb Bush,at a campaign rally on February 15, 2016 in North Charleston, South Carolina. The Bush campaign is seeking support in South Carolina, where George W. Bush is popular with the state's large military population, before the Republican primary on Saturday, February 20. (Photo by Spencer Platt/Getty Images)

George W. Bush aplicou taxas alfandegárias contra a China, em 2002. Trump pode fazer o mesmo. (Foto: Spencer Platt/Getty Images)

George W. Bush aplicou taxas alfandegárias ao aço chinês em 2002, algo que foi considerado ilegal pela Organização Mundial do Comércio (OMC). É difícil imaginar que Trump faça outra coisa que não desprezar juízos como esses, vindos de uma organização como a OMC. Recorde-se que até a NATO é, para Trump, uma organização “obsoleta”.

Mas não faltam vozes, nos EUA, que alertam que o risco de erros políticos, por parte de Trump, é muito elevado. “E nem todos os erros são reversíveis”, avisa Mark Kleiman, um Professor de Políticas Públicas na New York University (NYU) que sumarizou em 27 pontos aquilo que Trump conseguirá, realmente, fazer, seja com “uma assinatura de um papel” seja via aprovação em conjunto com organismos como o Congresso, o Senado ou os poderes estaduais.

Entre as decisões e iniciativas que Trump poderia tomar estão, por exemplo, o abandono por parte dos EUA do Acordo de Paris para o meio-ambiente e aquecimento global, que acaba de entrar em vigor, e o rasgar do acordo nuclear com o Irão, assinado por Obama, o que poderia levar a uma guerra com o Irão e a criação de uma bomba nuclear por parte desse país.

Trump teria capacidade, também, segundo a lista de Mark Kleiman, para fazer a vida difícil a jornalistas, adversários políticos (através da Justiça) e, até, rivais empresariais (através da concessão discricionária de benefícios e penalizações fiscais). Muitas das reformas na regulação do sistema financeiro pós-crise de 2008, como o Dodd-Frank, poderiam, também, ter os dias contados. Tal como teriam, também, os programas de cuidados de saúde universais, como o MedicAid, por exemplo, e os programas de Planeamento Familiar.