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AFP/Getty Images

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A seita que nasceu na China e diz que Jesus encarnou numa mulher

Agressões, ameaças, raptos e homicídios. As formas de evangelização da Igreja de Almighty God levaram à detenção de mais de mil fiéis em três meses. Cinco estão a ser julgados por homicídio.

A imagem captada por um telemóvel gira nervosamente. Foca pés e pernas. Ouvem-se gritos. Soa a pânico. A tentativa de obter uma prova do que se está a passar em pleno Mcdonald’s de uma cidade chinesa. Há pessoas imóveis sem saberem o que fazer. Há uma agressão violenta. O homem que filma corre porta fora. A mulher a seu lado chora desesperada. Há sangue. O sangue vem de uma mulher que, minutos antes, esperava o marido e o filho para jantar. Fora abordada por uma família – um pai, um filho de doze anos, duas filhas maiores e duas outras mulheres. Recusou fornecer-lhes o seu número de telemóvel. O homem gritou com ela. “Vai para o inferno, demónio”. E continuou a agredi-la com um cabo de vassoura. Até que a matou.

Zhang Lidong confessou o crime às autoridades. Disse que tinha que matar aquela mulher porque ela era um "demónio". Não mostrou remorsos.

O homicídio ocorreu em maio na cidade chinesa de Zhaoyuan, na província de Shandong, e levou à detenção de cinco suspeitos agora em julgamento. O sexto não se sentou no banco dos réus por ter apenas 12 anos. É filho de Zhang Lidong, um marinheiro desempregado de 54 anos que, naquela noite, estava no McDonald’s acompanhado de outras duas filhas, de 18 e 29 anos, e duas outras mulheres. O grupo começou a ser julgado a 21 de agosto e, numa sessão de oito horas,  manteve o que já tinha dito às autoridades: mataram em legítima defesa porque aquela mulher era um “demónio”.

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Wu Shuoyan, 37 anos, estava à espera do marido e do filho de seis anos para jantar. Aquela família sentou-se ao seu lado e começaram a conversar. “Conheci umas pessoas meio loucas”, escreveu numa mensagem de telemóvel que enviou ao marido às 21h17. Foram as últimas palavras que lhes escreveu. Quando recusou fornecer o seu número de telemóvel, Zhang Lidong agarrou num cabo de vassoura e começou a agredi-la. “Não voltes na próxima reencarnação”, gritava. O resto do grupo ameaçava clientes. Se eles interviessem tinham igual destino.

O grupo foi detido e a polícia anunciou que faziam parte da Church of Almighty God (Igreja de Deus Todo Poderoso, tradução livre), também conhecida por Eastern Lightening. Numa entrevista que concedeu a uma televisão chinesa, a partir da cela onde ficou preso, o principal suspeito não mostrou qualquer remorso. “Ela era um demónio”. E corroborou que ele e os co-arguidos eram membros da igreja.

O julgamento dos cinco suspeitos de homicídio

A seita que acredita que Jesus encarnou numa mulher

A Almighty God, ou Eastern Lightning, nasceu nos anos 90.  Zhao Weisha, professor de Física, conheceu Yang Xiangbin, em Zhengzhou, província de Henan. A mulher auto intitulava-se “Lightning Deng” (relâmpago de Deng) e tinha escrito um livro com uma nova versão chinesa da história de Cristo. Chamava-se “Lightning From the Orient” e é ainda hoje a bíblia seguida por um milhão de fiéis. Foi Zhao que a declarou a reencarnação de Cristo e que a elegeu como líder espiritual.

Eastern Lightening à esquerda e o companheiro que fundou o movimento, Zhao Weishan

Os dois chegaram a integrar a lista de procurados da polícia chinesa e terão viajado para os Estados Unidos com passaportes falsos, onde pediram asilo politico. Será a partir do bairro ChinaTown em Nova Iorque que gerem a Church of Almighty God, já com ramificações em todo o mundo. Durante anos, este culto foi mantido em secretismo até que, em 2012, a propósito da profecia do apocalipse Maia alguns grupos começaram a assumir as suas crenças. Um designer de interiores de 30 anos contou à Vice, em 2013, que a maior parte dos crentes eram pessoas com “pouca formação” e grande parte “desempregados”. Na sua terra chegou a assistir a encontros de mulheres nuas que dançavam à volta de fogueiras. Há relatos de que convenciam novos membros através da sedução.

O grupo começou por dedicar-se a recolher membros nos meios rurais. Hoje há muitos crentes que têm formação superior.

A realidade que Wei Guangzheng testemunhou é, no entanto, diferente daquela descrita um ano depois pelo The Telegraph. Aqui conta-se a história de Peng Lijuan, uma mulher de 28 anos formada em Ciências da Computação e que terá sido aliciada a juntar-se à Igreja de Deus Todo Poderoso. Em casa deixou os seus documentos, os seus bens pessoais. E o marido. Peng, o homem que a perdeu para a religião, conta que já algum tempo que a mulher deixara de ter vontade de trabalhar e que passava muito tempo a ver vídeos na internet. “Andava muito misteriosa, sempre a guardar segredos e sem permitir que vissem os seu telemóvel”, diz.

https://www.youtube.com/watch?v=EoCdGr_DyV4

Não foi caso único. Em Pequim, Qi Jiangui, engenheiro numa fábrica de peças de carros, diz que 90% dos novos membros da seita são mulheres e que foram levadas para a Igreja por intermédio de amigos ou familiares. Os dois homens recusam que a seita possa estar ligada a orgias, a chantagens sexuais ou a raptos de padres como se tem dito. “Pode haver casos extremos, mas basicamente os membros da Igreja são pessoas de coração bom”, diz Qi, que foi deixado com um filho ainda pequeno para criar. No entanto, deixa a ressalva. “Pode ver como é que este culto está tão longe do Cristianismo, que apregoa que a família é importante. Quem diria a uma mãe para deixar a sua criança para trás?”.

Estima-se que 30 mil famílias tenham sido abandonadas por familiares que quiseram juntar-se à seita. Há páginas na internet onde se relatam estas histórias

Qi é uma das centenas de pessoas que usam a internet para deixar o seu testemunho. “Deve haver 30 mil famílias em Pequim que foram abandonadas”, diz. “Pelo que as pessoas dizem, o culto é como uma pirâmide e os membros da base não conhecem os de topo. O propósito é juntar dinheiro. Têm de dar donativos”, disse. “Agora estão à procura de membros com mais formação”. E dá o exemplo de uma mulher pós-graduada que se juntou à Igreja e de um polícia que acabou condenado quando souberam que tinha integrado o grupo. O jornal inglês “The Telegraph” conseguiu o testemunho de um membro da seita, uma mulher de 31 anos que pediu para não ser identificada. Ela acabou por abandonar a seita e teme represálias.

"A estratégia entra aos poucos dentro de ti. É como ter aulas. Dizem-nos que há três passos para acreditar em Deus. Primeiro acreditas em José, depois em Cristo, depois na reincarnação de Cristo. Pedem-nos para converter mais pessoas ou Deus ficará chateado. Os encontros são dirigidos por 'professores'. Os novos membros, como eu, não podem fazer perguntas sobre as suas vidas pessoas. Só conhecia a minha professora como a "Pequena Vermelha" (tradução livre). Nem sabia o seu nome verdadeiro".
Ex-membro da seita

À Vice, um conhecido pastor americano que foi detido na China por suspeitas de integrar a seita, contou que há uma certa “paranoia” no país por causa da “Eastern Lightning”. Dennis Balcombe acabou libertado porque nada tinha a ver com o movimento, mas ainda chegou a ser atacado pelos seus membros durante um seminário em Hong Kong. “Eles são extremamente violentos e usam o sexo para converter as pessoas. Ouvi histórias de pessoas queimadas, torturadas e a quem foi dito para matarem os seus filhos. Quando és raptado, não te libertam durante seis meses. E fazem-te uma lavagem cerebral”, disse.

É como a “máfia”, prossegue o padre. “Eles não estão só preocupados com a religião, mas em extorquir dinheiro”. O governo chinês acredita que haja financiamento do exterior. E que até existam padres a receber dinheiro para converterem os seus fiéis a este Cristo que reencarnou numa mulher.

 

Uma batalha contra o “Grande Dragão Vermelho”

A Almighty God é contra o Partido Comunista Chinês, ao qual se refere como o “Grande Dragão Vermelho”. Ligada a crimes de extorsão e rapto, a seita chegou a integrar uma lista de 14 grupos religiosos banidos pelo Ministério Chinês de Segurança Pública desde 1995. Emily Dunn, investigadora de estudos asiáticos na Universidade de Melbourne, fez uma tese de doutoramento sobre este grupo. À CNN explicou que a ilegalidade tornou o grupo “secreto e paranoico”. Os membros não se conhecem entre si para não correrem o risco de se denunciarem em caso de detenção pela polícia. Enquanto o governo chinês apertou o cerco a estes grupos religiosos, a Church of Almighty God aumentou o seu discurso antigoverno.

A Igreja defende-se contra o que diz serem "rumores" criados pelo governo chinês, que baniu 14 grupos religiosos no país.

Estima-se que este movimento tenha já um milhão de seguidores. O governo olha para o grupo como uma ameaça. “Houve registo de homicídios e agressões”, revela a investigadora. A polícia chinesa chegou mesmo a publicar imagens das atividades do grupo para alertar os pastores das igrejas que são aliciados a aderir à seita. E descreve-a como “um exemplo clássico de um culto do mal, que utiliza o nome de uma falsa religião para levar a cabo ações contra os outros”.

Membros da Igreja, que têm uma página de internet onde fornecem informação sobre o seu culto, responderam à CNN não ter um representante que responda pelo grupo no seu todo. Mas que é normal que o governo chinês os culpe do homicídio registado no McDonald’s. “Fazem circular falsos rumores para nos atacar”. Desde o homicídio registado em maio, a polícia chinesa já deteve mil membros do grupo.

 

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