Passados 26 anos sobre a primeira edição d’O Independente, Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso reuniram-se para falar sobre o jornal que criaram e que foi um dos maiores opositores aos governos de Cavaco Silva, agitando a cena política e jornalística em Portugal. Sobre o que escreveu e disse na altura, o vice-primeiro-ministro admitiu ter pedido desculpa a várias pessoas. Já Miguel Esteves Cardoso tem um entendimento diferente: “Agora envergonho-me, mas gostei de ter feito”.

Foi em maio de 1988 que O Independente nasceu. Hoje, em maio de 2014 – e já sem a existência d’O Independente que terminou em 2006 -, Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso reencontraram-se publicamente para falar, com moderação de Catarina Portas, sobre aqueles tempos em tom revivalista e com casa cheia – na loja do Intendente da Vida Portuguesa – para os receber. Miguel Esteves Cardoso brincou e disse que passado todo este tempo, o jornal “está na fase da formação da lenda”, e agora, que está do outro lado da barricada, Portas admitiu que o jornal que fundou “não teria sido o que foi se não tivesse existido naqueles dez anos uma maioria absoluta como aquela que existiu”.

Sobre a oposição aos governos de Cavaco e aos excessos cometidos, Paulo Portas admite ter feito coisas “não estavam certas” e declara: “magoámos pessoas, eu peço desculpa por isso”. Já Miguel Esteves Cardoso, sem qualquer obrigação de ser politicamente correto, justificou a perseguição “à meia branca” – marca dos ministros dos Cavaco Silva, ostensivamente perseguidos pelo O Independente – pela juventude dos dois e da restante redação. É uma das coisas de que hoje se envergonha, confessa o escritor, que também lembrou a entrevista a Torres Couto, antigo líder da UGT, em que o jovem Miguel e o jovem Paulo esperavam “grelhar” o sindicalista e acabaram por ser “comidos vivos”.

Não havia independente sem maioria de cavaco

Paulo Portas, que um dia escreveu nas páginas do seu jornal que só iria para política se estivesse louco, disse este sábado que “é muito comum” a passagem do jornalismo para a política. “Eu sou um caso muito visível, mas há outros” sublinhou, dizendo que a sua opção de entrar na vida política foi também motivada por estar “dependente d’O Independente”. A justificação de Esteves Cardoso para esta passagem de Portas foi a “preguiça” de continuar a pegar no jornal, embora a política sempre tivesse sido sempre um objetivos para os dois – “Nós tínhamos um sonho, um plano de fazer um pequeno partido conservador”.

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O vice-primeiro-ministro relembrou que O Independente tinha uma relação especial com o poder. “Havia uma relação entre a nossa existência e o poder politico da altura, por mais que a nossa existência fosse adversa ao poder político” classificando a relação com Cavaco Silva como “tensa”. Mesmo com esta relação e a novidade que o jornal trouxe ao panorama político em Portugal, Esteves Cardoso desdramatizou o impacto d’O Independente na política. “Lembro-me quando Cavaco era eleito com cada vez mais votos, apesar do Independente e o Paulo disse-me: ‘nós não temos influência nenhuma’ e eu disse: ‘eu sei, mas ninguém pode saber disso'” contou.

O Independente durou o tempo que durou

Apesar de estarem reunidos para falar sobre jornais, O Independente em particular, nem Esteves Cardoso, nem Paulo Portas auguram um futuro brilhante aos jornais. “Eu acho que os jornais em papel não têm um longo destino, mas não é só cá em Portugal” afirmou Paulo Portas. Mas no fim da década de 80, para lançar O Independente o panorama, segundo o líder do CDS, era outro: “Alguém tinha de fazer uma coisa assim diferente”.

Para Miguel Esteves Cardoso, “o poder de ter um jornal era uma coisa maravilhosa”, explicando que o que os movia naquela altura “era uma inocência corajosa qualquer”. “Nós gostávamos de ser outsiders, não queríamos jantar com políticos, isso corrompe” afirmou, lembrando um telefonema em que lhe disseram que o PM (primeiro-ministro) queria tomar pequeno-almoço com ele e Paulo Portas. Disse ter retorquido: “Quem é o PM?”.

No jornal, segundo Paulo Portas e durante os sete anos em que foi dirigido por si – em 1995 saiu para se candidatar à Assembleia da República pelo CDS -, “era muito claro aquilo de que nós gostávamos e aquilo que nós não gostávamos e isso, ao contrário do que as pessoas pensam não divide, permite às pessoas fazer uma escolha boa”. “Eu não preciso concordar com um jornal, preciso é que o jornal seja inteligente” apontou. Sobre o fim d’O Independente, Paulo Portas não se mostrou nostálgico, sublinhando que o jornal nunca quis ser perpétuo e “durou o tempo que tinha de durar”.