Fui sempre de opinião que o semi-presidencialismo não existe e, quando parece existir, não funciona. Quem inventou o termo foi o constitucionalista francês Maurice Duverger para designar o regime criado pelo General De Gaulle em 1958, na sequência da crise político-militar causada pela guerra da Argélia. Na realidade, o regime gaullista, sob o qual vivi vários anos, foi sempre presidencialista, pois não há regimes com dois a mandar. Só que De Gaulle não queria perder tempo com a administração corrente e criou um pseudo primeiro-ministro para tratar disso enquanto ele dirigia os altos destinos da França.

Em Portugal, o pretenso semi-presidencialismo também se deve à dificuldade de conciliar os poderes civis e militares depois do golpe de Estado que resolveu o problema da descolonização. E também nós tivemos disputas entre a presidência e os primeiros-ministros, sendo célebre a intempestiva criação de um partido presidencialista pelo general Eanes no final do seu mandato… Já antes disso, a constituição fôra revista a fim de reduzir a presidência à sua relativa insignificância e os primeiros-ministros passaram a exercer mais à vontade o seu cargo. A maior excepção foi operação da «vacina» promovida pelo presidente Sampaio em 2005 contra Santana Lopes, após a demissão de Durão Barroso, a qual devia ter sido seguida imediatamente pela convocação de eleições legislativas, tanto mais que a coligação PSD-CDS não fôra a votos…

Em Julho de 2013 foi o líder do CDS que não aguentou a pressão da herança de Sócrates e tomou a «irrevogável» decisão de se demitir, fazendo com que o actual PR, que até aí liderara discretamente a oposição dos antigos barões do PSD ao novo líder do partido, aproveitasse para promover – tarde demais – um pacto inter-partidário. Porém, graças à intransigência dos herdeiros de Sócrates, Cavaco foi obrigado a apoiar Passos Coelho e a forçar Portas a revogar a irrevogabilidade. Do mal, o menos!

Seja como for, os restos do semi-presidencialismo continuam a ter consequências nefastas. Agora, a presidência da República vai estar impedida de convocar eleições 6 meses antes das legislativas e outros 6 depois de o novo presidente ser eleito. Mesmo que a situação do país o exija, isso não será possível até Agosto de 2016! Numa palavra, a eleição directa confere ao PR mais votos do que poderes. Actualmente, a presidência da República tem mais legitimidade eleitoral do que capacidade efectiva de influenciar a política nacional. As pessoas olham para o PR e a sua maioria eleitoral mas este não tem resposta para lhes dar. Vê-se que as luminárias que congeminaram a nossa constituição têm mais jeito para criar dificuldades do que para resolver os problemas do país.

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Tudo isto vem confirmar que é a própria Presidência da República que está em causa e que esta deveria ser objecto da tal reforma do Estado de que tanto se fala mas que não irá acontecer, pois não serão os partidos que dependem da actual constituição que irão mexer nela, por mais necessário que isso seja a fim de resolver a intratável questão de uma representação política diferente e mais adequada às necessidades nacionais, regionais e locais

Cada um de nós tem o seu modelo. O meu é há muito tempo este: duas câmaras, como de resto sempre foi a tradição genuinamente liberal, com um parlamento de 150 deputados eleitos num círculo único e um senado com 5 representantes por distrito e regiões autónomas, ou seja cem senadores não remunerados. Em conjunto, as duas casas (Congresso) elegeriam o PR, porventura acrescentando a eles outros representantes populares como os presidentes das câmaras municipais. Mas podem esquecer: uma tal reforma, embora indispensável, só em caso de terremoto!

Ao contrário de muitos, sou contra os círculos uninominais pois degenerariam imediatamente no clientelismo puro e destruiriam o que resta dos partidos. E ao contrário de uns novos interessados que saíram outra vez da toca, sou contra a regionalização, pois esta não faria mais do que criar a ilusão de falsos poderes. Já existem cinco regiões de coordenação; podia-se alargar algumas das suas competências e fazer escolher os presidentes regionais pelos eleitos municipais com a vinculação de avaliar os resultados em data marcada… Como estas, há diversas soluções práticas, mas os beneficiários da teia constitucional que nos asfixia há 40 anos, ou seja, os partidos actuais, nunca estarão de acordo com nenhuma delas. Por isso, o nosso maior partido é e será cada vez mais a abstenção!

Em face disso, a questão das candidaturas presidenciais revela, não a importância do cargo e o tacticismo dos dois únicos partidos capazes de eleger um PR, mas sim o contrário. O cargo é demasiado ingrato e cada vez com menos poder. O recente caso criado pela comunicação social a propósito de uma eventual candidatura do Professor Nóvoa (de quem sou amigo e fui colaborador na Reitoria da Universidade de Lisboa) só serviu para pôr os próceres do PS à bulha na internet. O facto é que nem o PS nem o PSD têm um candidato à mão, ficando tudo para depois da contagem de votos das legislativas do Outono. Não devia ser assim mas é o que é, por falta da reforma da representação política!