Muitas vezes por dia ouve-se repetir com unção a fórmula “as famílias e as empresas.” Apesar disso não se percebe muito bem que ligação possa existir entre famílias e empresas. Numa empresa, por exemplo, eu posso comprar e vender quotas, substituir gerentes, requerer a falência, votar decisões e derrotar uma oferta de compra hostil; uma família em que se pudessem fazer todas essas coisas não corresponderia à noção familiar de família.

Existe uma noção familiar de família no sentido em que existe uma noção familiar de tartaruga, de triângulo, ou de queijo. Existem várias espécies de família que correspondem a essa noção familiar, como existem várias espécies de queijo, de tartaruga ou de triângulo. Mas uma mãe destituível por votação maioritária dos membros da família é como uma tartaruga com asas, um triângulo com quatro lados, ou um queijo feito de lã.

Se numa família, como quase todos acabamos por aprender, nada de decisivo se determina por votação, numa empresa não é razoável exigir amor entre os sócios, e muito menos laços biológicos. O processo de justiça celebrado na parábola do filho pródigo quase nunca resulta bem com accionistas minoritários; o papel do complexo de Édipo é negligenciável; sentar executivos renitentes nos joelhos e explicar-lhes os factos da vida é considerado suspeito; passar os fins-de-semana juntos é uma prática esporádica.

Um contra-exemplo óbvio seria a noção de empresa familiar. No entanto, a expressão ‘empresa familiar’ é parecida com a expressão ‘tartaruga sueca’, que não se refere ao resultado do cruzamento entre uma tartaruga e uma pessoa sueca. Empresas familiares são apenas empresas em que existem laços familiares entre os accionistas ou os sócios (e às vezes empresas cujos sócios as confundem com famílias). Tal como uma couve-flor não é uma espécie de flor, assim as empresas familiares não são uma espécie de família. Nenhuma família vem equipada de fábrica com uma empresa. O contra-exemplo não colhe.

Se este argumento for verdadeiro, nem a existência de famílias pressupõe a existência de empresas nem a existência de empresas pressupõe que haja famílias. A expressão “as famílias e as empresas” não é como ‘par e ímpar,’ ou ‘solteiros e casados.’ Tampouco é como ‘as vacas e as vitelas’ ou ‘futebol de salão e futebol de onze.’ É antes como ‘tremoços e cerveja’, ou ‘IRS e IRC.’ Denota duas entidades que por hábito ou costume nos habituámos a ver na vizinhança uma da outra, mas a cuja vizinhança não assiste qualquer necessidade particular. E, tal como um mundo em que as únicas escolhas fossem entre tremoços e cerveja seria limitado e cansativo, assim um mundo cuja mobília se divide apenas em famílias e empresas parece pobre e irrealista.

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