Reparámos talvez que em ocasiões públicas a coluna vertebral da pessoa ao nosso lado se começou a contorcer e a inclinar para os lados. Naturalmente apenas em algumas ocasiões públicas: num circo ou numa aula de ginástica a ocorrência não é surpreendente, porque nesses casos não temos dúvidas de que se trata do efeito de uma acção deliberada. A surpresa vem de, sem que haja sinais de deliberação ou sombra de instrução palpável, as colunas dos nossos vizinhos começarem a descrever círculos e elipses complexas. É o fenómeno conhecido por escoliose.

A quem tenha testemunhado a ocorrência parecerão justificadas as perplexidades dos especialistas: qual pode ser a origem da escoliose? Uma coluna vertebral direita é tradicionalmente característica das pessoas admiráveis. Parece misterioso que um pilar do corpo que associamos a virtudes comece a cirandar independentemente da vontade do proprietário. Nos templos gregos os movimentos das colunas demoravam muito mais tempo, e deviam-se a causas geológicas e sismológicas. Para explicar contorções humanas a física é todavia de auxílio limitado. E é por isso que as autoridades são geralmente tão cautelosas acerca das origens da escoliose.

“A ontogénese,” recita-se em vez disso nas escolas, “recapitula a filogénese.” Entende-se por esta doutrina que o que acontece a alguém durante a vida repete abreviadamente o que acontecera à respectiva espécie. Aplicado ao caso que nos ocupa, a ideia poderia indicar que as surpresas que certas colunas alheias nos proporcionam são uma característica da espécie a que pertencem os seus proprietários; a nossa espécie seria por definição dada a entorses de coluna, porventura efeito de uma queda anterior. É uma explicação desnecessariamente melancólica: todos teremos caído, mas nem todos os membros da nossa espécie sofrem de escoliose. A escoliose é mais como uma inclinação, uma variedade de doença profissional que pode afectar reis e camponeses, subalternos que têm medo e superiores que querem amor.

Como explicar então adequadamente esta ladinice das colunas vertebrais? A ciência sabe que quando alguns animais pressentem perigo ou ameaça por parte de outros animais as suas colunas podem começar a girar e a entortar. Foi também observado que, à medida que numa situação de perigo as colunas entortam, o entorse é percebido pelo animal que causa o perigo como inexistente. Parece assim que o organismo dos animais ameaçados consegue gerar uma ilusão de óptica poderosa nos seus inimigos, que fará com que, graças às contorções das suas colunas, deixem de lhes prestar atenção. Ao concluir que não lhes irão causar quaisquer dissabores, os anteriores inimigos deixarão os escoliados em paz; e os escoliados sobreviverão ilesos. Quem contudo assista de um outro ângulo às transformações não reparará na ilusão de óptica engenhosa, e terá registado somente as contorções dos animais aflitos; e, como quem admira um acrobata por instinto, ficará espantado com as proezas de que os seus colegas de espécie foram capazes para poder assegurar a sua sobrevivência.

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