Neste momento, a confrontação violenta entre os separatistas e os defensores da permanência da Catalunha no Estado espanhol parece contida. Por uma vez, o primeiro-ministro Rajoy e o PP actuaram inteligentemente, dissolvendo o parlamento catalão e demitindo o governo dele resultante, ao mesmo tempo que convocavam novas eleições no mínimo espaço de tempo legal para dia 21 de Dezembro, isto é, daqui a menos de 8 semanas. Entretanto, o governo central impôs pela primeira vez na história da democracia espanhola e do Estatuto das Comunidades Autonómicas o Artigo 115 da Constituição, aprovada na época por perto de 90% dos residentes na Catalunha.

Artigo 155 parece, pois, estar a ser imposto com o máximo cuidado e, até agora, sem reacção aparente da «rua» mobilizada até há pouco pela extrema-esquerda anti-europeísta da Candidatura de Unidade Popular (CUP), a qual possui os 10 deputados que faltam à coligação nacionalista dos «Juntos pelo Sim» para fazer mais de metade dos deputados, embora menos de 50% dos votos! Por isso é que os independentistas tradicionais cederam perante a CUP e, em vez de dissolverem a Generalitat e de marcarem eles próprios novas eleições para tentar dirimir o conflito democraticamente, proclamaram uma República que poucas horas durou e que ninguém defendeu na «rua» nem tão pouco na administração e na polícia catalãs, agora controladas pelo governo central.

Perante esta aparente vitória do governo central com o apoio dos partidos socialistas central e catalão, Carles Puigdemont e outros líderes do seu partido (o actual PEdeCat, continuador da antiga CiU) lembraram-se de fugir ao processo que lhes foi inevitavelmente instaurado pelo Tribunal Constitucional. Refugiaram-se na Bélgica como se fossem «exilados políticos», recorrendo assim a um gesto vão que desarmou muitos dos seus apoiantes. O próprio Puigdemont foi incapaz de explicar a fuga de forma inteligível na sua conferência de imprensa da manhã de terça-feira, como de resto lhe tem sucedido desde o início do chamado procès independentista. É altamente improvável, contudo, que a União Europeia dê «asilo político» aos fugitivos.

Pouco antes de o governo central decidir – com o apoio da larga maioria do parlamento nacional! – pôr ordem no dito procès, restituindo assim a palavra aos Catalães sobre os desígnios confiados aos seus próprios políticos, as sondagens davam uma maioria de eleitores contra a independência da Catalunha, mantendo-se contudo a opinião pública muito dividida. No mesmo momento, porém, outra sondagem feita pela agência catalã dava nova vitória por estreita margem de eleitos aos três partidos separatistas mas sem a maioria dos votantes.

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Depois de alguma vacilação, os três partidos soberanistas acabaram por aceitar o desafio das eleições marcadas pelo governo central. É o melhor início possível para ultrapassar um diferendo com raízes históricas muito antigas e que deixará marcas profundas para o futuro, seja qualquer a solução encontrada após a votação de Dezembro. E aqui há que dar razão, por uma vez, ao inepto líder da rebelião. Garantiu Puigdemont em Bruxelas que aceitaria os resultados da próxima eleição. Ao mesmo tempo, perguntou se o governo central e os partidos que se opõem à independência da Catalunha os aceitam também?

Por outras palavras, o que sucederá em Madrid no caso – não impossível! – de a actual maioria separatista voltar a ter a maioria por um deputado que seja? Presumivelmente, os separatistas pretenderiam recomeçar o procès onde este ficou no dia da imposição do artigo 155 da Constituição, ou seja, voltaria tudo à estaca zero. E é isso que não pode acontecer. A campanha eleitoral terá de servir, para além da defesa dos programas de cada um dos partidos, por um triplo acordo sobre as condições em que cada uma das coligações – pró e contra a separação – se colocará perante a eventual independência da Catalunha, seja qual for o resultado da votação.

Primeiro, é preciso saber se um deputado seria suficiente para conferir à maioria separatista o direito de impor a independência ou se tal decisão, que continua a ser anti-constitucional, só teria vencimento no caso de se verificar uma maioria qualificada a fixar. Em segundo lugar, os partidos opostos à independência têm obrigação de clarificar quais as alterações ao actual Estatuto da Catalunha que estariam disponíveis para fazer de maneira a que os pró-independentistas abandonassem o procès no caso de não terem maioria qualificada.

Finalmente, no caso de essa maioria qualificada se verificar, o que é muito improvável que suceda se tudo fôr clarificado à partida, todos ou, pelo menos, a maioria dos partidos do parlamento espanhol deveriam comprometer-se a conceder à Catalunha uma separação negociada que lhe garantisse, nomeadamente, que continuaria a ser membro da União Europeia e da Zona Euro. Infelizmente, não é crível que esta obrigação ética seja aceite por todos eles, pelo que o machado de guerra está longe de estar enterrado de vez!