Como sabem, tenho dedicado algum tempo a estudar o mercado de trabalho português e a tentar compreender melhor as fontes da desigualdade salarial em Portugal em função do sexo. Todo o trabalho que tenho feito nessa área é em co-autoria com Miguel Portela, também professor aqui na Universidade do Minho. Os dois co-orientámos uma aluna, Windy Noro, actualmente a trabalhar na embaixada portuguesa de Helsínquia, numa tese de mestrado sobre este assunto. Quando começou a fazer a sua tese, apenas havia dados disponíveis até 2012. Estamos, neste momento, a escrever um trabalho sobre o assunto já com dados de 2015, que recentemente ficaram disponíveis.

A base de dados que usámos chama-se “Quadros de Pessoal” e inclui praticamente todos os trabalhadores por conta de outrem em Portugal, ou seja alguns milhões. Como o objectivo final é o de estimar as diferenças salariais dentro das empresas e de várias profissões, considerámos apenas empresas e profissões com uma dimensão razoável (mais de 100 trabalhadores). Como não faz sentido falar em desigualdade salarial em profissões onde apenas trabalham homens ou mulheres, considerámos apenas aquelas em que no mínimo houvesse 10% de trabalhadores de cada um dos sexos. Finalmente, considerámos apenas trabalhadores a tempo inteiro. Com estas restrições todas, a nossa amostra ficou reduzida a 640.000 trabalhadores, sendo que metade são homens e a outra metade mulheres. Tudo o que vou dizer a seguir são factos relativamente a esta amostra.

Um primeiro dado importante é que, em média, as mulheres ganham menos 17% do que os homens. Estamos apenas a falar do salário base (ou seja, não estamos a incluir nem prestações regulares, como o subsídio de refeição, nem outras formas de remuneração, como horas extraordinárias ou prémios de produtividade). Este valor de 17% esconde o facto de a força de trabalho feminina ser mais escolarizada do que a masculina. Por exemplo, 30% das mulheres têm um grau superior, enquanto nos homens esta percentagem cai para 24%. Se tivermos a escolaridade em atenção, então a desigualdade salarial sobe para 20%.

Como a base de dados inclui informações bastante detalhadas sobre a profissão, pudemos ir ver quanto da desigualdade é explicada pelo acesso às profissões. E, na verdade, uma vez controlando para esse efeito, a desigualdade salarial cai em 8,5 pontos percentuais. Este é um dado interessante, quer dizer que mais de 40% da desigualdade é explicada pelo acesso às profissões, com as mulheres a irem para profissões menos bem pagas. Isso mesmo pode ser visto no gráfico que mostro em baixo.

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Sendo os dados de 2015, o salário mínimo era de 505€, pelo que as profissões com salários médios mais baixos pouco acima estão dos 500€. Repare-se que nas profissões mais mal pagas (com salários inferiores a 1000€) as mulheres representam mais de metade da força de trabalho. Se a isto juntarmos o facto de que metade dos trabalhadores recebe menos de 780€ por mês, percebe-se a importância deste efeito. Como se vê no gráfico, em profissões com ordenados base superiores a 1000€ a percentagem de mulheres cai drasticamente.

Mas o acesso à profissão é apenas um dos lados da moeda porque, na verdade, uma mulher com a mesma idade, as mesmas qualificações e a mesma profissão que um homem tem um ordenado base, em média, inferior em 11,5%. Este dado levanta outra questão interessante que é a de saber em que profissões a desigualdade é maior. O gráfico seguinte dá-nos uma imagem dessa desigualdade.

As profissões com menor nível de desigualdade (um pouco mais de 6%) são aquelas que têm um salário médio na casa dos 2000€. Nas profissões onde está o grosso da força de trabalho (profissões com salários entre os 700 e os 1000€), a desigualdade anda na casa dos 14% e, para salários mais baixos, reduz-se para 10% (muito provavelmente, graças ao salário mínimo, que impede que a desigualdade seja maior). É interessante verificar que, para profissões mais bem pagas, a desigualdade aumenta, atingindo um valor máximo de 16% naquelas com ordenados mensais de 3300€. Acima desse valor, a desigualdade reduz-se. Mas como é visível no gráfico, acima desse valor, são muito poucas as profissões, pelo que pouco impacto tem nos resultados globais.

Em forma de conclusão, podemos dizer que a desigualdade salarial média em Portugal anda na casa dos 20%. Este valor tem, pelo menos, duas camadas. Por um lado, menos mulheres acedem a profissões bem pagas; por outro, mesmo dentro da mesma profissão, as mulheres têm salários menores. As opiniões são livres, mas os factos não. E, apesar de este ser um artigo de opinião, tudo o que descrevi são factos.

Post Scriptum

No artigo da semana passada, queixei-me da pequena percentagem de homens a assinar as petições que protestavam contra o acórdão escrito pelo juiz Neto de Moura (e também assinado pela juíza Maria Luísa Arantes) a pretexto de um caso de violência doméstica. Vários leitores encontraram uma explicação simples para esse facto: as mulheres gostam mais de assinar petições do que os homens. O argumento faz sentido. Afinal as mulheres são bastante mais histéricas do que os homens. Além disso, entre preparar o jantar, passar a ferro e dar o banho às crianças, têm muito tempo livre. Juntando tudo, é possível que se dediquem mais do que os homens a assinar petições.

Na verdade, como é óbvio, não tenho dados que me digam qual é, em média, a percentagem exacta de mulheres e de homens a assinar as petições. Felizmente, o European Social Survey tem no seu inquérito umas perguntas sobre se as pessoas assinaram petições. Vendo os dados para Portugal, percebemos que a percentagem de homens e mulheres a assinar petições é sensivelmente a mesma e, consequentemente, a quantidade de homens e mulheres a subscrever petições é bastante semelhante, quase 50% ara cada lado. Os dados são uma chatice quando desmentem os nossos preconceitos, não são?