No meio da berraria pseudo-patrioteira que tem poluído o debate político nacional sobre a possível aplicação de sanções a Portugal por parte da UE é fácil perder de vista o essencial. Importa por isso relembrar o que está em causa. No comunicado de imprensa da Comissão Europeia divulgado a 7 de Julho, o Vice-Presidente Valdis Dombrovskis, dificilmente podia ter sido mais claro:

Espanha e Portugal percorreram um longo caminho desde o início da crise, graças a importantes ajustamentos orçamentais e a grandes reformas para recuperar a competitividade. Contudo, ultimamente os dois países desviaram-se do caminho da correção dos seus défices excessivos e não atingiram os seus objetivos orçamentais.”

O que está em causa é, obviamente, o défice e o abrandamento dos esforços para a sua redução desde o final do resgate em 2014. Um abrandamento já marcadamente reflectido no défice de 2015. As culpas não começam, por isso, no actual governo, ainda que António Costa tenha pouca moral para apontar o dedo ao seu antecessor, já que agravou substancialmente a tendência de laxismo orçamental desde que assumiu funções no final de 2015 – com a consequente perda de credibilidade internacional. Tudo conjugado, parecem cada vez mais alinhados os factores necessários para desencadear uma tempestade perfeita, que era possível já antever no horizonte no final de 2014.

Neste contexto, o radicalismo dos partidos de extrema-esquerda que sustentam o Governo só vem agravar os riscos para Portugal. Se o Bloco de Esquerda exige um referendo para enterrar o “tratado das sanções” (qual seria a pergunta colocada a referendo?), o PCP difere apenas na forma exigindo por sua vez uma cimeira intergovernamental para a mesma finalidade. Um objectivo que, como é sabido, tem também adeptos no interior do próprio PS.

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Curiosamente, alguns dos que mais lastimaram a demagogia anti-UE de parte da campanha do Leave no Reino Unido conseguem ao mesmo tempo manifestar-se a plenos pulmões contra a UE por esta assinalar o excessivo défice do Estado português face aos compromissos assumidos e anunciar a intenção de agir em conformidade. A verdade é que, no actual contexto português (resultado dos efeitos acumulados dos défices passados), o défice deixou de ser matéria exclusivamente nacional, como bem explicou Rui Ramos:

O défice, ao contrário do que insinua a actual maioria parlamentar, não é uma simples birra estatística ou ideológica. Para uma das economias mais endividadas e estagnadas da Europa, que só o BCE separa da bancarrota, o défice é um problema de financiamento externo.”

Como até o Quantitative Easing do BCE deverá ter os seus limites, será muito difícil arranjar quem pague a reversão de medidas do governo anterior e o laxismo orçamental. Seria importante perceber de uma vez por todas – e independentemente das cores partidárias – que o que realmente constitui uma traição a Portugal é não aprender nada com os erros cometidos, empurrando alegremente o país para um desastre anunciado e um novo pedido de assistência externa.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa