Na semana passada o Banco Central Europeu anunciou a fixação da taxa de juro de referência em zero pontos percentuais. E se esse anúncio foi motivo de espanto para muitos, a eventualidade deste organismo vir a remunerar a própria concessão de empréstimos à Banca, com vista ao financiamento directo das empresas, viria ainda a causar maior perplexidade.

Acontece que esta decisão limitou-se a seguir decisões semelhantes, recentemente tomadas, quer pelo banco central da Suíça quer pelo banco central do Japão. A justificação apresentada para tais medidas extremas assentou, em qualquer dos casos, na necessidade inadiável de reforçar o estímulo ao crescimento económico que teima em não descolar.

A reacção dos diversos atores nos mercados financeiros não se fez esperar. Continuam cépticos sobre estes passos de aparente magia dos bancos centrais assumindo, provavelmente, que decisões tão extremas e estranhas são a prova de que a crise se instalou de um modo latente e a tão desejada retoma será o caminho das pedras dos tempos mais próximos.

No fundo, estas surpreendentes decisões remetem-te para uma palavra que perpassa de momento toda a economia mundial: estagnação.

Mas vejamos. A primeira década do século XXI foi um tempo de crescimento económico sem precedentes. O mundo rico ficou mais rico e o mundo em desenvolvimento deu um enorme salto em frente. Recorde-se que, em 2007, a taxa de crescimento dos mercados emergentes atingiu 8.7%.

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Perante tais números, tanto os economistas como as instituições de avaliação e análise económica, começaram a falar em “convergência”, na medida em que também o resto do mundo mais empobrecido estava finalmente a alcançar o Ocidente. Depois veio a queda.

Ainda assim, após o pico da crise de 2007/2010 (crise do subprime, iniciada nos mercados da dívida imobiliária dos USA e que que se estendeu à Europa, sob a forma de crise do sistema bancário e das dívidas soberanas), todos esperavam, como habitualmente, que as economias voltassem a crescer a um ritmo acelerado e consistente. Tanto mais que até então sempre assim tinha acontecido, quer na sequência de guerras quer na sequência de grandes catástrofes ou mesmo crises endógenas ao sistema económico, como em 1929 ou 1997.

Como resposta, tivemos de seis anos de estímulo financeiro nos USA, com taxas de juro quase zero; compras maciças de dívida na zona euro; injecção, pelos bancos centrais do G7, de mais de 5 triliões de dólares na economia (só nos últimos 5 anos).

A verdade, porém, é que o crescimento é débil em toda a zona OCDE e tendendo para a desaceleração em todo o espaço emergente (com a China a baixar de taxas próximas dos 10%, para uma previsão em 2016, em torno do 6%, já para não falar da recessão no Brasil ou na Rússia). Desta vez, tudo parece ser diferente (para usar a expressão de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, no seu imponente estudo sobre a história das crises financeiras). Hoje em dia, o crescimento parece ter chegado ao limite.

Agora os mesmos economistas e instituições, bem como os investidores, começam a confrontar-se com uma nova e sombria realidade: o mundo está a entrar num caminho estreito e lento de débil crescimento e não sabe como sair dele.

Como é que se chegou até aqui? Passou a ser a pergunta mágica. Como podemos escapar à aparente estagnação e por que razão os remédios tradicionais de política monetária, cambial e orçamental não estão a resultar?

Pergunta tanto mais pertinente, quanto confirmada, quer pela Directora Geral do FMI ao chamar, mais uma vez, a atenção para os riscos de esmorecimento da actividade económica caso nada seja feito pelos Estados quer, ontem mesmo, pelo banco Morgan Stanley, que advertiu para a quebra dos vários indicadores de conjuntura e perspectivou uma nova recessão mundial (risco de 30%).

Ou seja, apesar dos estímulos, quer no Ocidente quer no resto do mundo, a tendência continua a ser no sentido da estagnação económica. O panorama parece agora cada vez mais o do crescimento económico anémico, com elevado endividamento e incipiente aumento de produtividade.

E este quadro é ainda mais preocupante numa Europa, cujo compromisso social e cuja estabilidade democrática, segurança e bem-estar, têm como lastro o crescimento económico contínuo.

É certo que períodos de estagnação e recessão sempre existiram na história do desenvolvimento económico mundial. Mas hoje, face à expectativa entretanto criada, assente numa utopia de crescimento contínuo, alguma coisa nova se passará.

Mas voltemos à tal pergunta mágica. Será o actual “arrefecimento” da economia, temporário, reversível, como tantas vezes já sucedeu ou, pelo contrário, estamos em presença de “uma era de estagnação secular” (como lhe chama o ex. conselheiro económico de Barack Obama, Lawrence Summers, no seu ensaio The Age of Secular Stagnation)?

Se, ao mesmo tempo, adicionarmos a este cenário a revolução tecnológica e o seu impacto destrutivo no mercado de emprego tradicional; se somarmos a hecatombe demográfica nalguns países (Alemanha, Rússia ou mesmo Portugal) associada ao seu impacto negativo na sustentabilidade dos respectivos sistemas de protecção social; se somarmos, ainda, a actual crise migratória, quer de carácter humanitário quer, sobretudo, de origem económica, aumentaremos, seguramente, as razões para estarmos preocupados.

Paradoxalmente, ainda recentemente, foi celebrado em Paris um grande acordo para reduzir o impacto da actividade humana no meio ambiente, nomeadamente a económica, de modo a garantir a sustentabilidade das novas gerações (veja-se sobre este tema a excelente obra do teólogo suíço Hans Kung). Isto é, de um lado, temos a necessidade de evitar crescimento económico para proteger o homem e, do outo lado e em simultâneo, uma preocupação face ao perigo de estagnação económica estrutural ou secular.

De facto, se nos lembramos do famoso relatório Brundtland (Our Common Future, 1987). Se nos lembrarmos, ainda, do trabalho do Clube de Roma (The Limits of Growth, 1972), sobre os riscos do crescimento económico, é realmente um paradoxo estarmos agora a reflectir sobre os riscos do não crescimento. Parece que vivemos, freneticamente, a síndrome do ciclista, que tem de travar e ao mesmo tempo não pode parar de pedalar para não cair.

Lawrence Summers, no referido ensaio, diz ter esperança numa resposta articulada à dita questão mágica e que isso possa acontecer já em Setembro, através do G20 na cimeira de Hangzhou (China). O economista de Harvard defende, basicamente, a retoma através do reforço de uma política orçamental expansiva à escala planetária. No fundo, uma réplica do tão anunciado, quando até agora virtual, Plano Juncker, entretanto aprovado no espaço da União Europeia. Resta saber se um novo anúncio desse género (mais um apelo à velha solução keynesiana de intervir pelo lado da procura) não terá o efeito déjà vu e um impacto mais ou menos perto do…zero.

Em alternativa, sempre podemos continuar a apostar na utilização de matérias-primas e processos industriais menos poluentes, energias “limpas”, produções agrícolas biológicas, um melhor aproveitamento e reciclagem dos objectos, uma nova internet das coisas, etc. etc.

Sejamos optimistas. Com ou sem estagnação secular só o optimismo nos poderá manter à margem do desespero. Afinal, não podemos deixar que nos roubem o futuro!

Professor universitário