Faz sentido que o ano acabe e comece no mais fundo do inverno. É boa altura para fazermos o balanço dos doze meses passados. Quando o costume de terminar e iniciar o ano num certo dia foi inventado, era o tempo (no hemisfério norte, pelo menos…) em que nos sentávamos ao pé da lareira durante noites compridas, a pensar em tudo, depois de nos fartarmos de cantar e de recitar poesia má. Era uma ocasião para meditarmos no frio que fazia e em como estávamos desiludidos connosco próprios.

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Este fim de semana, estamos no início de Janeiro, já reflectimos e já resolvemos ser melhores e fazer melhor, e existe a sensação, como em todos os outros anos, de que o botão “reset” foi clicado. Essa sensação é acentuada em Lisboa porque faz sol, e Lisboa está limpa e brilhante e fresca, apesar dos malditos graffiti, e “rebooted”.

Se, como eu, você sofre/goza (riscar o que não interessa) de sinestesia temporal-espacial, pode bem estar a ver este “reset” no seu calendário visual interno. No dia 31 de Dezembro de cada ano, encontro-me no fim de uma estrada cheia de buracos e mau-troços, de coisas más e de coisas boas, de experiências e de objetos. Essa estrada corre para meu lado direito e para trás.

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Mas no dia 1 de Janeiro de cada ano, passo a estar no início de uma nova estrada. Janeiro está diretamente em frente de mim, a preto e branco, e o resto do ano faz uma curva para a esquerda. A tudo o que fica para além de Janeiro, falta foco. Fevereiro quase não existe (acho que isso é porque é a altura do ano em que normalmente percebo que o novo ano vai ser parecido com o antigo), Março é maior e cinzento e a estrada desce um bocado. Abril e Maio são blocos claros e grandes, da cor da luz do sol a bater em folhas frescas, e dirigem-se para o verão, numa planície. Junho, estranhamente, é silencioso e não o vejo. Julho e Agosto dominam o ano, esticados para a esquerda, muito mais do que a sexta parte do ano que, juntos, representam (isso deve ser uma sensação que me ficou de quando era miúda e o verão era eterno). Setembro, Outubro e Novembro estão esmagados uns contra os outros e parecem ainda mais abaixo do que os outros meses, perante Dezembro, que sobe no fim, quando o ano de 2014 acaba numa escuridão total. 2016, até agora, não existe no meu calendário visual interno.

Esta estrada de 2015, porém, está vazia de tudo, menos de potencial.

A parte maluca disto tudo é que, de um dia para o outro, convencemo-nos de que o ano que vem tem um grande potencial para nós. Maluca, porque é só mais um dia no contínuo dos dias. É só o ano novo porque alguém decidiu que Janeiro 1 seria Janeiro 1 e o primeiro dia do ano novo.

Mas experimente sair à rua na primeira semana de Janeiro e há um sentimento genuíno de “vamos tentar de novo!”, “sim, podemos!” e outros ditos de posters motivacionais foleiros. Vamos passar os próximos quinze dias a desejar genuinamente a todos um bom ano, um ano de sucesso, e a esperar e a crer que sim, ESTE ano vai ser diferente e melhor para todos nós.

Claro que não vai ser, mas podemos ter esperança, não é? Embora só haja seis pessoas no mundo que conseguem manter as suas resoluções do ano novo durante mais de uma semana, pelo menos tentamos ser melhores e fazer melhor, pelo menos durante um tempo, e esperamos que os buracos e mau-troços da estrada não sejam demasiados devastadores.

Vamos a isso, 2015!! Bom ano novo.

(traduzido pela autora do original inglês)

 

The road more or less travelled.

It makes sense that the deepest winter should be the end of one year and the beginning of the next. It is a good time for taking stock. When the idea was invented, the idea of ending and beginning a year on a certain day, it was the time (in the northern hemisphere, at least… where the idea was invented) that we huddled round the fire on the long nights, thinking about things, once we were bored with singing and bad poetry. It was a time to reflect on how cold it was and how disappointed we were in ourselves.

This weekend, we are standing at the beginning of January, the reflecting has been done, we have resolved to be and do better, and it feels, just as it does every year, as if the reset button has been pressed. That sensation is helped along in Lisbon as the sun is shining, and the weather is crisp and bright and cold. It is bright and shiny (apart from the goddam graffiti) and rebooted.

If you, like me, suffer from/enjoy (delete as necessary) time-space synaesthesia, you may be seeing this reset on your internal visual calendar. On the 31st of December each year, I am at the end of a bumpy road, filled with potholes and bumps, covered with bad things and good, experiences and objects, and it stretches out and back and down to my right.

But on the 1st of January each year, I wake up standing at the beginning of another road. January is straight ahead of me, black and white and clear, rising up, but the rest of the year is curving around to the left and everything past January is a little blurry. February is almost non existent (I think because it’s usually when I realise that the new year is pretty much going to be the same as the old one), March is bigger, grey, and the road has dipped down. April and May are bright and big blocks, the colour of sunlight on fresh leaves curving into the summer, on a flat plain. June is oddly silent and I can’t see it. July and August dominate the rest of the year, stretching out to the left for far more than their actual allotted time of 1/6th of the year (this a leftover from childhood when summer holidays seemed to last forever). September, October and November are crunched up and lower down than the summer, bunched up in front of December, which rises up at the very end, when the year 2015 ends in total darkness. 2016 is, so far, non existent in my visual calendar.

This 2015 road, however, is entirely empty of everything except potential.

The crazy bit is that we do, from day to the next, feel like there is new potential for us in the year to come. Crazy, because it’s just another day in the continuum of days. It’s only the new year because someone once decided that January 1st was January 1st and the first day of the new year.

But walk out on the street in the first week of January and there is a genuine feeling of “let’s try this again”, “yes we can!” and other obnoxious motivational poster slogans. We will spend a couple of weeks cheerfully and genuinely wishing each other a happy new year, a successful new year, and hoping and believing that yes, THIS year will be different and better for all of us.

Of course, it won’t be, but we can hope, can’t we? Although only six people in the world ever stick to their new year’s resolutions for more than a week, at least we try to be and do better, for a while, at least and hope that the potholes bumps in the road won’t be too devastating.

Up and at it, 2015!!! Happy new year.