O que se está a passar na Grécia não se passou em mais lugar nenhum. Uma andorinha não faz a Primavera e a austeridade, como lhe chamam, não acabou nem acabará tão cedo. Pelo contrário. A perturbação que a estranha coligação grega está a introduzir na Europa só pode agravar as dificuldades já existentes, criando mais instabilidade e ameaçando toda a espécie de riscos em cadeia. É preciso ter memória: a Grécia foi o primeiro país a ser intervencionado; os outros vieram depois e já saíram dos programas de ajustamento; a Grécia continua, vai para cinco anos, com vários resgates e perdões sucessivos; a Grécia recebeu três vezes mais do que Portugal e paga uma percentagem do PIB menor que a nossa. Mas a sua situação é, aparentemente, cada vez pior.
Entretanto, dois novos países aderiram à moeda única e outro entrou para UE, a qual continua a dar abrigo às novas democracias saídas da implosão do império soviético, como acontecera connosco, a Espanha e a Grécia há 40 anos, embora pareça que Mário Soares se esqueceu dessa função política decisiva da UE. Não se percebe bem, aliás, por que motivo o anterior governo grego precipitou as eleições, tão democráticas quanto as de domingo passado, abrindo assim espaço para o Syriza capitalizar o desespero causado pelas oligarquias gregas e para mobilizar a reacção nacionalista contra a Alemanha e o euro.
Também só a Grécia tem um sistema eleitoral inverosímil que oferece 50 deputados grátis ao primeiro partido votado. O Syriza era de resto contra essa manigância inventada pelos oligarcas mas não deixou de se aproveitar dela, o que todavia não lhe dá 50% do voto popular. Bem de longe disso, teve apenas 36% e a abstenção foi superior (37%), como de resto sucede entre nós. Para fazer governo, foi aliar-se, não com o «To Potami» que pertence à esquerda europeísta, mas sim com um partido da direita nacionalista e anti-euro, os «gregos independentes».
Quando escrevi que o apoio de Marine Le Pen ao Syriza mostrava como os extremos partidários se tocam, aquela coligação confirma abertamente isso. A única coisa que cimenta a nova aliança grega é o nacionalismo ulcerado que se arrisca a precipitar o país fora da UE e a provocar a desestabilização da moeda única, o que faz rejubilar os soberanistas de todos os matizes. Muitas destas reacções são aliás reminiscências históricas como a odiosa ocupação alemã no fim da 2.ª Guerra Mundial e a própria guerra civil que divide os gregos até hoje.
Tudo isto diz exclusivamente respeito à Grécia e só por oportunismo tem sido usado pelas pretensas alternativas à «austeridade» prometidas em Espanha e Portugal, incluindo o PS da nova variante nacional-desenvolvimentista, género PC do PREC, que está a emergir com António Costa. Também os governos francês e italiano esticaram a orelha ao ouvir falar de anti-austeridade. A própria Irlanda não recusou discutir a dívida.
Com certeza. Caso a UE aceite suavizar os encargos da Grécia, todos cremos (e queremos) beneficiar com isso. Se beneficiaríamos ou não, resta saber, mas é pouco provável que os responsáveis da zona euro vão muito longe. É fácil pedir que se ponha a economia a mexer conforme se lê por tudo quanto é lado e o BCE já anunciou mais do que se esperava. Porém, hoje, no contexto da globalização e da correlativa desregulação, a receita keynesiana de meter dinheiro público na economia já não funciona. Não faz crescimento. Só consumo interno e dívida, lamentavelmente.
As autoridades europeias serão o mais diplomáticas possível com o novo governo grego. Não tanto por simpatia pelos males da Grécia como, sobretudo, pelos iminentes riscos de contágio não só económicos (é só dinheiro…) mas também políticos, abrindo mais espaço ainda à instabilidade eleitoral e às derivas populistas de esquerda como de direita, cuja convergência soberanista nunca foi tão grande e tão inquietante, agora que a URSS já não está lá para meter medo aos eleitorados ocidentais.
Resta saber se as novas autoridades gregas estarão disponíveis para fazer o resto do caminho, ficando-se por mais um adiamento do pagamento da dívida, que depois a Irlanda e Portugal pedirão também. Ora, é isto que é improvável. Não só o Syriza perderia a cara perante o seu público como os «gregos independentes» seriam capazes de romper a coligação e exigir a saída do euro. Se fosse só isso, o governo caía, faziam-se novas eleições e viria uma nova maioria, se o incrível sistema eleitoral grego permitisse.
O problema é que, se a situação não se clarificar dentro de uns seis meses, isso acabará por ter sérias repercussões na rua, seguramente em Atenas, possivelmente em Espanha e quem sabe se em mais algum lugar, enquanto as bolsas aproveitariam para especular contra o euro. Entretanto, com a radicalização da situação grega, baixaria o actual engodo pelo Syriza junto do PS português e do Podemos, sendo plausível que o anti-climax se estendesse a Portugal e a Espanha. Seria o melhor que nos poderia acontecer. Visto que a Grécia não é Portugal, então que Portugal não se transforme nessa Grécia para a qual não tem, manifestamente, vocação social nem económica, apesar da enxurrada ideológica veiculada pelos «media».